Coisas que você não deveria sentir diante do fracasso é um tapa de seis dedos na cara

Eu interrompo o assunto, questiono qualquer coisa a respeito da mentira que Edi Mentiroso cospe para as pessoas. De certa forma, nem tudo era mentira. O que ferrava tudo era a forma como contava, colocando palavras na minha boca, coisas que eu teria dito na ocasião, que bem da verdade, eu pouco me lembrava de estar presente. No final das contas, era sim uma mentira que se iniciou calorosa, mas que agora abria a roda afastando as pessoas.

- Isso é uma grande merda - eu digo – nem se quer me lembro de estar presente nesse dia. Mas isso até passa, porque eram grandes as chances de eu estar bêbado e logo não me lembrar de nada. Mas uma coisa tenho certeza, você não tem culhões para desafiar o cara desse jeito que está pintando a história.

Então depois de um curto silêncio, Suzana mandou Edi M. calar a boca.

Noite de sábado. O céu está cheio de nuvens de chuva, venta frio, e a garrafa de tequila na roda nos esquenta. No estacionamento do mercado, sentados ao lado do velho Ford de Luciana, ouvindo o som que vem do celular de alguém, só estamos lá jogando papo fora.

Carina tenta puxar papo com um cara novo que conhecemos. Parece bem regrado, se mantêm na cerveja e de poucas palavras. Carina está cheia de graça pra cima dele, pede sua jaqueta jeans emprestada , elogia o perfume e pede para que a acompanhe até a loja de conveniência do posto de combustível.

- E quem estamos esperando, afinal de contas?

Pergunta Edi M.

Viviane era para ter chegado tem um tempo. Da última vez que a vi seus olhos pareciam tristes. Transpareciam culpa e alívio.

- Ouvi dizer que agora virou fotografa.

Disse Luciana.

- Tem muita coisa feia pra se fotografar no mundo.

Eu disse, matando uma dose.

- Oliver, você vai ficar bem?

Perguntou Suzana.

-Estarei ótimo enquanto houver coragem na garrafa.

Eu disse.

- Se precisa de coragem que se compra por cinquenta pratas num mercado para encarar a vida, você é um grande covarde.

Disse Edi. Edi não ia muito com a minha cara. Eu por outro lado não tinha nada contra ele. O que o fazia nutrir certo rancor por mim, foi o fato de uma noite, numa festa em sua casa, depois de fumar maconha e tirar um cochilo na sua rede, eu acordar as duas da manha e comer todo o queijo Polenguinho que estava na geladeira.

Dizem que a covardia te mantêm distante dos problemas. Mas isso não é verdade. Tudo que ela faz é te encher de angustia. Mas isso incomoda até a segunda página, porque depois de um tempo você não da bola pra nada. Então se torna um homem gélido, e à distância, de um local seguro, começa a observar todo mundo se ferrando, se ferrando com coragem até os dentes, correndo o risco de perder todos eles graças a coragem. É como no amor. Dizem que vale a pena lutar por ele. Isso é verdade, desde que você não seja um homem gélido.

Uma viatura, não sei se a mesma de antes, passa por nos bem de vagar. Os policiais ali dentro nos encaram, eles reduzem quando estão ao nosso lado, Suzana pega na minha mão. Com suas caras de bufões loucos por confusão, os porcos seguem seu caminho.

– Me desculpa- Diz Suzana soltando minha mão- mas é que se tem casal no rolê, da menos problema caso a polícia pare.

Edi se levanta, tira algo da meia.

- Vou muquiar essa parada longe da gente. Esses carniceiros estão atrás de confusão.

Pequenas coisas causam grandes confusões.

- Que merda, Edi, você tem de trazer essa droga?

Suzana fica puta com drogas. Ela enxerga como algo ruim e maléfico, ao mesmo tempo que precisa de sua cafeína diária e seu cigarro pós-almoço. Sem falar nos suplementos e estimulantes que lhe dão energia para a academia.

