VESTIDO VERMELHO.

Joana estava distraída procurando biscoitos no corredor do supermercado, era pouco mais de nove e meia da noite. O esposo, Rodrigo, estava no açougue aguardando ser atendido, ele era o tipo de pessoa de poucas palavras, às vezes até ausente.

Na manhã daquela sexta-feira eles haviam discutido, o motivo era o vestido vermelho que Joana havia comprado, Rodrigo achou curto demais, muito provocante. Ela, morena, altura mediana, olhos cor de mel, corpo definido, gostava de roupas apertadas que delineiam suas curvas, ele, odiava quando a esposa usava roupas apertadas, era sempre uma briga. Para evitar que a troca rústica de palavras com o marido se prolongasse, Joana desistiu do vestido, colocou uma camiseta simples branca, calça jeans preta, apertada.

O corredor em que ela estava dava de frente para o açougue, o esposo estava sendo atendido, eles não havia trocado uma única palavra desde que saíram de casa. No balcão haviam dois atendentes, enquanto um conversava com Rodrigo, o outro observava Joana, não desgrudou os olhos dela, fez algum comentário a respeito com o amigo, que, naquele momento atendia exatamente Rodrigo, o segundo balconista que fez os comentários nem imaginava que aquele moço era o esposo de Joana, ela não ouviu nada do comentário do rapaz, no entanto, percebeu pela expressão o olhar de fúria do marido que havia algo errado.

- Você escutou isso Joana… Escutou isso? Disse ele à esposa enquanto ela se aproximava, olhar consternado de Rodrigo.

Ela não respondeu de imediato, ficou encarando-o, como se dissesse no olhar,'agora você quer conversar'.

- Escutou o quê? Eu estava no corredor. Disse ela por fim, a contra gosto.

- Esse cara aí, filho da mãe, ficou te encarando, te comendo com os olhos, fez comentários a seu respeito, eu te disse que não era para ficar usando essa merda de roupa, olha só no que dá.

- Pelo menos alguém me admira de verdade, gosta do que vê, né, Rodrigo, diferente de você que nunca tá contente com nada do que eu uso.

Aquelas palavras deixou-o ainda mais possesso, que fez um escandalo no supermercado, xingou o balconista, chamou o gerente. As poucas pessoas que ali estavam ficaram assustadas, Joana, morta de vergonha, desejou sair correndo. Antes de saírem, enquanto Rodrigo falava com o gerente para que tomasse providências, olhou rapidamente para o balcão do açougue, queria ver melhor quem era o tal rapaz, uma troca rápida de olhares entre Joana e o balconista, que tentava se desculpar com o gerente, Rodrigo estava descontrolado, cego, sem motivos para discussão, ele sempre fazia cena, ela, admirada com a beleza do moço, ficou curiosa em saber o que ele realmente havia dito.

Duas semanas depois, enquanto Rodrigo estava no trabalho, Joana colocou o vestido vermelho e foi para o mesmo supermercado. A princípio, ela ficou no mesmo corredor de biscoitos, de frente ao açougue, naquele começo de tarde o supermercado estava vazio. No balcão figurava apenas um atendente, sim, era ele, o misterioso admirador, ela o reconheceu. Ele por sua vez, a percebeu no corredor, ficou olhando. 'Será que ele se lembra de mim', pensou Joana. Relutou em se aproximar, a cena do marido estava ainda muito viva na memória. Joana queria saber o nome do rapaz, vê-lo mais de perto. Aquela era a oportunidade, não havia ninguém no balcão, receosa, aproximou-se, ficou olhando o balcão como se estive com dúvidas no que levar.

- Boa tarde moça, posso te ajudar.

Disse o rapaz muito educadamente.

Ela, tímida, respondeu.

- Estou indecisa, não sei ao certo o que levar.

Uma troca de olhares entre eles, olhar que diziam mais do que qualquer palavra pronunciada.

- Fique a vontade para escolher.

O rapaz tinha olhos verdes, alto, o crachá pendurado no peito figurava o nome do admirador, Hércules, nome imponente, na segunda troca de olhares a certeza de que ele se lembrava. Não houve mais palavras, apenas olhares, ela não escolheu nada, agradeceu, levou apenas a certeza de que era ele sim, não havia dúvidas, era o belo macho admirador de sua estonteante beleza. Sua curiosidade agora era em saber quais eram as exatas palavras que Hércules disse. Joana retornou para casa antes do esposo voltar, tirou o vestido vermelho, escondeu-o para que ele não o visse.

Hércules estava nos pensamentos de Joana, em seus sonhos, imaginações. 'O que ele de fato disse?', pensava ela. Joana sabia que o marido havia exagerado, que colocou na boca de Hércules palavras que ele não havia dito. No entanto, a idéia de que ela era admirada e desejada mexia com sua cabeça. O esposo não lhe dava a mínima atenção, era o tipo narcisista, preocupado demais consigo mesmo, não percebia a bela mulher que tinha em casa.

Joana estava decidida retornar ao açougue daquele mercado, e quem sabe trocar algumas palavras com seu admirador.

Na semana seguinte, surgiu uma nova oportunidade.

