O Adeus.

Pensava nela acompanhado por uma garrafa de vinho frente as brasas já enfraquecidas. Reconstituía em sua mente a última conversa e, embora ainda não aceitasse, sabia que a cortina estava prestes a fechar e só restava despedir-se dos espectadores presentes.

Fremente, como se debruçado estivesse nas linhas finais de seu predileto romance, esperava por uma reviravolta no enredo, embora soubesse do inevitável desfecho, pois nessa história era o protagonista.

Como em qualquer despedida, fazia-se presente um peso crônico. Mais uma vez percebera que a vida havia o fugido do controle e que a nada ou a ninguém poderia apelar, e despedir-se da trama era inevitável.

Então, nessa chuvosa madrugada, chegara o momento, assim, com caneta em punho, enquanto ela dorme, ele escreve pela última vez, para ela, para ele, a ela, ele escreve, a despedida.

Já na primeira linha, o filme, a história vista diante de seus olhos pela última vez, agora compactada em momentos chaves, embora a mesma tenha tido nas cenas banais seus mais belos momentos.

A visão carrega uma ordem cronológica, do começo leve, despretensioso, em uma noite qualquer, ao fim, encontro marcado, clímax da algazarra, da surpresa.

Passou, em seus olhos, toda a história em um segundo, e mesmo estando o enfadonho último encontro ainda fresco em sua mente, ocupou-se com a alegria de relembrar os belos momentos vividos com ela.

Todavia, embora revivera o amor, nada mudou, a decisão estava tomada e os fatos eram imutáveis, os sentimentos não poderiam ser recuperados, tampouco a dor da traição esquecida, e com a caneta em mãos, a ela escreve, talvez injustamente, mas escreve.

Agora, enquanto ela dorme, ele escreve.

Enquanto ela dorme, o amanhecer surge timidamente.

Enquanto ela dorme, ele, com os olhos já em prantos escreve a ela, a despedida.

Enquanto ela dorme, os raios de sol invadem a janela.

Enquanto ela dorme, ele repousa a carta em baixo da garrafa, a mesma que o acompanhara nessa noite, e que agora, assim como ele, está vazia.

Enquanto ela dorme, ele recolhe o casaco do criado mudo, engole as últimas gotas de seu vinho, levanta, e caminha em direção à luz.

Juntos partem, sem ela, que nesse momento, em outros braços desperta.

Ragusto
Enviado por Ragusto em 28/07/2019
Reeditado em 24/07/2021
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