A lembrança da borboleta
Foi por causa de um beijo, em uma noite de sexta-feira 13, que as coisas complicaram para Anderson. Foi em uma festa da galerinha do time, que ele se aproximou e por algum motivo que ele não conseguia explicar racionalmente deu em cima de Mariana, uma menina sem graça, que não tinha nada incomum com ele, mas que lhe despertou a atenção.
Ele passou a noite dando em cima dela, mas ela não cedeu e depois quando ele já tinha desistido, ela se aproximou e lhe deu um beijo molhado e demorado e foi embora.
Anderson ficou com o sabor dos lábios dela nos seus. O cheiro dela impregnado em suas narinas e o força do toque dela carimbado em suas costas, mas o que mais lhe assaltava os pensamentos era o fato de que ela somente o beijou quando ela quis.
No mundo em que ele vivia, era ele quem tomava as decisões, com sua confiança sempre em alta e seu bigode na régua. Tinha as mulheres quando queria e não quando elas desejavam.
Passou o restante daquela semana pensativo sobre o ocorrido. Até frequentou alguns locais que ele sabia que ela costumava ir, mas não há encontrou. Não sabia exatamente porque estava fazendo aquilo, mas algo lhe dizia que devia procurá-la.
No terceiro dia após a festa tomou coragem e foi até a casa dela. Isso depois de conseguir o número e mandar várias mensagens não repsondidas, decidiu que iria falar com ela olhando nos olhos.
Na casa grande, com muitas flores, ouviu do padrasto de Mariana que ela havia viajado e que ele não sabia quando ela ia voltar. Ele perguntou para onde, o homem falou e Anderson foi embora aborrecido.
Naquele domingo com a camisa 10 nas costas e a chuteira verde-limão da Nike, ele entrou em campo pelo varzeano. Desde o primeiro minuto de jogo ele não conseguiu jogar. Os dribles desconsertantes, os toques perfeitos e toda a imposição do armador tinham desaparecidos. A bola batia em suas pernas e corria para longe. Ele até correu, se esforçou, mas aquele não foi um bom jogo. Bateu dois escanteios, não conseguiu tirar do primeiro poste. Era um fracasso total. No intervalo pediu para sair.
O treinador relutou e deixou ele em campo, mas o segundo tempo não foi diferente do primeiro. Uma falta na entrada da área, local perfeito, de onde ele dificilmente errava, naquele dia foi direto na barreira.
Com o olhar já desconfiado dos torcedores, do treinador e dos amigos, e já ouvindo risinhos aqui e ali, decidiu que simularia uma lesão. O fez. Saiu do jogo.
No chuveiro do vestiário, enquanto a água corria pelo seu corpo, tudo o que ele sentia era o toque dela, o carimbo da mão dela no meio das suas costas e o sabor dos lábios dela nos seus.
O tempo rugiu e ele lembrou do sorriso dela em cada investida fracassada dele. Lembrou inclusive das inúmeras vezes que eles estiveram em um mesmo ambiente e que ele nunca sequer se aproximou dela. Sua mente via a imagem agora com tamanha clareza e nitidez.
Ele levantou a cabeça para cima e com a água fria caindo por suas costas em direção aos calcanhares, ele olhava para o teto branco, como se querendo entender tudo o que ele estava sentindo.
Seria amor? Não, ele não se apaixonaria assim com tanta facilidade, não ele, um verdadeiro garanhão, um homem de muitas mulheres, um sujeito experimentado na arte da conquista.
Se não era amor, então, por qual motivo a lembrança daquele beijo não se apagava da sua cabeça, como já se apagaram tantas noites tórridas de sexo que ele viveu com tantas mulheres diferentes?
Se era amor, ele já não estava gostando dele, pois, pela primeira vez ele poderia ter sido escolhido o pior em campo e não havia nada que ele presava mais do que o seu futebol e seu pseudo falso estrelismo conquistado nos campos de várzeas.
Seus pensamentos foram cortados pela chegada em arruaça do restante do time que praguejava por causa da derrota que haviam sofrido. Ninguém falava nada, mas ele via nos olhares: ele era o culpado, mal sabiam eles que, na verdade, ele era a maior vitima da história toda.