Sábado, Rodrigo estava trabalhando em seu dia de folga, era tudo o que Joana precisava para pôr o seu plano em prática. Trocou de roupa, colocou o mesmo vestido vermelho, perfume, cabelos soltos.

No mercado, movimento frenético, corredores lotados. Joana ficou no corredor de frente a segunda saída, local por onde os funcionários do mercado saíam para irem ao vestiário e refeitório. Ela sabia da rotina de Hércules, o havia observado dias anteriores. E sempre naquele horário ele saia, trocava-se, mas não almoçava no refeitório do mercado.

Era a oportunidade perfeita.

De repente, surge o rapaz, ela, deixou ser vista, ele, logo a percebeu. Troca de olhares. Para puxar conversa ela pediu alguma informação qualquer, era o pretexto para o começo de um breve diálogo.

- Tem um restaurante duas ruas daqui, sempre almoço lá, hoje vou fazer uma hora e cinquenta minutos de almoço. De repente, sei lá, se você quiser me acompanhar. Disse Hércules para Joana. Ela, embora achasse a atitude do rapaz ousada demais, aceitou, temerosa com receio de que alguém a visse, decidiu que a melhor coisa era sair logo do meio do público e aproveitar o momento. Saíram juntos, foram no carro de Hércules, o caminho era curto, ele, muito simpático, ela, desculpou-se pelo ocorrido semanas atrás, a cena patética do marido, Joana questionou-o sobre o que ele havia realmente dito.

- Eu apenas disse:'Nossa! Mais que mulher linda! Não vejo problema nenhum nisso, seu marido é que não sabe valorizar o que tem em casa.

Joana ficou vermelha, sentiu arder em si a chama do pecado, um desejo descontrolado. Elogiou-o, por fim, agiu de momento, e sem avaliar seus atos, beijou-o, primeiro no rosto, depois os lábios, ele, seguiu caminho para um local ermo, sem movimento. Ela, cheia de medo e tesão, agarrou-o como uma fera a sua presa. Faziam semanas que Joana não tinha relações com o esposo. O desejo foi maior que o medo, entregou-se à Hércules, beijada, chupava, como nunca foi antes.

Transaram ali mesmo.

Depois da perigosa aventura amorosa, pediu para Hércules que a deixasse em certo local, para não levantar suspeitas. Hércules perguntou se teriam outra oportunidade, ela nada respondeu-lhe, seguiu seu caminho, satisfeita com o que havia feito, vingou-se como queria.

Chegou em sua casa antes do marido. Retirou o vestido vermelho, jogou-o no lixo, era preciso eliminar as provas do crime, tomou um banho e deitou-se, aguardando o esposo retornar do trabalho.

Os dias passaram rápidos, Joana esqueceu Hércules, não voltou mais ao mercado, nem junto do marido. Reclamava muito, dizia-se doente, tonturas, enjoos, vômitos. Meses depois veio a confirmação, da gravidez. Rodrigo ficou muito animado com a ideia de ser pai. Passou a comprar roupas, decorou o quarto do bebê.

Era um menino, passou a ser mais atencioso com Joana, acompanhando a esposa em todas as consultas. Ela, guardava dentro de si a incerteza, ou, a quase convicção de que aquela bela criança de olhos verdes, na verdade, era filho de sua aventura com Hércules.

A criança nasceu.

Não parecia em nada com o pai. Joana dizia que puxou parentes distantes, colocou na cabeça do esposo que era necessário mudar, ir para outro bairro mais sossegado, criar Jônatas em um ambiente mais tranquilo.

Os anos passaram.

Tudo parecia bem, toda a história com Hércules ficou no esquecimento, não de Joana, mais de Rodrigo. Certo dia, quando fazia compras em um hipermercado de renome, ao se direcionarem para o setor de açougue, qual não foi sua surpresa, no balcão estava ele, Hércules. Ela, com um vestido novo, vermelho, presente de aniversário. Rodrigo não se lembrava mais do rapaz, enquanto estava sendo atendido, escolhendo seus produtos, uma discreta troca de olhares entre Hércules e Joana. Ficou a certeza no coração dela, aquela bela criança de olhos verdes tinha os mesmos traços do pai, os lábios grossos, os olhos, furinho nas bochechas.

No coração de Hércules a dúvida, olhava para a criança, o coração pesado, preferiu o silêncio, era melhor deixar as coisas como estavam. 'Era melhor assim'.

Antes de irem embora, uma rápida troca de olhares, Hércules sentiu o coração gelar, àquele olhar dizia mais que qualquer palavra. Hércules sabia que a qualquer momento ela retornaria, sozinha, dele ficou o medo, nela, a certeza de quem era o verdadeiro pai.

Dias depois Joana retornou, o filho estava na escola, o esposo trabalhando. Procurou pelo rapaz, nada dele, ao perguntar, a resposta trouxe ainda mais convicção. Ele abandonou o emprego, 'foi embora', dizia os amigos, 'assim de repente', ninguém sabia explicar o motivo, 'estava tudo bem, mais ele sumiu', diziam, abandonou três anos no emprego, sem falar nada. Joana foi embora, vestido vermelho, em seu coração não restava dúvidas, ficou apenas o peso da mentira esmagando sua alma, crescendo a cada dia, uma mentira escondida no calabouço da alma.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 13/09/2019
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