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Passava de meia noite e os convidados estavam indo embora. Fernandes, ao observar o céu estrelado, lembrou-se de quando as estrelas brilhavam como pequenas gotas de diamantes no céu em sua juventude, porém agora, devido à iluminação artificial, era necessário olhar mais atentamente para o firmamento.
 
Enquanto Fernandes mergulhava em suas lembranças, os empregados iniciavam uma rápida limpeza do salão de festa, pois embora tudo tivesse corrido bem e a maioria dos convidados fosse já de meia idade, o bom número de adolescentes presentes promovera bastante bagunça no local. Ele, mesmo contente, estava se sentindo exausto e decidiu que já era hora de se recolher ao seu aposento.
 
Já estava de pijama e recostado à cabeceira da cama lendo um livro para esperar o sono chegar, quando Josilene bateu à porta do seu aposento.
 
- Dr. Fernandes, o senhor ainda está acordado?
 
- Sim!
 
- Desculpe incomodá-lo, mas posso dar uma palavrinha com o doutor?
 
- Sim, só um momento, por favor!
 
Apesar de se sentir irritado por ser incomodado àquela hora tardia, Fernandes abriu a porta com um leve sorriso no rosto.
 
- O que aconteceu, Josilene? Espero que não tenha vindo dizer que o pessoal quebrou alguma coisa na festa ou que a casa está pegando fogo...
 
- Não, doutor, está tudo certo, não foi quebrado nada, mas... bom, é que...
 
- Fale logo, Josilene!
 
- É que o senhor Giuseppe Dolce está lá embaixo e disse que precisa falar urgentemente com o doutor, então eu o deixei ali no escritório.
 
- Mas está muito tarde para uma visita!
 
- Eu disse para ele voltar amanhã, pois o doutor já havia se recolhido aos seus aposentos, mas ele insistiu demais em falar com o senhor.
 
- Tudo bem, eu vou ter que atendê-lo.... olhe, eu sei que já está tarde, Josilene, mas, por favor, providencie um cafezinho e leve-o para o escritório.
 
- Eu já pedi à Estela para fazer o café.
 
- Eu não sei o que seria desta casa sem você, Josilene! Agora desça e avise o senhor Giuseppe que eu já irei falar com ele.
 
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Ao entrar em seu escritório, Fernandes se deparou com Giuseppe parecendo meio cabisbaixo, sentado em sua escrivaninha e de costas para a porta.  Percebendo que alguém entrara na sala, ele virou-se para ver quem era e, ao avistar Fernandes, seu semblante mudou.
 
- Fernandes! Desculpe por te incomodar a esta hora, meu amigo, mas é que eu não podia esperar para lhe contar as novidades. Olhe, eu fiz todos os exames que o seu amigo, o Dr. Romano, me mandou fazer.
 
- Não precisa se desculpar, na verdade, eu é que lamento não ter podido ficar com você lá na clínica, pois tive que retornar ao meu escritório. Como foi à sessão de exames, já pegou os resultados?
 
- Correu tudo bem, foram exames simples e quase iguais aos que já havia feito com meu médico, com exceção de alguns que foram bem desagradáveis, mas o Dr. Romano acompanhou tudo com muita atenção.
 
- E o que ele disse sobre os resultados?
 
- Ele me disse que o meu quadro clínico é grave. Eu não entendi muito bem, mas parece que tenho uma espécie de bactéria ou verme na cabeça e que isto está tomando conta do meu cérebro. Ele disse que gostaria de fazer mais alguns exames para poder dar o diagnóstico definitivo, e que é uma bactéria que vem das fezes, tanto as de humanas quanto as de animais.
 
E é esta maldita bactéria que está se alastrando em minha cabeça, entretanto, ele disse que eu não corro muito perigo por esta causa, já que tenho muito cálcio no corpo e isso até me permitiria viver por mais algum tempo se não fosse outro problema que ele detectou na minha ressonância.
 
Fez uma longa pausa e Fernandes esperou que ele prosseguisse com a narrativa.
 
- Como tenho tido problemas para respirar, - continuou - ele quis fazer um exame mais minucioso e, na ressonância magnética, ele detectou que estou com tumores na garganta e suspeita de que ele já tenha se alastrado para o meu pulmão.
 
Outra pausa aconteceu.
 
 - Não dá para diagnosticar quanto tempo de vida ainda terei. Ele queria me internar, mas eu implorei para me deixar fazer esta viagem, deixar passar o casamento de minha filha, então irei cuidar melhor de minha saúde.
 
- Mas Giuseppe, com a saúde não se brinca assim!
 
