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Junior estava feliz, sua vida estava voltando a ter mais sentido e o amor estava voltando ao seu coração. Desde que vira Michela pela primeira vez, ele se apaixonara perdidamente; ela fora sua primeira namorada e o fato de ser mais velha não queria dizer nada para ele. O tempo que passaram juntos tinham sido os melhores de sua vida e desde que ambos terminaram, ele não se interessara por mais ninguém. Dedicou-se aos estudos já que queria provar que não era o garoto imaturo que todos julgavam que fosse.
Agora estava ali em frente ao espelho penteando o cabelo e trajando a sua melhor roupa para ir ao encontro marcado com ela e somente uma coisa o preocupava: ela estava noiva, de casamento marcado para o próximo fim de semana. Será que ela não conseguiria terminar com o noivo para ficar apenas com ele? Será que ela quisera somente reviver um momento do seu passado para seguir em frente sem nenhum remorso do que estava deixando para trás? Ou será que ela o amava o suficiente para jogar tudo para o alto e ficar apenas com ele? Estas eram as perguntas que, de modo incessante, Junior fazia a si mesmo em pensamento desde aquele momento mágico à beira do lago.
- Vamos lá, rapaz! Vamos ver o que o futuro nos reserva – disse ele em voz alta recolocando o pente sobre o tampo do lavabo antes de sair.
Ao entrar na sala de visitas, viu o pai reclinado no sofá lendo “O Sol é Para Todos” de Harper Lee, livro que Junior já lera umas três vezes antes de terminar a oitava série. Ainda estava na quinta serie quando o pai dera o volume de presente a ele, que, vendo a sua família retratada naquelas páginas, se identificou e muito com a história. A primeira vez que o leu, imaginou que Atticos Ficher representava Fernandes; Scout, a sua irmã Laura e ele o próprio seria Jem. Mas nas demais leituras, ele já lera a história como ela era: um romance bem escrito com fatos que situavam o leitor na sociedade e revelavam valores importantes para a convivência entre os seres.
O fato de seu pai estar lendo aquele livro antes do jantar só poderia significar uma coisa: seu pai estava muito preocupado com alguma coisa já que sempre que ele lia Dostoievski, Harper Lee ou Foucault era um forte indício de que estaria apreensivo. E ele tinha razão, pois ter conhecimento que o marido de Marilyn estava com uma doença terminal, começava a deixar Fernandes realmente apreensivo - sentindo que estava prestes a enfrentar mais uma audiência no tribunal do amor, talvez a última de sua vida. Ele entendia que, mais dia menos dia, ia ter que revelar a Marilyn o secreto sentimento que ainda nutria por ela, mesmo após tantos anos. Ler um texto de entendimento complexo o deixava um pouco mais calmo e distraia sua mente.
-Chegando mais perto dele, Junior perguntou:
- Tudo bem, pai?
- Sim filho, por quê?
- Por nada, não.
Percebendo que Junior estava bem arrumado e perfumado, Fernandes o inquiriu:
- Você vai sair filho?
- Sim, aliás... será que o senhor não poderia me dar um conselho?
- Claro, diga do que se trata e verei no que poderei ajudar você.
- O senhor se lembra de Michela?
- É claro que me lembro, pois é a filha de Giuseppe. O que tem ela?
- Nada, mas eu e ela fomos namorados por um bom tempo, como bem sabe, mas depois nós terminamos e...
- Sei... e hoje ela é uma jovem praticamente casada.
- Pois é... acontece que ontem nós saímos juntos depois da faculdade e acabamos nos beijando... e fomos para um motel, mas ela desistiu de tudo repentinamente... bom, depois ela me trouxe aqui em casa. Então, depois que o senhor me deu a picape de presente, eu saí para dar uma volta e, automaticamente, fui parar na portaria do prédio dela. Ela desceu e fomos parar num barzinho onde mais uma vez nos beijamos.
- Filho, tenha cuidado para que vocês não venham a se magoar mutuamente, pois ela se casará em apenas três dias. E você já imaginou se o noivo dela descobre essa história toda? Vai ser uma grande tragédia!
- Eu já pensei em tudo isso, pai, mas é que eu gosto muito dela... eu sou apaixonado por ela...é um sentimento profundo e antigo e não somente algo de momento. Não sou de aventuras... e, às vezes, eu penso que sou mesmo estranho, mas não sei ser diferente. Gosto de viver cada detalhe... ver o nascer do sol... saudar o surgir da lua... contemplar as estrelas... admirar o brilho da lua dentro do olhar da mulher amada. E parece que me apaixonei pra toda vida... será que isso é normal?
