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Do cemitério, David e Marilyn foram para casa e durante o trajeto, eles não trocaram uma palavra sequer. Quando entraram no apartamento, Milena, a cozinheira já estava colocando a mesa para o almoço.
 
- Bom dia, Sr. David e Sra. Marilyn! O almoço está pronto, eu posso servir?
 
- Eu vou tomar um banho e tirar esta roupa escura – disse David, sério, sem olhar para a empregada ou para a esposa.
 
- Tudo bem Milena, espere um pouco e sirva-nos em meia hora.
 
Passado este tempo, o casal já estava almoçando e, enquanto cortava um pedaço do bife, David disse:
 
- Fernandes estava arrasado, ele ficou o tempo todo perto do caixão de Weruska.
 
- Foi mesmo, e me pareceu que eles realmente eram muito unidos.
 
- Isso é raro nos dias de hoje – disse David pousando os talheres sobre a borda do prato para pegar o copo de suco.
 
Marilyn limpou os lábios com o guardanapo e já se levantando da mesa, disse:
 
- Como disse Shakespeare: "Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
 
Ela estava triste por Fernandes, mas não podia fazer nada já que havia decidido recomeçar sua vida sem ele e sem David. A nova situação, o fato de Fernandes agora ser um viúvo, era muito favorável aos dois, porém ela não pretendia voltar atrás e vir a ser somente um prêmio de consolação naquele momento para ele - até porque a família da falecida não iria entender nem gostar. Sua mente fervilhava em pensamentos, pois gostava muito de Fernandes, ele a realizava em quase tudo pois era um bom amante, carinhoso e amigo; bem diferente de David, que não era nem uma coisa nem outra. Sentando-se em seu sofá favorito da sala de estar, ela ligou a televisão para ver as últimas notícias. A reportagem estava mostrando um ônibus que pegara fogo na Dutra entre Santa Isabel e Jacareí ocasionando grande congestionamento.
 
-E por falar em acidente – disse o apresentador – hoje foi enterrada a pediatra, poetisa e escritora Dra. Weruska Pinheiro de Godoy. Ela morreu anteontem, vítima de um acidente de automóvel ocorrido no início da noite no cruzamento da Av. Salim Farah Maluf com a Av. Celso Garcia. A morte da Dra. Weruska também nos faz lembrar que as leis de acidentes precisam mudar, porque como está não dá mais para ficar. Uma pessoa morreu outras e outras tantas ficaram feridas e ao que parece nada irá acontecer com o motorista do caminhão que avançou no farol vermelho. A repórter Jessica Saif esteve no enterro. Vamos ver algumas imagens feitas no local.
 
“Boa tarde, Claudio! Eu estive no cemitério da Consolação acompanhando o adeus dos familiares e amigos da Dra. Weruska. De fato, hoje foi um dia triste para a família Godoy e para muitos funcionários e médicos da Santa Casa de São Paulo. Ela foi sepultada por volta das 11h40min da manhã no cemitério da Consolação, no mausoléu da família Godoy.”
 
“Todos estavam muito tristes. O marido, o Dr. Fernandes Godoy, estava inconsolável e ficou o tempo todo ao lado do ataúde da esposa. No cemitério, como você pode ver nas nossas imagens, o advogado e os pais da falecida foram os últimos a deixar o local e o Dr. Godoy saiu apoiado pelo sogro. Conversando com uma das colegas da Dra. Weruska, residente no P.S da Santa Casa, eu fiquei sabendo que a doutora estava para inaugurar uma clínica na zona leste destinada ao atendimento infantil, visando o público de classe média baixa e os carentes.”
 
- Jéssica, pelo que entendi, ela estava fundando uma ONG, é isto? – perguntou o apresentador.
 
- “Não, não é propriamente uma ONG, mas uma clínica que visa ajudar ao público mais carente a ter acesso ao atendimento médico especializado de maneira mais rápida”.
 
- Sim, foi uma grande perda realmente! Obrigado, Jessica. O SPTV vai ficando por aqui, fique agora com o Sport espetacular, uma boa tarde a todos.
 
- Eu não sabia que a família Godoy é tão influente assim - disse David, parado ao lado de Marilyn – eu vi os repórteres no local, mas pensei que estavam lá para fazer alguma matéria, não sobre o enterro da Sra. Weruska.
 
- Ela era uma mulher bem conhecida, pena que morreu tão jovem, tinha tantos projetos a realizar, agora vão se perder no tempo.
 
David foi para o quarto, colocou uma gravata que combinasse com o terno. Fez a higiene bucal, pegou sua pasta de trabalho e voltou para a sala. Marilyn continuava ali assistindo televisão. David olhou para o televisor para ver que programa ela estava assistindo e anunciou:
 
- Eu não venho jantar em casa.
 
Marilyn fez outra pergunta:
 
- David, podemos conversar antes de você sair?
 
- Sobre?
 
- Eu quero me separar de você – disse ela friamente e sem olhar para ele
 
David sorriu com ironia, ergueu as sobrancelhas surpreso com a declaração da esposa e se sentou no sofá ao lado dela.
 
- Você está convicta disto? E por qual motivo – disse ele olhando em torno do ambiente – se você tem tudo aqui, se eu te dou tudo do bom e do melhor - o que mais pode querer?
 
- Eu quero ser feliz, ter alguém para quem eu possa contar como foi o meu dia e saber como foi o dia dele também. Quero alguém que me respeite... que não me veja apenas como um vaso lindo que comprou numa viagem ou num leilão e que, ao chegar à casa, coloque em um ponto estratégico da casa somente para que os seus amigos o apreciem. Eu estou cansada de ser sempre uma sombra em sua vida, quero seguir em frente, ver novos horizontes.
 
