ENCONTRO-ME DESPIDA
Fred me despiu, arrancou todos os sentimentos que há em mim. E, mesmo depois de muitos anos, eu ainda continuo a procurar por ele. Eu saí daquela cidade, mas meus pensamentos não me deixaram ir, pois meus sentimentos sempre me lembravam dos seus beijos.
Eu não entendia por que estava sempre guiada até ali.
Todas as vezes que precisava de forças para seguir, eu voltava a lembrar dos seus beijos. Pensei que minhas buscas estivessem em outro lugar. Longe dali, mas me surpreendi ao ser tomada por um impulso que agia dentro de mim. Eu estava disposta, de todas as formas e com muita força, a encontrar uma parte de mim perdida no passado. Uma prova de um contato de carinho. Uma saudade, um toque, um cheiro…
E o desejo de permanecer para sempre despida. Não mais virgem. E cada vez mais o desejo da entrega tomava conta de mim.
Sentimento guardado. Quase 10 anos de espera de um amor reprimido, apagado, esquecido. O beijo mais doce, tocante… Mais forte que já havia provado.
Meus olhos também puderam demonstrar o quanto amor havia
em mim. Eles demonstravam o que a minha boca tinha medo de falar.
Meus olhos falaram o meu segredo.
Sofri muito em busca de algo e depois descubro que sempre esteve ao meu lado. Eu descobri que estava ali, estava em mim.
Foram muitos anos reprimindo emoções. Fred não sabia que existia um sentimento guardado em mim. Às vezes, eu também esquecia, mas o desejo sempre me fazia lembrar.
De vez em quando, mesmo que distante, eu tinha notícia dele.
No período em que recebi o convite para fazer uma apresentação de teatro naquela cidade, na minha terra natal, minha vida estava tomada por uma pulsão que me fazia querer buscar algo naquele lugar. Eu pensei que seria apenas pelo fato de lá encontrar as minhas origens. Lá estavam as pessoas que me ensinaram muito. Que se empenharam e se dedicaram para me guiar ao melhor caminho.
Eu queria uma resposta e sabia que o destino iria me conduzir pelo melhor caminho.
Até então, sabia que Fred estava morando em outra cidade, mas até aí eu nem imaginava que ele seria a resposta a todas as minhas buscas, a todas as minhas inquietações.
Ele ficaria feliz em assistir à apresentação que estava programada para os próximos meses, naquela cidade.
Ao localizar o seu contato na minha agenda, pude perceber que minhas buscas chegaram ao fim. Era o meu momento de dizer que havia guardado o gosto dos seus beijos por todo esse tempo e que nada fizera com que eu esquecesse.
– Olá, Fred, como tem passado? Estarei viajando para Araci no mês de maio, em uma viagem a trabalho, uma apresentação do espetáculo Rebentos.
– Oi, Liz. Eu vou te ver, fico feliz.
– Você ainda continua por lá? Sempre que vou visitar meus pais eu nunca te vejo.
– Sim, continuo no mesmo lugar, saí mas tive que voltar, pois meu pai está com uns problemas de saúde e quero ficar mais perto dele. Vai ser aquela mesma peça que havia me dito, que fala do amor?
– Não é a mesma, mas fala do amor também.
– Durante todo esse período, Liz, eu passei por minhas situações, mas agora estou estudando e continuo cantando. Se te contar a minha história, eu acredito que você ganhe um prêmio.
– O prêmio da minha história, Fred, é bem maior do que qualquer prêmio existente neste mundo.
– Você sumiu, Liz.
– E você, já casou?
– Estou livre, esperando por você.
– Eu quem sempre estive te esperando.
– Penso que terei que ir aí te ver. Estou carente.
– O meu nome se chama amor e não carência.
– Então quero amor.
– Que seja amor.
– Quero tudo de você, Liz. Estou carente de afeto. E você, já casou?
– Ainda não casei, estou enrolada com meus projetos de vida.
– Melhor sozinha do que mal compreendida.
– Isso que me diz é muito sábio.
– Sempre fui inteligente, só era imaturo.
– Meus amores sempre foram desequilibrados, Fred.
– Já pensou na possibilidade das pessoas não serem as certas para você?
– Para mim só vale se for verdade e se os dois estiverem na mesma direção.