- Sabe, pai, por algum tempo, - continuou Junior - eu cheguei até a duvidar da minha masculinidade, já achando que era um cara fraco, uma pessoa sem personalidade. Então observei que desde a morte de mamãe o senhor também não teve mais nenhuma namorada, pelo que sei, e até hoje usa a aliança de casamento.
Nesse momento, Fernandes olhou a aliança em seu dedo sentindo-a com o polegar. Ele nada disse, apenas suspirou profundamente.
- Eu acho muito bonito de sua parte ser assim leal à mamãe, muito embora pense que o senhor precisa retomar a vida, ser feliz outra vez, ter uma nova chance... eu me lembro apenas vagamente dela e que gostava muito de tocar piano. Também sei de uma coisa: o senhor a amou muito e não somente eu creio nisso, mas os empregados da casa que a conheceram bem dizem que ela era boa e bela. Será então que não puxei este lado mais romântico do senhor?
- Filho, é bonito gostar de verdade de alguém, mas formar um triângulo amoroso é sempre perigoso e, cedo ou tarde, alguém acaba saindo bem ferido. E, falo por conhecimento de causa. Eu não gostaria que este alguém fosse justamente você.
- Mas pai, eu a amo de verdade! Sou apaixonado por ela desde a oitava série! Pode julgar-me sou um sonhador, mas quando me apaixonei esperava viver um amor eterno, construir uma vida ao lado dela e desde que terminamos eu tenho lutado para provar que sou capaz de mudar a minha vida, de ser o cara que ela desejaria para ser seu homem, seu marido.
- Filho, você ainda é muito jovem, está na flor da idade... e ainda vai conhecer muitas Michelas em sua vida antes de se amarrar definitivamente num casamento.
- Eu não quero outra mulher, será que o senhor consegue entender?
- Sim, porém, você sabe se ela estará disposta a acabar com tudo para ficar só com você?
- Eu ainda não sei, vou me encontrar com ela daqui a pouco...
- Filho, esta importante decisão vocês dois terão que tomar sozinhos. Contudo, se vocês realmente se gostam, então lute por ela, não perca a chance, pois só se ama verdadeiramente uma vez na vida.
- Está certo, pai, vou pensar no que o senhor disse e agora me deixe ir andando, pois já estou atrasado.
- Vá com cuidado, filho, tanto no trânsito quanto com a moça.
- Pode deixar pai, eu terei cuidado – disse Junior já abrindo a porta para sair.
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Michela estava sentada em seu sofá totalmente inconformada com a terrível notícia que acabara de receber de seu pai, pois, por telefone mesmo, ele contara que havia sido diagnosticado com uma doença terminal e que lhe restava apenas seis meses de vida. Saber que o pai ia morrer desta forma tão impessoal e insensível deixara Michela sem chão, ela que já perdera a mãe quando tinha apenas seis anos de idade, agora ficaria órfã de vez! Lágrimas quentes lhe escorriam sobre face molhando a bonita blusa que usava. Enquanto se debatia em forte emoção, a campainha tocou e ela caminhou até a porta ao mesmo tempo em que enxugava a face com as costas das mãos. Quando viu que era Junior, jogou-se em seus braços e chorou mais ainda.
- O que aconteceu? – disse Junior assustado com todo aquele pranto.
Compreendendo que era algo muito sério, ele deixou que ela chorasse até que se acalmasse e passasse a expor o que estava acontecendo com o pai dela.
- Mas ele já consultou um bom especialista? – perguntou ele.
- Sim, seu pai o levou à clínica do Dr. Romano onde foram feitos vários exames confirmatórios e o diagnóstico foi o mesmo dos médicos de Araraquara.
- Que coisa! E mesmo sabendo disso tudo ele ainda viajou sozinho para a Itália?
- Ah! O meu pai é duro na queda e, enquanto ele estiver respirando, não abandonará o comando de sua vida para nada e para ninguém.
Neste momento, ela se entregou novamente ao choro.
Junior sem saber direito o que fazer, foi até a cozinha e lhe trouxe um copo d’água. Visto que não havia nenhum clima para saírem como fora anteriormente planejado, ele a abraçou e ficaram ali no sofá até que ela adormeceu; então, ele a levou para o quarto, colocou-a suavemente na cama, cobriu-a com uma manta leve e saiu silenciosamente.
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Quando Junior chegou a casa, Fernandes estava ao piano improvisando a melodia da canção Kiss me slowly, de Parachute, mas vendo o filho passar cabisbaixo em direção à escada que levava ao segundo piso, ele parou e indagou:
- Tudo bem, meu filho? Como foi a sua conversa com Michela?
- Não foi, pai.
- Como não foi?
Junior veio mais para perto de Fernandes.