- Meu amigo Fernandes, eu já vivi o bastante! Só o fato de estar vivo o suficiente para ver minha filha crescer, estudar e se casar já me faz feliz. Mesmo se morrer brevemente, eu morrerei consciente de que cumpri a promessa que fiz à minha esposa Gina em seu leito de morte, pois lhe prometi que cuidaria bem de nossa filha - e o fiz.
 
- É! Meu caro, nisto você tem razão, nós vivemos em prol dos filhos e só o fato de sabermos que, ao partir, eles ficarão bem, isto já nos deixa felizes. Mas o que você pretende fazer?
 
- Não vou me desesperar agora, eu vou seguir com a minha vida do mesmo jeito - e seja o que Deus quiser.
 
E, pela madrugada afora, Fernandes e Giuseppe continuaram conversando sobre generalidades e sobre as boas lembranças de ambos. Giuseppe havia transferido sua passagem para a Itália para o horário das 05h da manhã, devido à bateria de exames que fizera na tarde anterior. Às três horas, Giuseppe tomou um bom banho, barbeou-se e trocou de roupa. Apesar de não ter dormido nada, ele se sentia bem sabendo que iria poder ver sua irmã pela última vez. Todavia, ele bem sabia que tinha que correr contra o tempo para conseguir fazer tudo que tinha em mente. Às 3h50, Fernandes foi levá-lo ao aeroporto e Giuseppe seguiu calado com o semblante carregado de preocupação durante todo o percurso para o aeroporto.
 
- O que foi? - disse Fernandes – parece-me que algo, além do que eu já sei, está preocupando você.
 
- Meu caro, Fernandes, além de advogado, você agora também é vidente?
 
- Não, é que exercendo a advocacia ao longo de tantos anos de trabalho, nós acabamos por aprender a discernir as variadas expressões faciais dos clientes.
 
- De fato, eu confesso que estou preocupado com o casamento da minha filha.  Eu não acredito que ela ame o namorado a ponto de se casar com ele, ela não demonstra interesse nos preparativos do casamento e quem está correndo atrás de tudo é Marilyn.
 
Ao ouvir o nome Marilyn, Fernandes sentiu um arrepio lhe percorrer o corpo. No sonho que tivera com o seu melhor amigo, o falecido apresentava-lhe uma jovem belíssima e ela tinha a mesma aparência de Marilyn. Será que, em algum momento, tivera algum tipo de aviso de que o tempo estava se encarregando de unir a ambos, mais uma vez? Por um momento, Fernandes sentiu vergonha de si mesmo por ainda pensar em Marilyn, mesmo ao lado do atual marido dela quase moribundo.
 
 - É verdade que ela está longe de casa, - continuou Giuseppe – e que a faculdade lhe toma quase todo o tempo, mas nem sequer nos fins de semana em que está lá em casa, ela se esforça para demonstrar algum interesse. Para dizer a verdade, eu não entendo por que o Rafael ainda mantém esse noivado, pois nem nos fins de semana eles saem juntos mais, sendo que o máximo que fazem é ir ao cinema, vez ou outra; no mais, estão sempre dentro de casa. Normalmente, ele vem jantar conosco aos sábados e almoçar no domingo, mas ela, no fim do dia, já está de volta a São Paulo - e é só.
 
- Talvez eles tenham combinado, em comum acordo, respeitarem o cansaço um do outro, - disse Fernandes - até porque passar o dia inteiro falando e ouvindo sobre anatomia humana etc. Deve ser muito cansativo para ela. Assim, quando chegam os finais de semana, o que ela quer é somente descansar e ele, como um noivo compreensivo, coopera para que ela possa descansar, repor as energias perdidas e poder recomeçar tudo novamente a cada segunda feira. 
 
- Não sei... pode até ser mesmo... talvez eu só esteja preocupado se ela está realmente feliz e acabo vendo coisas aonde não existem.
 
- Pronto, chegamos - disse Fernandes parando o carro atrás de um táxi à entrada da recepção do aeroporto – você quer que eu lhe faça companhia até a hora do embarque?
 
- Não é preciso, vá para casa, pois você deve estar morrendo de sono. Muito obrigado por tudo! Conto com você no sábado, no casamento de minha filha, não falte! – disse Giuseppe apertando a mão de Fernandes em despedida.
 
- Pode contar comigo, eu estarei lá.
 
Quando Fernandes entrou em sua casa, já era 4h40 da manhã. Ele sabia que tinha muitas coisas para resolver no escritório, mas cansando como se encontrava, o melhor a fazer seria dormir pelo menos umas três horas. Antes de ir para seu quarto, ele lembrou-se de ligar para o escritório deixando um recado na secretária eletrônica com as devidas instruções para que Mayara ligasse aos clientes da manhã e os remarcasse para o horário da tarde.  Mal tirou a roupa, ele atirou-se na cama apagando imediatamente.
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 17/08/2019
Reeditado em 24/08/2019
Código do texto: T6722225
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