– Ninguém deve ser 100% amor, Liz, se a outra pessoa for 50%. Neste caso há um desequilíbrio de sentimento.
– A partir do momento que entendi que o amor está em mim e não nos outros, eu pude viver melhor. O outro só acende a chama do amor em nós.
– Igual à felicidade, Liz. Está dentro de nós. As pessoas nos complementam.
– As pessoas transbordam um sentimento que existe na gente, Fred.
– Eu tenho plena consciência que posso ser feliz com qualquer pessoa. Porque eu sou feliz.
– Com qualquer pessoa que tenha o mesmo amor que você e que pense da mesma forma. Com qualquer pessoa feliz.
– Amar e ser amado, Liz.
– Esse seria o ideal para todo mundo. A descoberta do amor verdadeiro. E o amor verdadeiro está dentro de nós, Fred. Sempre em nós.
Entre o período em que estive morando naquela cidade, nós nos víamos com frequência, pois ali era um local pequeno, onde todos se conhecem e se encontram com facilidade. Muitas vezes nós nos encontrávamos nos treinos de uma escolinha de futebol em que fazíamos parte.
Tinha a imagem dele sempre em mente como aquele garoto lindo.
O garoto dos meus sonhos.
Olhava para Fred com desejo de tê-lo para sempre em minha vida.
Às vezes, meu coração batia acelerado quando o meu olhar cruzava
com o dele. Tinha que afogar o sentimento nas minhas lágrimas. Dentro de mim existia um rio de lágrimas de sentimentos escondido e era ali que eu afogava todos eles.
Em uma visita de rotina aos meus pais, após quase cinco anos morando longe daquela pequena cidade, fui convencida por alguns amigos a ir a um evento que aconteceria em um espaço de festa próximo dali. Jamais imaginaria que fosse encontrar com Fred, isso nunca me acontecia. Mas, de repente, o avisto de longe, meu coração bateu acelerado. Como é lindo, pensei. Chamava a atenção de todas as meninas da cidade e eu, que sempre me senti fora daquele padrão de beleza imposto por aquele local, fiquei tímida diante de tanto charme e elegância. Um olhar sedutor, corpo de atleta. Olhei para ele e respirei fundo, lembrei dos seus beijos. Aquele corpo me
abraçando, voltei ao passado e aquela sensação que jamais sumiu de mim se acendeu.
Eu nem tinha ideia de que mais alguém soubesse do sentimento que existia em mim. Nunca tinha falado sobre isso. Mas Paulo, meu amigo em comum com Fred, quando o viu, logo disse:
– Veja! Sua paixão está vindo ali.
Eu fiquei tensa. Fred estava com uns amigos. Passou por mim, falou comigo, me deu um abraço e seguiu. Aquele momento me fez reviver como tudo surgiu. As aulas de futebol de que participava junto com ele, quando meu desejo e meu sentimento brotaram. Aquela quadra, aqueles encontros, aquela timidez e o medo de falar do que sentia.
Ninguém sabia daquele sentimento. Nunca tive coragem para contar do meu amor por Fred. Ele era a paixão que jamais eu iria esquecer.
Meu sentimento estava escrito no meu olhar, meus olhos talvez pudessem ter me entregado em algum momento e Paulo pôde ter notado o que guardava em mim, porém Fred nunca notou.
Foram meus olhos que noticiaram os meus sentimentos ao mundo.
E talvez ele nunca tivesse me olhado com profundidade.
Ainda não tinha coragem para falar dos meus sentimentos, mas tive a ousadia de questionar Paulo sobre se Fred estava namorando ou estava solteiro. A resposta não foi a que eu esperava: meu amigo disse que ele estava namorando.
Eu nunca teria coragem para falar dos meus sentimentos.
Passei o show seguindo-o com o olhar. Talvez a namorada dele não estivesse por lá, pois ele estava sozinho o tempo todo, apenas na companhia dos amigos.
No meio do evento, a banda começa a tocar a música Oração ao tempo, de Caetano Veloso, justamente essa música, que sempre me guiava como o templo dos meus sentidos.
O destino me fez seguir e aquela foi a última imagem que eu tinha dele. Voltei para minha casa com boas lembranças. Do sorriso, das brincadeiras, do olhar, de todo o tempo em que estive perto dele. Tudo estava arquivado em minha memória. Gostaria de ter guardado a imagem de uma dança a dois e um pedido ao tempo para que resolvesse tudo por mim.