- É que quando eu cheguei lá, ela me recebeu aos prantos... pois havia acabado de falar com o pai pelo telefone e ele disse que está morrendo, que só tem seis meses ou menos de vida... o senhor acredita numa coisa dessas?
- Não deve ter sido fácil para ela saber disso às vésperas do casamento.
- O pior mesmo foi saber tal desgraça pelo telefone... o pai lá do outro lado do mundo e ela sem poder sequer abraçá-lo!... O que será que o Sr. Giuseppe tem na cabeça, pai? Um homem desenganado pelos médicos, com os dias contados, sair viajando sozinho pelo mundo e ainda por cima dar tal notícia pelo telefone para a própria filha?
- Filho, ele tem sangue italiano nas veias e não vai dar o braço a torcer até o último momento! A morte vai levá-lo, mas vai ter que lutar para isso, pois ele não vai se deixar abater facilmente, não. Ele foi ver a irmã que está muito doente também e garanto que deve estar agora tomando vinho com os amigos, sem nenhuma culpa.
- Ele é mesmo muito corajoso, pai, mas falando sério, se fosse comigo estaria desesperado.
- A vida é assim, filho, cada um encara seus problemas de forma diversa e pessoal. Voltando ao seu problema, o que vai fazer com o que sente por Michela?
Por um momento, Junior ficou bem pensativo, depois disse:
- Eu não sei, pai, sinceramente, eu não sei. Ela está sofrendo muito... eu vou subir, conversar com meu travesseiro e quem sabe amanhã já saberei melhor o que fazer.
- Está bem, filho, vá descansar, pois há certas situações em que o melhor conselheiro é mesmo nosso travesseiro.
- Tudo bem, meu filho? Como foi a sua conversa com Michela?
- Não foi, pai.
- Como não foi?
Junior veio mais para perto de Fernandes.
- É que quando eu cheguei lá, ela me recebeu aos prantos... pois havia acabado de falar com o pai pelo telefone e ele disse que está morrendo, que só tem seis meses ou menos de vida... o senhor acredita numa coisa dessas?
- Não deve ter sido fácil para ela saber disso às vésperas do casamento.
- O pior mesmo foi saber tal desgraça pelo telefone... o pai lá do outro lado do mundo e ela sem poder sequer abraçá-lo!... O que será que o Sr. Giuseppe tem na cabeça, pai? Um homem desenganado pelos médicos, com os dias contados, sair viajando sozinho pelo mundo e ainda por cima dar tal notícia pelo telefone para a própria filha?
- Filho, ele tem sangue italiano nas veias e não vai dar o braço a torcer até o último momento! A morte vai levá-lo, mas vai ter que lutar para isso, pois ele não vai se deixar abater facilmente, não. Ele foi ver a irmã que está muito doente também e garanto que deve estar agora tomando vinho com os amigos, sem nenhuma culpa.
- Ele é mesmo muito corajoso, pai, mas falando sério, se fosse comigo estaria desesperado.
- A vida é assim, filho, cada um encara seus problemas de forma diversa e pessoal. Voltando ao seu problema, o que vai fazer com o que sente por Michela?
Por um momento, Junior ficou bem pensativo, depois disse:
- Eu não sei, pai, sinceramente, eu não sei. Ela está sofrendo muito... eu vou subir, conversar com meu travesseiro e quem sabe amanhã já saberei melhor o que fazer.
- Está bem, filho, vá descansar, pois há certas situações em que o melhor conselheiro é mesmo nosso travesseiro.
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Deitado em sua confortável cama, Junior não conseguiu tirar Michela da cabeça e, deste modo, não conseguia dormir virando-se o tempo todo. Saber que o pai dela estava desenganado dos médicos somente agravava mais a situação de ambos. Ele a amava e tinha certeza de seus sentimentos, porém será que o velho Giuseppe suportaria ver a filha desistir do casamento na última hora? Outra pergunta que martelava incessantemente a cabeça de Junior era se Michela o amaria o suficiente para jogar tudo para o alto indo viver com ele. Não tinha jeito: precisava falar com ela, ouvir dela que o amava e que queria mesmo ficar com ele pondo um ponto final em seu noivado e casamento.
Sem ter muita certeza do que estava realmente fazendo, Junior foi para o closet, trocou o pijama pela roupa que tirara ao chegar. Com o pensamento a mil, ele saiu dirigindo pela rua sem prestar atenção em nada. Ele nem olhou se o sinal estava verde para ele ao cruzar uma grande avenida e somente percebeu que passara no farol vermelho quando ouviu o som das buzinas dos demais veículos freando abruptamente para não bater no carro dele. Pouco tempo depois, já estava tocando a campainha do apartamento de Michela.
