Seta para esquerda e um break. A entrada é a direita, mas preferiu deixar passar os carros que vinham atrás. No console estava o controle. O pegou elevou a mão direita e apertou o botão. Enquanto portão deslizava para a direita, o seu pensamento deslizava para um infinito muito particular. Despertou com a buzina do vizinho que saia com seu carro pelo mesmo portão. Acenou como quem se despedisse, nem sorriu. Olhou para o alto. Luzes acesas no 13 andar. Ascendia também a sua coragem, repetindo:
- É preciso, é preciso.
Seta pra direita e uma entrada triunfal com uma descida de rampa nunca realizada, por medo de descontrole do veículo. Aliás, descontrole era a única coisa que a deixava em pânico. Sempre muito controladora, nunca teve facilidade em ver lhe fugir pelos dedos, nada, sequer espuma de sabonete. Desceu do carro e andando de um lado para o outro, conversava com si mesma:
- Já não temos mais o mesmo ritmo. No início, foi lindo. Estávamos nos descobrindo e até as diferenças eram intrigantes. Agora não! Ele gosta de futebol no domingo de manhã, eu de ir à igreja; ele come rápido, comidas pesadas, eu na salada; ele só ouve sertanejo universitário, eu só música rock and rol; ele fala da minha mãe como se fosse uma inimiga e eu da dele como se fosse uma uma mãe de um bebê de fraldas; ele trabalha dia e noite e guarda o dinheiro, eu quero viajar, aproveitar. Estamos muito distantes, eu quero lua e ele quer dólar. Nossos objetivos divergem, chegou a hora do ponto.
Apertou o 13 no elevador. Entrou e com ela entraram também todos os monstros que guardou nestes 7 anos. Abriu a gaveta das decepções e começou a puxar as meias. As humilhações experimentaras nas vezes que pensou mais em ser que ter, no seu moletom surrado tão desprezado por não caber na sua beleza estética, o seu tênis all star vermelho, tão original quanto a sua identidade, seus doasse folga de pijama, comendo porcarias, seu desejo de ir para cidades históricas do mundo sendo massacrado como se fosse algo a ser extirpado. 
E o elevador parou. A porta se abriu, pegou as chaves e foi de tentativas na fechadura, nunca guardou as características das chaves, não se importava em perder tempo. Porta se abriu e luzes acesas, chamou-o:
- Anderson, Anderson. Colocou as chaves no porta chaves e foi pra cozinha, pegou um copo, encheu de água, ligou o som pelo controle remoto e colocou Janis Joplin em alto volume. Foi tirando as roupas e esboçando uma espécie de dança circular, livre de passos concretos, uma viagem, acompanhada pelo seu cabelo esvoaçante que era o seu acessório. Olhou para a mesa e um bilhete. Pegou-o e na primeira linha estava escrito: Não me espere. Na segunda linha: não volto mais. O coração acelerou como se corresse há dias, um nó na garganta, as mãos trêmulas e frias, o suor e a ânsia de vômito. Caiu no chão aos prantos, semi despida naquele porcelanato preto brilhante parecia uma fotografia,  se contorceu como se fosse uma minhoca, parou em posição fetal e chorou, chorou, chorou. Já tinha mais de duas horas que estava naquela posição quando, enfim, ouviu o barulho da porta. Pensou ter deixado aberta, num pulo levantou, deixando a marca de suor sobre o piso, olhou para a porta de entrada e lá estava ele, vestido com uma camisa de time de futebol e um short, de chuteiras. Olhou pra ela e disse:
- Ficou maluca, amor. Que cabelo é esse? Que música alta é esta?
Ela correu, o abraçou, disse que o amava e que estava feliz porque ele tinha repensado e voltado. Ele, surpreso perguntou se ela tinha bebido e se não viu o bilhete. Pegou o bilhete, feito no minúsculo pedaço de papel de pão, cujas palavras eram estas:

 
Não me espere
Não volto mais
(E no verso)
depois das 22
volto mais cedo
de hj em diante 
quero te ver mais feliz.

Ela olhou para ele, como quem tivesse ganhado na loteria. Agarrou-o pelo pescoço e dançaram juntos ao som de Janis Joplin. Como se fosse a primeira vez.

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 20/05/2019
Reeditado em 22/05/2019
Código do texto: T6651880
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