Mesmo não tendo a dança, a oração foi feita e, depois de alguns anos, o tempo nos uniu outra vez.
Dessa vez nós não estávamos frente a frente. As palavras traduziram os meus sentimentos através das mensagens pelo celular. Falei tudo que sentia. E a partir do momento em que ele disse que estava livre e me esperando, eu imaginei muitas loucuras. O delírio dos seus beijos, meu coração palpitou e meu corpo inteiro ficou em vibração.
Imaginei que esse fosse o momento. Eu estava tão próxima e, por sorte, na hora certa, pois, pelo que entendi, ele disse que estava livre. Fui me empolgando com os versos, deixei todo o sentimento falar. Esse era o momento de abrir meu coração.
Me senti aliviada por ter descarregado todo o meu anseio. Descarreguei meus afetos, minhas raivas, meus amores, meus sentidos. Descarreguei a minha alma e me senti livre daquela prisão que meu ser carregava.
Tantos anos esperando a oportunidade de dizer todos os meus sentimentos. Eles foram lapidados com o mesmo tempo que me fez esperar. Agora eu estava ali diante dos sonhos que me fizeram querer voltar ao passado. O contexto de uma história que vivia inspirando, em mim, saudades. Lembrei-me das minhas angústias, das minhas saudades, da minha solidão. Dos aspectos de desejo de voltar àquele velho tempo e construir uma história diferente.
Eu viveria ali, eu morreria ali e deixava todos os meus outros sonhos e desejos esquecidos só para sentir novamente aquele gosto de beijos e poder fazer um amor delirante. Seus beijos eram molhados e gostosos.
E, dessa forma eu já estava, só de lembrar daqueles beijos.
Gostaria de correr e me entregar com toda a verdade que havia em mim. Todo o sentimento e toda a vontade de um sexo bom. Talvez fosse isso de que eu precisasse – de um sexo bom, já que o meu passado sexual ainda não teria sido melhor do que seus beijos.
Mas entendi errado, pensei que estivesse livre. Ele estava namorando.
– Me desculpe, Liz, no começo achei que você estivesse apenas deixando levar a conversa. Eu, neste período de dez anos, me envolvi com muitas mulheres de personalidades diferentes, com postura diferente…
Mas, nenhuma delas tinha a pureza e simplicidade de me tocar com palavras como você me tocou.
– Deixei meu sentimento aflorar, pois pensava que estivesse solteiro,
desculpa pelo mal-entendido, Fred.
– Sei que não vai mais me querer. Mas eu vou atrás de você na primeira oportunidade que eu tiver.
– Quando eu te encontrar, te darei um abraço de coração em sinal de todo o meu sentimento guardado. Eu vou continuar seguindo a minha vida.
– Eu não sabia que você nutria tanto sentimento por mim. Eu também sempre gostei de você. Seu sorriso… Eu não tinha como saber, a gente tinha pouco contato afetivo. Você lembra quando a gente se beijou?
– Jamais esquecerei daquele dia, dos seus beijos.
– Você estava de short e blusa preta.
– Você lembra até a roupa em que eu estava, Fred?
– Tenho uma boa memória.
– Você naquele dia me fez ter a melhor experiência de beijo. Eu não lembro se alguém conseguiu te superar. Eu era muito boba, achava que você era demais para mim, era um sonho.
– Você lembra a data, Liz?
– Não, Fred.
– Vou olhar no meu diário, Liz.
– Como assim, Fred? Você escreve no diário o nome das pessoas em que você beija?
– Não exatamente. O professor Roberto mandou a gente relatar os nossos dias durante um ano. Eu sempre relatava.
– E qual foi a data, Fred?
– Dezesseis de junho de 2007.
Eu não me lembrava da data, mas na minha memória estava guardado o beijo. Tinha muito de mim naquele beijo. Tinha algo que eu não consegui entender. Talvez fossem todos os meus desejos perdidos.
Após três dias, eu voltei para minha casa. Agora, mais uma vez, eu estava longe. Eu queria encontrá-lo, mesmo que fosse apenas para dar um abraço. Mas ele preferiu permanecer distante.
Josy Miranda
Conto da Antologia Palavreiras – Contos e Poemas que merecem ser lidos