Eu a amo, você me ama,
desde tempos imemoriais.
Eu era uma lagoa de águas serenas,
você uma andorinha cigana,
que veio brincar nas minhas águas,
mas só molhou as penas

e depois não voltou mais.
Mas seu vôo ficou na minha memória
como marca feita por uma chama
e essa imagem é que fez a nossa história.
 
Quando começamos a nos amar,
(eu me recordo com muito carinho),
você era uma estrela do mar
e eu, um garboso cavalo marinho.
Ficava nas pedras lhe esperando
escondendo-me dos siris e das arraias.
Mas você se enamorou do camarão
e encontrava-se com ele na praia.
Para mim não sobrava nem um beijo
e assim eu fui me desesperando,
e acabei na barriga de um mexilhão.
  
Nossa primeira experiência como gente
aconteceu no vale de Neandertal.
Eu era um caçador competente
não muito diferente de um animal.
Você era uma garota travessa
que gostava de ir á floresta bater perna.
(Isso foi antes da queda do asteróide).
Eu a salvei do ataque de um bisonte
e levei você para a minha caverna.
Você morreu gerando nossos descendentes,
e eu terminei essa experiência de antropóide,
na boca de um tigre que tinha sabre nos dentes.
 
Reencontrei-a no mais antigo dos Egitos
depois da Atlântida desaparecida.
Envolvida em lendas e outros mitos
do Faraó você era a princesa prometida.
Eu fui Osíris- Nefer, o maravilhoso
e você Ísis- Nefertiti , a fabulosa.
Mas Seti- o deus das trevas, invejoso
contra nós fez uma trama tenebrosa.
Matou-me, pois não queria nos ver juntos.
Mas Rá, nosso pai, castigou sua maldade,
e fez de mim o deus-guia dos defuntos
E de você a deusa-mãe da fertilidade.
 
Depois, foi na Tróia soberana.
terra de Páris, Príamo e Heitor.
Você era uma bela troiana

meiga vestal que sonhava com o amor.
Não era Cassandra, Priceis ou Helena

mas tão bonita quanto uma dama romana
você fazia até ciúme para Atena.
Eu era só um bárbaro soldado aqueu,
valente, mas como Aquiles bem menos,
esperto, mas não tanto quanto Odisseu.
Sai do cavalo de pau, junto com os micenos
para queimar a Albion orgulhosa.
Lutei, queimei, matei, morremos.
Ambos tombamos naquela guerra pavorosa.


Renasci como um cidadão romano,
livre, mas não da classe patrícia.
Tornei-me soldado pretoriano,

da Roma imperial uma temida milícia.
Você nasceu numa família cristã,

do Nazareno a mais fiel devota
inimiga de Roma e da nossa fé pagã,

que para você era uma religião idiota.
Mas Nero queria compor uma canção
e pôs fogo em Roma para se inspirar.
Depois pôs a culpa no povo cristão
a quem acusava de muito conspirar.
Eu, apaixonado, tentando lhe salvar,

juntos acabamos nos dentes de um leão.

Voltamos nos tempos de Gengis Cã.
Eu era um rústico guerreiro tártaro,
você, uma meiga donzela castelã.
Invadi o seu reino,como um bárbaro
botei fogo em seu castelo medieval.
Seu pai, para salvar o próprio relicário
me deu você num acordo matrimonial.
Mas você amava um cavaleiro templário
e se matou na noite do himeneu.
Me suicidei também de pura vergonha

pois o guerreiro jamais acha que perdeu
e nunca renuncia ao dote que ele sonha.

E então - que tempo mais nefando-
foi aquele da Revolução Francesa!
Nasci com sangue azul, nobre normando,
e você, uma robusta e bela camponesa.
O povo francês, achando que isso era bom
iniciou uma sangrenta revolução.

Seu pai era um deputado jacobino
amigo de Robespierre e Danton,
burguês e acima de tudo, um maçom.

Talvez fosse mesmo o destino
que quis nos dar a mesma sina.
Minha condição de nobre me condenou
e minha cabeça rolou na guilhotina.
E desta vez foi você quem se matou.

Veio então a Segunda Guerra mundial.
Eu me alistei na Força aérea americana,

achando que lutava por um ideal
e morrer pela democracia era bacana.
Você era enfermeira de sangue alemão,
e, mais que tudo, prezava a vida humana.
Você deixou de lado a sua convicção
e me escondeu, ferido, numa cabana,

porquê mais forte que a ideologia é a paixão.
Nos amamos durante uma semana
mas a Gestapo descobriu sua traição

e fomos juntos fuzilados em um paredão.

Agora sou um mano bem manero,
curto rock, danço rapp e timbalada.
Sou moderno, tenho charme e dinheiro
e você é uma mina gata e preparada,

entre todas você sempre chega primeiro.
Ando de moto, vou á faculdade, tenho planos.
Você vai ao shopping, ao cinema e à balada.
Finalmente, depois de quarenta mil anos,

de um amor andando na corda bamba
me parece que nós dois estamos prontos.
E a nossa história, feita de tantos desencontros
pela primeira vez há de dar samba.