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A cerca de 300 km dali os pássaros cantavam anunciado um novo amanhecer, os primeiros raios de sol cortavam o azul do céu bordado por acinzentadas nuvens.
 
Washington se levantou, deu um beijo de bom dia na esposa e seguiu o seu ritual matinal de tomar banho, barbear-se; depois tomar um bom café preto lendo o jornal do dia anterior. Porém, naquela manhã, Washington estava diferente do seu modo costumeiro e uma nuvem pousava sobre o seu semblante. Ele sentia uma tristeza profunda como se alguém fosse roubar o bem mais precioso da sua vida, já que dali a quatro dias a sua única neta estaria se casando.
 
Sua filha Marylin, aos 24 anos, havia se casado pela segunda vez e, embora não tivesse tido filhos no primeiro casamento, o seu segundo marido trouxera junto com ele a filhinha Michela, menina que encantara a todos na família.
 
Logo após haver casado com Giuseppe, que era bem mais velho do que ela, Marilyn havia engravidado, mas quando ela estava no terceiro mês de gestação, perdeu o bebê. Seis meses depois disso, quando ela engravidou novamente, o médico a aconselhou ficar em repouso absoluto, pois, caso contrário, poderia abortar mais uma vez. Marylin seguira à risca todas as orientações médicas, contudo a vida novamente lhe roubaria o direito de ser mãe. Decidida a não correr mais tal decepção e risco, ela desistiu de ter o seu próprio filho e se dedicou a dar todo seu carinho maternal à Michela, já muito amada por ela - sendo esse um sentimento mútuo.
 
A tristeza de Washington só não era maior porque Marylin estava agora hospedada em sua casa. No antigo quarto que seus pais sempre mantiveram do jeito que era antes.
 
Marylin olhava para seu reflexo no espelho como se esperasse uma resposta para os pensamentos tumultuados. Ela sabia que quase todo namoro resulta em um casamento, mas no caso de sua Michela havia algo que a incomodava: era a falta de afeto entre ela e o namorado - uma coisa bem visível até para quem não conhecesse o casal.
 
Talvez fosse cedo demais para eles se casarem. Michela ainda estava cursando faculdade, tinha muitos sonhos por realizar; contudo, agora não tinha mais jeito já que todos os preparativos tinham sido providenciados: buffet, juiz, orquestra, convites distribuídos ... tudo estava acertado... e, afinal, o noivo era tudo que uma mãe julgaria ser o melhor para sua menina.
 
Rafael era um homem gentil, simpático, inteligente e rico. Nos últimos dias, ele se mostrara um pouco inseguro, vez por outra, provavelmente devido à proximidade do casamento e tendo em vista a falta de interesse da própria noiva. Tendo organizado melhor os pensamentos, Marylin foi à cozinha tomar o café da manhã com os pais que já se encontravam à mesa.
 
- Bom dia, papai! Bom dia, mamãe! – disse ela beijando-os na face.
 
Marylin sentou-se com a aparência de quem estava com muita fome e olhando gulosamente para tudo o que tinha sobre a farta mesa. Ela pegou um pedaço de bolo de milho com grande prazer levando-o rapidamente à boca e logo veio seu comentário:               
 
- Hummm... este bolo está divino, mamãe!
 
- Que nada, minha filha, é que você gosta deste bolo e este até nem ficou muito bom porque não tínhamos todos os ingredientes necessários. Eu o fiz depois que vocês todos foram dormir. A gente não esperava vê-la por aqui, especialmente por ser a semana do casamento de Michela...  Se eu soubesse que você viria antes do dia, eu teria preparado tudo o que você mais gosta de comer: o doce de abóbora, o de mamão em calda e o doce de figo que você ama tanto.
 
- Ah, mãe... deixe de tanta modéstia! ... está tudo ótimo e nem poderia ser melhor. E, depois, eu não vim aqui só para comer, vim mesmo para passar uma noite a mais com vocês, sair do corre-corre da cidade e espairecer um pouco.
 
- Olhe, filha - disse Washington – eu não quis te perguntar ontem, mas está tudo bem entre você e o Giuseppe?
 
- Está sim, papai, por que o senhor está me perguntando isto?
 
- Por nada, filha, mas é que eu e sua mãe... bem, nós achamos estranho você aparecer assim do nada sem nos avisar antes. Apesar de sua aparente alegria, esta semana é muito especial... normalmente, você não deixaria tudo para trás assim, sem mais nem menos.
 
