AMOR, VINHO E INVERNO
Era uma manhã de inverno fria, silenciosa e penetrante, em uma cidade interiorana da grande São Paulo, o vento soprava com intensidade e acariciava as árvores fazendo-as bailar no ar, raios riscavam o céu de um canto a outro, iluminando toda a linha do horizonte e, o clima congelante não permitia que a jovem Helena deixasse os seus cobertores… A garota já estava bastante atrasada, para o seu primeiro dia no novo emprego, mas mesmo contra a sua vontade, ela se levantou e foi até a janela para apreciar o cenário fascinante da estação de Inverno. O dia estava fleumático e muito chuvoso, os pingos de chuva que caiam do céu formavam gotículas coloridas; nesse clima natural e contagiante, Helena deixou-se envolver, ela foi afastando devagar as cortinas transparentes, e estirou seu braço direito, como se quisesse segurar a chuva, queria tocá-la, sentir sua fragrância, pois aquele aroma de terra molhada inebriava os seus sentidos. A garota virou-se bem devagar e foi se trocar, não queria perder sua condução...
Helena era uma jovem saudável, de classe média, muito emotiva; às vezes do nada, chorava rios de lágrimas, e já em outras vezes sorria sem motivo algum. Heleninha, como era conhecida por todos, na flor da juventude, em seus dezenove anos de idade, tinha cabelos longos, olhos amendoados, face rosada e corpo esbelto; sempre foi considerada a mais bela do seu bairro. Seus pais tinham viajado em uma excursão religiosa e a bela jovem ficara sozinha em seu aconchegante lar...
A deslumbrante garota se vestiu com uma roupa quente, casaco de frio, e saiu correndo em disparada até o portão, para não perder o ônibus que passava, por ali, naquele exato momento...
Ao chegar a seu trabalho, a jovem percebeu um clima pesado, como se um rio, com águas turvas, houvesse preenchido todos os cômodos do escritório. Salas vazias, pessoas de semblantes tristes circulavam caladas pelos corredores. Ela imediatamente entrou na primeira sala que avistou. Perguntando ao atendente:
- Bom dia, senhor! Sou a nova digitadora. O que aconteceu por aqui?
Um senhor de cabelos grisalhos, como capuchos de algodão, respondeu-lhe, suavemente:
- Bom dia, senhorita! O diretor da empresa faleceu, subitamente, essa manhã. Hoje não haverá expediente, mas a senhorita pode falar com o diretor adjunto, na sala ao lado.
Helena quedou-se, paralisada, e deixou o recinto logo em seguida. A garota entrou na sala, e não acreditou no que viu. Sentado de cabeça baixa estava alguém que ela conhecia muito bem, um antigo amor que veio do seu passado, ela parou em frente dele, e quebrou o silêncio:
- Gustavo é você? Há tanto tempo não te via! Você estava em Londres?
Um jovem de cabelos negros, olhos azuis, barba expressa e vestindo-se com um terno elegante e preto; olhou-a dos pés a cabeça e falou:
- Heleninha, que prazer revê-la! Voltei ao Brasil há pouco tempo. Não soube mais notícias suas, desde aquele acampamento de inverno.
O rapaz se levantou, a envolveu em um grande abraço, e a beijou suavemente nos lábios. A garota retribuiu o selinho e eles se sentaram lado a lado. Os dois ficaram conversando por horas, que nem perceberam o tempo passar. Lá fora a chuva castigava a pequena cidade, o tempo pardacento, e um resto de neblina escurecia ainda mais o cenário, deixando o ambiente congelante. O silêncio foi quebrado pela voz grave do ascensorista do elevador que morava naquele mesmo edifício:
- Senhor Gustavo, a rua está completamente alagada, será impossível vocês deixarem o prédio! Eu já vou me recolher, pois todos já foram embora.
O rapaz franziu a testa, em sinal de preocupação, e falou para o ascensorista:
- Obrigado José, você pode se recolher, que daremos um jeito!
Gustavo levantou-se devagar, foi até o frigobar, pegou uma garrafa de vinho branco e duas taças. Aproximou-se de Helena, olhou-a firmemente, afastou os seus cabelos de leve, deixando o pescoço exposto, segurou-a em seus braços, molhou os seus lábios com vinho, e beijou-a ardentemente. A garota estremeceu e entregou-se por inteira, de corpo, alma e mente. O corpo de Helena estava mole e totalmente entregue a Gustavo; os dois se amaram perdidamente. Os gemidos invadiam os corredores vazios daquele ninho de amor, enquanto o vinho molhava a saliva do casal que não parava de se beijar. A noite fria foi aquecida pelas chamas ardentes do vulcão, do casal, que entrara em erupção, e assim tudo estava consumado. Gustavo e Helena, já cansados, deitaram-se no tapete vermelho da sala e adormeceram em companhia do vinho, naquela ardente noite de inverno...
Já era quase manhã quando Gustavo acordou Helena com um beijo quente em seus lábios. A garota despertou, e percebeu que não havia sido um sonho, mas sim realidade... Os dois foram ao velório do diretor da empresa e não se desgrudaram nunca mais.
Os tempos passaram... Helena foi morar em Londres com Gustavo, os dois se completavam perfeitamente; eles foram muito felizes, mas nunca se esqueceram daquela noite de amor, vinho e inverno.
Elisabete Leite – 03\09\2019