Michela dormia encolhidinha em posição fetal. A única luz a iluminar o ambiente era a do abajur que Junior deixara aceso ao sair. Depois de convencer o porteiro a interfonar para Michela àquela hora da noite dizendo ser caso de vida ou morte, ela finalmente acordou e foi descalça atender o interfone e depois abrir a porta.
- Junior... – disse ela, bocejando e ficando de lado para ele entrar – o que aconteceu? Você saiu e eu não vi mais nada.
- Você adormeceu, eu a coloquei na cama e fui embora, mas ao chegar em minha casa, não consegui dormir... eu precisava mesmo falar com você ainda hoje. Na verdade, eu vim mais cedo para a gente conversar, mas encontrei-a daquele jeito e tive que desistir.
- Mas você viu que horas são? - disse ela, olhando seu relógio – quase uma hora da manhã! Vamos deixar a conversa para manhã, pois eu estou simplesmente morrendo de sono!
Michela fechou a porta e foi bocejando rumo ao sofá, louca para poder dormir novamente.
- Michela, o que há entre nós? O que sou para você?
- Bem...
Ela se calou e ficou a olhá-lo fixamente nos olhos como se esperasse que ele lhe dissesse, que ele mesmo respondesse à pergunta que fizera. Ele se sentou ao lado dela, pegou em suas mãos como se fosse pedi-la em casamento já com o coração abruptamente disparado. Ele voava em pensamentos e voltava ao dia em que lhe roubara o primeiro beijo tentando recordar-se também do que ela sentira.
- Nunca senti algo assim por ninguém mais. É muito forte o que sinto por você – disse ele – e precisava saber se você sente o mesmo por mim.
Ele fez uma pausa, afastou com os dedos uma mecha de cabelo que encobria os olhos dela e lembrando-se das palavras de seu pai, prosseguiu:
- Um homem sábio me disse que só amamos de verdade uma vez na vida... eu sei que o que sinto por você é amor verdadeiro e não quero abrir mão do que estou sentindo.
Michela o beijou intensamente ao mesmo tempo em que as lágrimas brotavam em seus olhos. O sal de suas lágrimas se misturou em suas bocas. Tudo o que eles sentiam era o calor dos lábios unidos num louco desejo. Depois do longo beijo, ela o abraçou e em meio aos soluços, confessou:
- Eu também amo você... mas não posso desmarcar meu casamento, largar tudo já que meu pai está morrendo. Não seria justo com ele! - exclamou ela segurando firmemente a camisa de Junior como se quisesse arrancá-la – por que isso tinha que acontecer justamente agora?
- Você não precisa casar somente porque o seu pai está morrendo. Fale com ele, pois tenho certeza que irá entender visto que tudo que os pais querem é a felicidade de seus filhos - e o seu não será exceção!
- Eu sei, mas eu não tenho coragem, tenho medo que ele passe mal e morra mais depressa ainda ao receber tal notícia... eu não conseguiria conviver com essa culpa.
- E o que você sugere que eu faça com o que sinto?
- Vamos esconder o que sentimos em nossos corações e deixar que o tempo se encarregue de tudo por nós.
Junior se desvencilhou dos braços dela e com voz firme, disse:
- Não me peça para conter o que sinto... será que não percebe o quanto eu te amo?
Dizendo isso, ele se levantou abruptamente e caminhou até a porta.
- Querido! Por favor, eu só te peço que espere, pois as coisas irão se resolver.
- Quando?... E quanto mais eu terei que esperar?
Ele saiu fechando a porta atrás de si. Foi para o elevador, pressionou o botão para descer e enquanto o aguardava, encostou a cabeça na parede. Ele não conseguia acreditar que aquele seria o fim de tudo, que teria mesmo que esquecê-la. Não era o que ele desejava para ambos, mas era a única coisa a ser feita, já que ele não iria se sujeitar a ser o amante naquela história. Como seu pai lhe havia ensinado, num triângulo amoroso alguém sempre sairá ferido e, neste caso, ele é que seria a vítima! O elevador chegou, ele entrou, mas em seu profundo desgosto esqueceu-se até de selecionar o andar. Automaticamente, o elevador desceu até o térreo e ele saiu correndo do prédio, entrou rapidamente na pick-up e arrancou cantando pneu.
Michela permaneceu no sofá chorando copiosamente pois o homem que ela amava verdadeiramente havia saído porta afora e ela nada fizera para impedi-lo. Será que teria que ser assim? Ela imaginou mil formas de terminar com Rafael sem magoá-lo muito e sem que seu pai ficasse abalado com a situação, mas não encontrava nenhuma boa alternativa. Então, já que não havia outro jeito, ela iria se casar conforme fora programado, pois nada vinha nesta vida sem pequenos sacrifícios - o dela era aquele e ela estava pronta para pagá-lo.