Devaneio sobre a cama bagunçada

(Escrito em 2017)

Eu já tinha experimentado várias vezes o amor sem sexo, porque até aqui não havia feito sexo. Agora experimento o sexo sem amor.

Existe o carinho, óbvio. Não é do tipo de sexo em que sou expulsa depois que ele ( exclusivamente) goza, ou que a gente se olhe na cama e não consiga desenrolar uma conversa. A gente consegue - e muito. A sensação de bater papo assim deitada nua com a bunda pra cima e ainda me ouvirem é maravilhosa - a janela aberta, o vento fresco, os corpos ainda quentes pela ação toda, os egos massageados por um ter feito o outro gozar. Vestir uma blusa dele que fica comprida em mim, dormir com cafuné, antes de pegar no sono escancarar os olhos de súbito algumas vezes e pegá-lo me olhando. Queria saber o que pensa, nessa hora. Porque coisa romântica não deve ser, ele que evita um abuso de emojis de corações e tenta ser frio na medida do possível (não consegue) para que não nasça nenhum cupido em nenhum lugar do céu ou do inferno que venha nos flechar.

Não flechou, mas fico tentando imaginar o que pensa, me vendo dormir. Me vendo de quatro. Me vendo nua no seu espelho. (Sempre fico muito reflexiva ao me ver nua em um espelho que não na minha casa).

Me vendo me vestir de manhã pra ir embora. Me vendo tomando café da manhã com os olhos ainda inchados, o cabelo bagunçado, a cara de quem gozou duas vezes na noite de ontem e se pudesse gozaria muitas outras mais. Tento imaginar como se sente quando volta pra seu quarto grande e iluminado e sua cama está vazia como um banco saqueado. Sua camiseta que me serviu de vestido está lá, com o meu perfume, será que ele cheira? Será que ele joga direto na máquina, para que desinfete?

Eu tinha pensado, inclusive numa conversa com ele: impossível ele namorar agora, ele não tem tempo para amar. Mas porra, que tipo de frase é essa? Essa frase não devia nem ser aceita, devia ser ilógica, errada na ortografia e na semântica. Que tipo de ser humano não tem tempo para amar? Amar não é algo que tome necessariamente seu tempo, é algo que transcende o tempo. Você pode estar no trabalho, estressado, ocupado, mil coisas que não o amante na sua cabeça, e o ama. Que belo lero-lero, eu mesma inventei, não ter tempo pra amar. Amar atravessa o tempo, o lugar, a forma...

Quer dizer, eu suponho. Porque até pouco tempo atrás eu me achava indigníssima para discutir o amor, eu que nunca tinha sido amada e nem admirada por homem nenhum. Agora acredito que devem ter me amado sim, nem que seja por uns segundos. Acho que a base do amor é querer bem. Te quero bem. Te desejo que viaje infinitamente para todas as possibilidades de países, corpos e personalidades. Que se descubra. Que sua dor toda vez que vier te traga lições e cura ( isso nem precisa ser desejado porque sempre vem, é um combo. A dor é um veneno que vem com nome na bula, motivo e antídoto). Que os seus caminhos se abram, que as oportunidades apareçam...

Me irrita terminar frases com reticências. Eu queria ter certezas o suficiente para acabar todas as frases com um ponto final ou uma exclamação. Mas as certezas são gaiolas - acho que o Rubem Alves concorda comigo. Tenho percebido agora que desviei o caminho dos intelectuais - graças ao bom Deus. Os intelectuais estão espalhados por aí nas universidades magrelos, pálidos, fumantes e deprimidos, porque tem muitas certezas, hipóteses e teorias. Tudo na sua vida obedece regras da sociologia e tem referências em livros cabeçudos que nada mais são do que um amontoado de palavras que não ajudarão ninguém a se libertar mas a se limitar ao se definir. Acredito que logo logo a universidade me botará na cabeça que a intelectualidade é a coisa mais importante do mundo, os artigos, as teorias, as defesas, as escritas - até porque esse é um tipo de lavagem cerebral que qualquer um sofre trabalhando em qualquer lugar - para que se trabalhe mais e com mais confiança, achando que é a coisa mais importante do universo escrever, comandar, atender telefones ou gerar empregos.

Bom, nunca é. Acho importante num mundo deprimido como o nosso as pessoas se acharem importantes ou se verem num cargo importante - mas não é, aquilo só é importante pra você porque você está ali e não em outro ponto de vista...

Sei lá. Como eu disse, não sou das teorias, então, liberta das gaiolas, tudo o que eu escrevi acima está certo e está errado, está mal escrito e bem escrito, faz sentido e não faz, e daqui a três dias eu lerei e acharei babaca - porque até lá mudarei de opinião. Sempre mudando de opinião e nunca tendo nenhuma como verdade absoluta. Essa é a mão que eu descobri que mais facilita meus dias e me faz um cafuné eterno sem precisar de qualquer braço de homem para isso.