- Não, papai, não foi bem assim... é que o Giuseppe viajou ontem para a Itália para f visitar à uma irmã que está muito doente e implorou que ele fosse até lá antes que ela morresse. Como não podia mesmo ir com ele, eu aproveitei para vir vê-los e reorganizar os meus pensamentos.
 
- Eu posso estar enganada, – disse Rosecléia, uma mãe muito atenta – mas a sua face me diz que você está triste, talvez bem preocupada com alguma coisa... tem a ver com a viagem de seu marido ou com esse casamento?
 
Lentamente, Marylin colocou a xícara de café sobre a mesa e abaixou a cabeça. Rosecléia deu uma olhada em direção ao marido como a dizer-lhe que estavam no caminho certo. Washington olhou para a esposa com um olhar meio repreensivo e se voltou para a filha ainda de cabeça baixa. Depois de alguns segundos, ela disse:
 
- Mãe, a senhora tem razão, eu estou muito preocupada. Alguns dias atrás, o Giuseppe começou a reclamar de umas fortes dores de cabeça, tomou um analgésico, mas a dor continuou. No dia seguinte, ele foi levantar da cama e disse que sua vista escureceu; então nós chamamos o médico da família, que receitou uma injeção e disse para ele ir até a clínica fazer um Check-Up geral no dia seguinte. Quando perguntei ao Giuseppe o que tinha dado no resultado dos seus exames, percebi que ele desconversou.
 
- Você acha que ele está com alguma doença grave, minha filha?
 
- Não acho, mamãe, tenho certeza! Como ele não quis me dizer nada, eu liguei para o médico. Depois de muitas recomendações éticas para que eu fingisse não saber de nada, ele disse que Giuseppe está com uma doença degenerativa na cabeça e que só teria mais seis meses de vida.
 
- Que barra não deve estar sendo para você, minha filha, saber que seu marido tem apenas alguns meses de vida e ter que fingir que está tudo bem!
 
- Ainda por cima, mamãe, Michela parece não ligar para nada que diz respeito ao seu casamento e sou eu que corro atrás de tudo para ela.
 
- Filha, – disse, Washington – deve ser muito preocupante o fato de ele ter viajado sozinho, mas nunca se dê por vencida, pois você poderá sempre contar comigo e sua mãe para tudo o que precisar.
 
- Obrigada, pai, foi por este motivo que eu vim para cá ontem, precisava sair de casa e respirar um pouco de ar puro.
 
- Termine de tomar o seu café, filha, pois vou mandar arrear os cavalos para que possamos cavalgar um pouco por aí como nos velhos tempos.
 
- Obrigada, papai, mas daqui a pouco o motorista virá me buscar. Eu combinei com ele às 9h00min, pois tenho muitas coisas para resolver na cidade.
 
Enquanto eles conversavam, ouviu-se o toque de buzina de automóvel na frente da fazenda e não demorou nada para que a empregada viesse avisar:
 
- Com licença, dona Rosecléia, o motorista da dona Marylin chegou.
 
- Obrigada, Josefa – disse Rosecléia – diga a ele para esperar que dona Marylin está terminando de tomar o café.
 
Marylin engoliu o café que restava na xícara e foi para o quarto terminar de se arrumar. Não demorou nada e ela saiu do quarto pronta para ir ao ateliê de madame Michiko.
 
- Tchau, mãe, tchau pai, obrigado por tudo, nós nos veremos no sábado. Se bem que vocês podiam ir para lá na sexta-feira à tarde e dormiriam em casa.
 
- Não se preocupe, filha, – disse Washington – iremos no sábado mesmo bem cedinho. Nós estaremos lá no horário certo, fique tranquila.
 
- Está bem, se o senhor prefere assim.
 
Marylin deu um beijo estalado em sua mãe e outro no pai. Lá fora, o motorista já a esperava com a porta do automóvel aberta.
 
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O Ateliê Michiko ficava no centro de Araraquara. Quando o carro de Marilyn entrou na cidade, o trânsito estava fluindo normalmente e, em menos de trinta minutos, o motorista estava estacionando bem em frente da calçada.
 
O local não era diferente dos outros grandes ateliês. Havia duas imensas vitrines, uma à direita e outra à esquerda de uma bela porta de vidro que funcionava com um prático e seguro censor abre/fecha e em ambas havia vários manequins vestidos com roupas diferentes e elegantes. A do lado direito continha um casal de noivos e duas damas de honra; no lado esquerdo havia roupas para madrinhas, para batizados, para debutantes - e tudo estava escrito em letras grandes e prateadas tanto em japonês como em português. Logo à entrada da imponente recepção, um segurança bem fardado foi a primeira pessoa a falar com Marylin
 
- Posso ajudá-la, senhora? – perguntou em tom amigável.
 
