O ANJO DO INVERNO.
Diógenes chegou em casa às quatro da tarde. Parecia mais gordo devido as duas camisas, um colete de lã e a jaqueta jeans que usava. Boné dos Lakers na cabeça e luvas de couro nas mãos. -" Meu pai do céu, o frio veio forte esse ano!!!! Deve estar sete graus lá fora!!!" Nem bem fechou a porta e o filho de sete anos correu para seus braços. -" Você demorou, Diógenes!!! Conseguiu alguma coisa? Está sem almoço!!!" Perguntou a esposa, de avental molhado. -" Hoje nada, Tiana. Fui e voltei a pé pois não tenho grana do ônibus. Deus vai me arrumar um emprego. Tenho rezado o salmo 34 três vezes ao dia. Até o decorei!!! Diz que o justo sofre muitas tormentas mas de todas Deus o protege!!!" Matheus Felipe mostrou um desenho ao pai. -"Que lindo, filho. Que são essas coisas soltando fogo???" O menino apontou os rabiscos na folha sulfite. -" Minhocas gigantes alienígenas, não vê?!?? Elas destroem a terra mas o homem de ferro vai se unir ao Hulk pra lutar contra elas. Esse aqui é você, papai!!!" O homem sorriu. -" Quanta imaginação!!! Esse garoto vai fazer filmes em Hollywood." A esposa colocou a garrafa de café sobre a mesa da sala. Em seguida trouxe pão e manteiga. -"Oh...um café da tarde!!! Obrigado, querida." Ele abraçou a mulher. O menino puxou uma cadeira. -" Oba!!! Vou ver o papai tomar café!!! Quero bolacha recheada." A mãe fez cafuné no filho. -" Querido, não tem bolacha recheada!! Só após o papai conseguir emprego teremos dinheiro para comprar bolacha pra você!!!" O menino juntou as mãos. -" Papai do céu, arrume, por favor, um emprego pro papai. Amém!!!" Diógenes e a esposa se comoveram com a atitude do filho. -" Está uma delícia seu café, amor. Fui naquele hipermercado que vão inaugurar no mês que vem. Deixei curriculum!!! Vamos torcer." Diógenes saiu da mesa e foi até a cozinha. Lata de achocolatado na mão. Pegou um pedaço de pão e passou manteiga nele. Salpicou meia colher de chá de achocolatado sobre o pão. A mulher observava, curiosa. Os olhos do menino brilhavam. -" Essa receita era do meu avô. É dez mil vezes melhor que bolacha recheada!!! Eu adorava quando tinha sua idade, filho!!!" O menino pulou na cadeira. -"Eu quero!! Eu quero!!!" Diógenes fez a brincadeira do aviãozinho e deu o pão ao filho. O menino comeu com prazer. Olhos fechados e um sorriso. -"Não é uma delícia??? Vou fazer um pra mim também, Matheus!!!!" Tiana foi terminar de lavar roupa. -" Posso passar a receita para os meus amigos da escola???" Diógenes estava feliz. -" Sim. Pode sim. Devemos agradecer por aquilo que temos, mesmo sendo pouco!!!" Após tirar a mesa e lavar sua xícara, Diógenes quis tomar um banho. A mulher foi até o banheiro. -" A resistência do chuveiro queimou. Sorte eu já ter dado banho no Matheus. Vou esquentar água no caneco pra você!!!" Diógenes coçou a barba. -"Obrigado, amor!! Vamos ao banho de canequinha." A esposa trouxe água quente no balde. -" Vou pedir ao primo Raul pra trocar a resistência do chuveiro. Ele dá um jeito!!!" Disse ele. Tempo depois, Diógenes encontrou a esposa estendendo as roupas no varal. -" Você não vai hoje, está muito frio." Diógenes enfiou as mãos nos bolsos da calça de moletom. -" Porque está muito frio é que devo ir. Eles contam comigo, Tiana!!! Hoje eu faço a janta!!!" A esposa sorriu. -"Eu terei de assistir Cocoricó com o Matheus, é isso???" Diógenes a abraçou. -" Sim. Revezamento, minha filha!!!" A noite caiu. Às 19:30 horas a campainha tocou. Diógenes se despediu da esposa e do filho. -" Tchau, querida. O bem atrai o bem. Devemos pensar nos menos afortunados!!!" A esposa sentiu orgulho do marido. Uma lágrima caiu. -"Os que menos têm são os que mais ajudam!" Pensou Tiana. Ele beijou o filho. -" Te amo, filhão. Cuida da mamãe." Abriu o portão e entrou na perua Kombi. -" Boa