A JARDINEIRA
HÁ MUITO TEMPO ATRÁS...
Essa é a história de Gisele. Ela amava suas flores e seu jardim. Encantava-se com a beleza de cada pequenino botão que nascia. Era economista e usava a água da chuva para regar suas flores. Os homens que olhavam para ela naquela casa, sendo só ela, ficavam deslumbrados com aquela belezura.
- Que coisa linda, olha. Ainda mais nesse jardim!
- Queria que ela cuidasse de mim como cuida desse jardim.
Certo dia as flores, como por um ato mágico, após uma chuvinha fraca, iniciaram um diálogo com ela:
- Gisele?
- Oi. Vocês falam?
- Sim. Nós apenas queremos te agradecer.
-Ué, mas pelo quê?
- Ah. Você tem se dedicado tanto cuidando da gente, praticamente você dá a sua vida por nós. Pra nós, melhor dizendo. Não temos como te presentear a altura.
- Ah, suas bobas. Parem com isso. Eu fui chamada pra isso. Cuidar de vocês. E quanto mais cuido de vocês, cuido de mim mesma. Assim, todo mundo fica satisfeita.
- Gisele, você sofre?
- Como assim?
- Sei lá. Sua força é tanta, sua alegria. Todos na rua que passam pelo jardim e veem você, sempre se maravilham com a sua beleza.
- Isso é porque eles veem o exterior. Por dentro todos nós precisamos de uns ajustes, né?
- A gente entende, mas o que queremos dizer é que você é forte, alta, tem um corpo bem cuidado. Você transmite paz. Ficar perto de você é muito bom.
- Gente, o jardim não foi criado para ser destruído. Vocês são como minhas filhas, e eu tenho por obrigação de zelar por vocês. Eu as amo tanto.
- Podemos fazer uma pergunta?
- Claro que podem. Já estão fazendo tantas. Mais uma não incomodaria.
- Como você faz pra permanecer firme diante dos ventos e das coisas que essa vida tem?
- Vocês vão entender bem minha linguagem: fortaleço minhas raízes. Senão... ninguém é de ferro, pessoal.
- Eu tenho medo – disse uma florzinha pequenina.
- Mas por que? O que você teme?
- É um medo bobo, mas é um medo muito grande que sinto.
Nesse momento as flores olharam silenciosamente umas para as outras e concordaram com as expressões das pétalas meio caídas.
- Ah, vamos lá, gente! Qual foi? Medo do que? De que?
- De que um dia você tenha que nos deixar.
- Meninas, minhas flores lindas. Saibam de uma coisa. Eu fui criada pra que vocês vivam e fiquem lindas. Minha função é cuidar de vocês. Quando vejo flores caídas, mortas, murchas, queimadas pelo sol, sem cuidado nenhum, eu adoeço. Perco o sono. Não consigo ficar em paz. Então me dedico inteiramente a vocês, para que vocês cresçam e sejam as mais belas flores que todos já viram.
- Mas você acha – disse uma florzinha meio chorona – que um dia a gente vai embora?
- Olha só, despedidas não são fáceis pra ninguém. Por mim vocês ficariam pra sempre aqui perto de mim. Porém é necessário que vocês cumpram sua missão e embelezem esse mundo feio. Uma vai virar parte de um ramalhete para um lindo casal. Outra vai enfeitar um terno ou um vestido. Outra um aluno dará para a professora. Não posso reter vocês pra sempre.
- Por que então você cuida da gente sabendo que um dia irá nos deixar? Ou nós iremos partir antes?
- Seja quem for, saibam que minha missão eu cumpri, e fiz isso pra ver vocês todas com um bom perfume. Um perfume que, se vocês sentirem a fragrância, domina todo esse jardim.
De repente as flores olharam bem para ela:
- Você tá machucada! Quem te machucou?
- Ah, não é nada de mais. Isso acontece. São ossos do ofício.
- Mas tá sangrando – disse outra flor.
- Relaxa. Isso aqui não me impediu de sempre cuidar do meu jardim.
As flores então começaram, uma a uma, a perceber que Gisele tinha muitos ferimentos:
- Gisele, quem fez isso com você?
Ela respirou fundo:
- Um alguém. Mas fiquem tranquilas. Vocês estão crescendo e isso significa que estou quase cumprindo minha missão.
- Pra onde você vai se você for embora?
- Eu? Não sei. Minha vida foi me dedicar a vocês. As feridas que levei não me derrubaram, nem me mataram. Até na minha morte serei útil. Se eu for embora, com certeza alguma outra coisa eu farei e quem sabe, a gente não se vê um dia. Então nos lembraremos de todos esses momentos juntos.
O vento começou a soprar nessa hora.
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Tempos depois, o dono da casa, após colher todas as flores, fez um grande ramalhete e levou para uma loja de flores. Depois disso, terminou de passar o machado na árvore Gisele, chamada assim por seu filhinho de três anos, em homenagem a mãe, e deu seu tronco com galho e tudo para uma carpintaria. De lá sairiam baús para guardar joias, cadeiras, mesas, portas e muitos outros móveis.
José e seu filho adotivo trabalhavam lá. Uma mulher aparece na entrada da carpintaria:
- Amor! Jesus! Venham, o almoço está pronto!
Uma homenagem a poetisa e missionária SRTA PADRÃO.
Leiam suas obras e entenderão.