- Não tenho tempo para discutir este assunto agora – disse David olhando em seu relógio, tenho uma reunião importante logo mais. Outro dia nos voltaremos a falar sobre isto com mais calma.
 
- Não haverá outro dia David, você nunca para em casa, está sempre com umas e outras por aí.
 
- Agora você já está trocando os pés pelas mãos! Eu só viajo a negócios, não tenho tempo para aventuras amorosas, se é isto que você está insinuando e é tudo coisa de sua cabecinha oca. Além do mais, a separação não será nada boa para você. Você se lembra do nosso acordo nupcial?
 
- Lembro sim, mas não estou preocupada com dinheiro, não. Tudo que quero é liberdade para eu viver a minha vida. Além do mais: - “Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se e que companhia nem sempre significa segurança.” – até porque eu não tenho sua companhia para nada, a não ser para ser exibida como um belo cartão postal ou uma obra de arte nas chatas festas que vocês adoram -, “mas é assim, a gente começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança” - disse Marilyn, citando Shakespeare.
 
- Já sei! Você e suas citações de William Shakespeare! Vamos fazer o seguinte, eu tenho muita coisa para resolver hoje, mas, amanhã de noitinha, nós falaremos sobre isto. Aproveite o dia saia um pouco, chame suas amigas e vá ao cinema, compre roupas novas, enfim, faça o que quiser. Pense melhor sobre tudo isto e se até lá você ainda quiser a separação, então veremos o que fazer.
 
David pegou sua mala e saiu porta afora. Marilyn ficou ali no sofá, triste e ensimesmada em seus pensamentos.
 
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Alex estacionou o carro no subsolo do prédio onde ficava a agência Advertising agency award, pegou sua câmera fotográfica e atravessou a rua se postando bem em frente ao prédio do outro lado da avenida, esperando a saída ou a entrada do carro de David.
 
Embora com apenas 35 anos de idade e somente quatro deles no ramo dos detetives particulares, Alex tinha grande experiência em ficar à espera, à espreita de alguém. Servindo por cinco anos no exército, ele tinha como função montar guarda em uma guarita sempre atento a tudo que acontecia em seu raio de visão. Poderia ter seguido a carreira militar, porém fora expulso aos vinte e um anos por constante insubordinação e agressão grave ao seu superior.
 
Desde que fora expulso, ele ficara sem um foco na vida, pois gostava do que fazia. Alex era o filho caçula do empresário Gianinne, uma família que atuava no mercado madeireiro, mas ele nunca se interessara pelos negócios da família. Diferentemente de seu irmão mais velho, que era deputado e tinha um escritório de advocacia, Alex gostava de bons carros, festa, bebedeira e mulheres e fazia dos prazeres da vida sua ocupação favorita - o que o levava sempre a se meter em confusão. Assim foi até que seu velho pai lhe deu o ultimato: ou cursava uma boa faculdade ou iria ter que trabalhar gerenciando uma das suas lojas. Alex optou por cursar direito e foi nessa época que ele montou a agência de investigação particular que lhe rendera muitos bons lucros. Assim, finalmente, ele se estabilizou e deixou de fazer aquelas loucuras todas que antes gostava tanto.
 
Nesta nova ocupação, ele conhecera muitas pessoas influentes, e o fato de agora desconhecer seu contratante o deixava intrigado, especialmente por que parecia saber muito sobre ele já que o localizara até em suas férias. Agora ali estava ele, em frente a um prédio em plena Avenida Paulista fazendo um escrutínio inicial de David para seu enigmático cliente.
 
Sentado no balcão de uma lanchonete de forma bem estratégia, Alex tomava um suco silvestre sem tirar a atenção do edifício. Ele já ia virar o último gole do suco quando viu a Mercedes de David entrar na garagem do prédio. Deixando o valor de sua despesa sobre o balcão, ele saiu para a avenida e enquanto caminhava, ligou para o escritório.
 
- Falcão investigação particular. Jade, boa tarde.
 
- Boa tarde, Jade, é o Alex, o Amaral está por ai?
 
- Boa tarde, doutor, o Amaral foi almoçar, é urgente?
 
- Sim, tente localizá-lo e passe a ele as seguintes coordenadas. Anote aí. O endereço é Av. Paulista, 540, o veículo que ele deve seguir é uma Mercedes cor preta, a placa é Bravo, Tango, Zebra 4012. Diga que deve ser dado o tratamento VIP, ele vai entender, assim que ele tiver um bom material, leve lá no meu apartamento a qualquer hora da noite.
 
- Ok, doutor, vou tentar localizá-lo.
 
- Tentar, não, Jade, localize-o mesmo, pois eu preciso desse material para ontem.
 
- Está bem, doutor.
 
- Alex voltou para a garagem do prédio onde havia estacionado o carro bem próximo da vaga de David e, fingindo guardar algo no porta-malas, discretamente colocou um rastreador na Mercedes. Parado dentro do carro, um pensamento surgiu, de repente e ele ficou abismado como ainda não tinha pensando naquilo. Tão simples e tão óbvio que ele ficou até sem graça pela demora em adivinhar quem era o seu cliente misterioso. Claro que só podia ser a esposa traída! E agora sabia quem era ela. Saiu do edifício e foi para o endereço onde ficava a academia de Marilyn.

 
 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 18/05/2019
Reeditado em 28/05/2019
Código do texto: T6650139
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