Guarde o meu número
Alma me contou, com certo embaraço, que havia instalado o Tinder no celular.
- Olha, Frank, eu acho essa ideia de conhecer gente por aplicativo uma grande roubada, mas as meninas no trabalho ficaram insistindo para que eu tentasse.
- Talvez seja mais fácil do que encontrar alguém na balada - minimizei. - E, provavelmente sem o risco do cara estar bêbado.
Ela me lançou um olhar de reprovação.
- Grata pela parte em que massageou minha autoestima - redarguiu.
- Não foi um comentário sobre sua aparência - defendi-me. - Só fiz uma constatação: muitos caras ficam bêbados na balada, e começam a dar em cima de todas as garotas desacompanhadas.
- Sim, claro - assentiu Alma, ajeitando nervosamente o cabelo castanho e longo, num gesto reflexo. - Se isso é um incentivo para que eu use o Tinder, está dando certo.
- Me avise se encontrar alguém interessante - provoquei, piscando o olho. - É para o meu TCC.
- Farei isso - prometeu ela solenemente.
* * *
Duas semanas depois, encontrei Alma na entrada da universidade. Ela me disse que andava conversando com um cara do Tinder, mas que não havia sentido nenhuma sintonia até o presente momento.
- Sintonia... - repeti em tom de mofa. - No estado geral do mundo, achei que as pessoas já se davam por felizes de encontrar alguém capaz de mandar um "lembrei de você" pelo celular, de vez em quando...
- Ah, ele faz isso - assegurou Alma. - Meio distante, mas correto. Mas não sei se a coisa vai sair do bate-papo virtual.
- Quanta animação. E qual é o nome do cara?
- Zed.
- Inglês?
- Não... - hesitou ela. - De Illinois.
- Illinois é um lugar interessante... - menti. - Um tanto... plano. Mas, interessante.
Alma me lançou um olhar terrível.
* * *
Passou-se um mês. Alma e eu nos reencontramos na lanchonete próxima à universidade. Enquanto sorvia o seu milk-shake de morango, ela me fez uma confissão.
- Vou sair com o Zed.
- O... chato de Illinois? - Redargui.
Ela franziu a testa.
- Não é este Zed!
- E por acaso há outro Zed?
- Deve haver milhões de Zeds espalhados pelos Estados Unidos - especulou ela. - Bem, milhares ao menos... ocorre que eu fui à uma festa, e lá conheci esse cara incrível, chamado... Zed!
Alma parecia realmente animada.
- E este Zed não é de Illinois?
- Não, é de Fort Lauderdale - replicou ela, convicta.
- Ah! A Flórida sempre será mais interessante do que Illinois - admiti.
- Com este Zed sim, eu senti uma sintonia - prosseguiu ela. - Disse que ligaria para ele nesta sexta à noite, e iríamos jantar!
- Então, nada de Tinder?
- O Tinder é uma droga - sentenciou ela.
* * *
Na segunda-feira seguinte, encontrei Alma novamente na universidade. Ela não parecia muito feliz.
- E o encontro com o Zed, como foi? - Indaguei.
- Um desastre - confessou ela.
- Mas... e a sintonia? - Questionei, sem querer parecer irônico.
- Frank... era o Zed errado!
Pobre Alma. Ao incluir o número do celular do Zed da festa no celular, ela não reparou que não apagara o telefone do Zed do Tinder. Ao ligar para Zed, para marcar o encontro, não percebeu que estava falando com o Zed errado. Só foi se dar conta, aliás, quando viram-se frente à frente; e a vergonha foi tão grande, que ela preferiu levar o jantar adiante, em vez de informar o erro ao rapaz.
- Nem preciso dizer que me despedi dele sem a menor intenção de voltar a vê-lo de novo - reconheceu.
- Bom, imagino que já apagou o número do cara do Tinder do celular... agora é só ligar pro Zed certo! - Incentivei-a.
Alma balançou a cabeça, em discordância.
- Frank, já preenchi minha cota de Zeds para esta vida. Chega!
E saiu a passos apressados, sem sequer se despedir.
- [22-08-2019]