Lembro que quando criança, era louco por usar óculos. Uma deficiência cheia de charme, mas que eu enxergava como uma brincadeira. Hoje com dificuldades de ler refuto a ideia de ter de ir a um oculista. Então, necessitando de um óculos, não reconheço o número que brilha na tela do meu celular quando ele toca. Atendo e do outro lado da linha uma voz que traz lembranças distantes me carrega para alguns anos num passado onde ainda nem tudo havia se perdido dentro de mim. Vocês sabem, naquele passado onde o primeiro beijo tem sabor de framboesa e a inocência do primeiro amor ainda é puro.

- Onde diabos vocês estão?

A voz pergunta.

- Vai se foder.

Eu digo. E desligo.

- quem era ?

Pergunta Suzana.

Então o telefone volta a tocar.

- Alô?

- Desculpa ai...

Eu digo

- Mas o que foi isso?

- Foi reflexo.

- Bom, já estamos na cidade...

- Sim …

- Onde encontro vocês?

- Sabe o estacionamento do mercado, logo passando o primeiro posto na entrada da cidade?

Dei as dicas, e ela pegou. Disse que chegava em alguns minutos.

- Estamos no outro lado da porra toda. Passamos na casa da minha mãe. Ainda toma vinho?

Perguntou Viviane... ainda tinha aquele jeito de quem parece se preocupar.

- E porque não?

Respondo.

- É Viviane ?

Perguntou Suzana

- Diga a ela para trazer mais cigarros.

- Quem é ai? Suzana?

- Sim. Ela pediu mais cigarros.

- Eu ouvi a vadia! passa o telefone...

Assim as duas emendaram numa conversa. De início ofensas amistosas. Depois um pouco de melosismo, dizeres de saudades e toda essa merda.

Deixei as duas falando, levantei para esticar as pernas. Carina e o cara novo chegaram

rÍndo, ela agarrada ao braço do sujeito que parecia sem jeito mas não incomodado.

- … como assim, não está nos vendo?

Suzana disse ao telefone.

Um carro entrou no estacionamento com os faróis estalando em nossos olhos….

- ...Abaixe a droga dessa luz, vadia!

Disse Suzana, para em seguida as luzes desligarem e o carro se aproximar e estacionar.

A porta se abriu. Primeiro a do passageiro, uma garota ruiva com pouco mais de metro e meio saltou de dentro como uma pequena pira olímpica, cheia de empolgação e segurando uma garrafa nas mãos.

Saudades, ela disse que sentia.

Abraçou um por um seguida de um sujeito, visivelmente perdido e fora de contexto.

- Ah, esse é Flávio

Ela apresentou o sujeito por último. Cabelo curto, barba feita, se brincos e de aparencia limpa.

- Caralho, nem sei mais andar nessa cidade!

Praguejou Viviane...

- Flávio, olha, essa é a garota de quem te falei... tinha de ter nos conhecido a uns sei lá... dez anos?

Dez anos é tempo de mais depois dos vinte. Você meio que espera estar melhor aos trinta.

- Olha!

Viviane ergue a mão direita para que todos vejam.

- Estou noiva!

E recebe os parabéns do grande acontecimento.

Acendo outro cigarro, dou uma longa tragada sentado no banco do motorista do meu carro com as portas abertas. O carro tem cheiro de cigarro e cerveja. Tem cheiro de bar. Tem cheiro de vida. Nada daqueles desodorizadores sintéticos de lavanda. Tenho contas no porta-luvas, um punhado de moedas no cinzeiro. De baixo do banco puxo uma garrafa de Morte Destilada, tomo um grande trago que morre suave como um punhado de areia encharcada com gasolina no estômago.

- Não vai me oferecer um pouco?

Pergunta Viviane parada ao lado do carro. Lhe estico a garrafa.

- Droga Oliver, você ainda bebe isso?

Lhe passei um cigarro.

- Ah.. parei com isso.

São dez anos, ou pouco mais.

Cai o dia, entra a noite.

E você vive uma merda de luta, tentando entender a aleatoriedade múltipla dia após dia...

02/08/2019

14h11m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 02/08/2019
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