noite, Diógenes. Frio, einh????" Disse o motorista Norberto. Diógenes abriu a boca e assoprou. Parecia que fumava mas era o ar frio saindo da boca. -" Geada, caro Norberto. Bendita a sopa e cobertores da Associação dos Seareiros!!!!" O veículo, vinte minutos depois, chegava a sede da associação. Vinte pessoas os aguardavam. Meia hora depois, a Kombi de Norberto e seis vans saíam do local, abastecidas com panelões de sopa e cobertores. Norberto, Diógenes, Fernanda e Itamar, todos voluntários, tomaram o rumo do centro de São Paulo. O vento associava, dando a sensação de que estava mais frio. Diógenes olhou para a igreja da Sé. Há tempos não ia a missa. Uma chuvinha fina caía. Itamar montou as mesas enquanto Fernanda organizava os pratos e colheres descartáveis. O cheiro da sopa estava divino. Norberto ligou o rádio do veículo. A música do padre Zezinho era o sinal da presença deles. Alguns moradores de rua se aproximaram. Era visível a alegria em seus rostos sofridos. Diógenes saiu a pé pelas ruas e avenidas. Ele sabia onde os moradores de rua se acomodavam. Queria chamar o maior número deles pra refeição e pra ganharem um cobertor. Ele morara nas ruas durante seis anos, antes de conhecer Tiana. Passara muitos invernos nos bancos das praças e escadarias de igrejas. Tomava pinga pra se aquecer. Sobrevivia graças aos restos de lixeiras e legumes descartados das feiras. Era xingado de vagabundo constantemente. Ele se comoveu ao ver o sorriso dos moradores de rua ao receber aquela sopa quentinha, enriquecida com donativos dos comerciantes e moradores da Moóca. Enriquecida com amor e carinho dos voluntários. Mais de cinquenta moradores atendidos. -" Deus lhe pague!!!" Diziam os gratos moradores de rua. Missão cumprida. Era meia noite quando eles retornaram a sede da associação. Diógenes ajudou a lavar os panelões, emprestados da creche municipal. Precisavam ser devolvidos limpos logo cedinho. A esposa dormia ao lado do filho. -" Perdi meu lugar. Vou para o sofá!!!" Sorriu. Diógenes já tinha levado o filho pra escola, as seis e meia da manhã, quando Norberto o chamou no portão. -" Bom dia, Diógenes. Senti saudades." Ironizou. -" Meu primo me ligou, agora cedo. Vai construir um sobrado de três andares, na Santa Efigênia. Tem trabalho pra cinco meses. Pediu pra eu arrumar dois serventes de pedreiros, bons de enxada, pra ele. Paga quarenta reais por dia. Se você quiser, uma vaga é sua!!!!!" Diógenes o abraçou. -" Quero sim. Obrigado por pensar em mim, amigo!!!" Diógenes estava feliz. -" Eu que o agradeço. Conhece alguém que dê um ótimo servente????" Diógenes pensou no primo. -" Raul, meu primo. Sabe tudo de elétrica pois se formou no Senai. Está desempregado!!! Topa ser servente..." Norberto sorriu. -" De repente ele pega a parte elétrica do sobrado pra fazer, oras!!! Fale com ele. Vou indo abrir a loja!!! Me liga depois das duas." Diógenes se despediu e entrou em casa. Tiana se alegrou com a novidade. Raul aceitou a oferta de emprego. Ele tinha um Chevette meio enferrujado que herdara do pai. Diógenes não precisava pagar transporte pois pegaria carona com o primo. Após o término do sobrado, Raul decidiu trabalhar como marido de aluguel. Ficara satisfeito com o belo trabalho na rede elétrica do sobrado do primo de Norberto. Diógenes o auxiliava mas logo aprendeu a fazer serviços elétricos e hidráulicos. Raul colocou o nome de Diógenes no cartão de visitas, ao lado do seu. Diógenes levou Raul para ser voluntário na associação. Diógenes leu a parábola do samaritano mas Matheus dormiu antes do fim dela. Ainda assim, Diógenes leu até o final. -" Vai começar o Máster Chefe, querido!!!!" Diógenes beijou o filho e foi fazer companhia a esposa no sofá da sala. -" Duvido, Tiana, que esse Fogaça saiba fazer uma sopa gostosa igual a da associação????" FIM.