- Sim, eu tenho hora marcada com madame Michiko.
 
- Por favor, dirija-se à recepcionista, a Srta. Valéria. Ela informará à madame que a senhora já chegou.
 
Seguindo as orientações do segurança, Marylin dirigiu-se à recepcionista.
 
- Bom dia, eu sou Marylin Dolce e tenho hora marcada com madame Michiko. Estou já um pouco atrasada, então você poderia ir avisá-la que cheguei?
 
- Claro, sente-se e aguarde um instante que irei avisá-la. Enquanto espera, a senhora aceitaria um cafezinho, um chá ou um suco?
 
- Não, obrigada.
 
Marylin dirigiu-se ao local de espera e Valéria discou o ramal de madame Michiko. A dona do ateliê estava ocupada fazendo algumas anotações em sua agenda particular e deixou o telefone tocando até que terminou tudo o que fazia.
 
- Alo!
 
- Madame Michiko, a Sra. Dolce chegou.
 
- Obrigada, Valéria, diga que irei atendê-la a seguir.
 
- Sim, senhora.
 
- Sra. Dolce, madame já irá atendê-la.
 
- Obrigada – disse Marylin.
 
 Pegando uma revista, Marylin começou a folheá-la para ver se encontrava algum um assunto interessante.
 
 Michiko deu mais uma breve olhada em sua agenda para conferir quanto tempo ainda tinha para atender Marylin antes que a próxima cliente chegasse. o Aquele ateliê era tudo para ela, afinal a sua família estava no ramo de vestidos de noivas e roupas de festas há muitos anos. Desde 1908, o negócio seguia uma rígida hierarquia familiar sendo Michiko a terceira dos filhos a dirigi-lo.  Reorganizou a sua mesa e discou o ramal da recepção.
 
- Pois não?  Disse Valéria.
 
- Valéria, diga para a senhora Dolce entrar.
 
- Sim, madame.
 
-Sra. Dolce, queira acompanhar o segurança, por favor, pois madame Michiko vai atendê-la agora.
 
- Por favor, acompanhe-me, senhora - disse o segurança.
 
Marylin o seguiu por um amplo corredor cheio de molduras nas paredes retratando vestidos de noivas desde os croquis até o vestido já pronto para ser comercializado. A sala da madame era a última do corredor e o segurança deu uma leve batida na porta para, em seguida, girar a maçaneta e empurrar a porta de modo que Marylin pudesse entrar com facilidade.
 
- Com licença, Michiko. Bom dia.
 
- Bom dia. Entre, entre Marylin, não faça cerimônia e sente, por favor. Perdoe-me por não a ter atendido assim que você chegou, estava com algumas pendências aqui.
 
- Não se preocupe.
 
- Aceita uma água ou um cafezinho?
 
- Não, obrigada. Na realidade, eu estou ansiosa para ver como ficou o vestido de minha menina.
 
- É para já! Mas vou adiantando que ficou realmente belo!
 
Enquanto assim falava, Michiko pegou o telefone e discou para a recepção.
 
- Valéria peça à Vanessa para levar o vestido da senhorita Michela Dolce para o provador cinco. Obrigada.
 
Após esta providência, Michiko e Marylin foram para o provador e Marylin ficou realmente encantada ao ver o vestido da filha.
 
- Eu não pensei que fosse ficar tão lindo! Ficou maravilhoso! Tenho até vontade de me casar de novo!
 
- Pena que Michela não veio junto com você para experimentá-lo, - disse Michiko – e assim podermos ver se precisará de alguns ajustes.
 
- Eu creio que não haverá necessidade, mas em todo caso, Michela chegará de São Paulo na noite de quinta-feira, então seria bom que você disponibilizasse duas de suas meninas para irem até lá em casa na sexta-feira de modo que ela experimente o vestido e elas possam fazer lá mesmo alguns ajustes, se houver necessidade, e não tenhamos problemas de última hora. O que você acha?
 
- Para mim, tudo bem. Você vai levar o vestido agora ou prefere que as meninas o levem na sexta-feira?
 
- Tanto faz, eu vim para tal finalidade, mas é você quem decide o melhor a fazer.
 
- Ótimo, minhas meninas o levarão na sexta-feira. Qual o horário seria bom para ela?
 
- Depois do almoço, lá pelas quatorze horas.
 
- Ok, está marcado. Sexta-feira, às quatorze horas.
 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 24/08/2019
Reeditado em 31/08/2019
Código do texto: T6728344
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