ASPIRINAS FUTEBOL CLUBE

TRECHO DO LIVRO: O AVESSO DO CAMISA SETE

20 de maio de 1984

Uma das crianças está tossindo no quarto. A mãe não quer atendê-lo. Caso eu a visse no corredor ficaria mais tranquilo. No entanto saio do apartamento e no calçadão de Copacabana, eu me deslumbro com uma sensação de antiguidade surgida a partir das mulheres. Na final da Copa do mundo de 1970 as mulheres usavam perucas mais escuras, tinham longos cílios postiços e fumavam enquanto circulavam pela área.

Volto ao escritório e penso em futebóis. Tal retiro delimita o meu mundo.

- Existe o sofá-cama, a escrivaninha, a estante. O pôster do time do Botafogo é ponto cardeal e assim imagino o resto do mundo. O resto do mundo apresenta a peça de teatro. Pagamos pela forma falsificada das cenas, pelas expectativas, embora apenas no teatro do futebol, as expectativas nem sempre sejam válidas.

- Nesta privação, a fraca seleção de futebol dos Estados Unidos ganhou de um a zero da seleção da Inglaterra na copa de 1950.

Meu pai assistiu a final no Maracanã daquela copa e também a decisão do Mundial de Clubes em 1963. Leu as manchetes:

- Santos é campeão! Pepe faz dois gols!.

Não havia caraminholas no time do Santos daquele tempo. Seguia-se apenas aquele ataque fulminante: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

27 de maio de 1984

Há sete dias não volto a este diário. Um dos bagrinhos recomeçou a tossir. Isto me perturba. Procuro o mesmo xarope da semana passada.. O menino gosta da preocupação e tosse ainda mais tísico. Por certo acredita estar diante do seu próprio pai protetor. Dou o xarope amarelo, quente, único; um troféu.

Lembro-me de uma lista de remédios preparados por mim para uma outra Marisa: um dia ela foi a adorada recente namorada. Mal me recordo do nosso namoro, mas a lista de remédios – julguei os remédios essenciais para o sucesso de um relacionamento - sai naturalmente como a escalação de jogadores antes de um torneio mundial de futebol. Eu deveria mostrar a lista amorosamente:

- “Ascaridinil” contra vermes. Eu quero protegê-la dos sanguessugas. “Arovit” possuía vitamina A. “Sepurin” para quem precisa de um antisséptico das vias urinárias; deixa a urina um pouco esverdeada.” Lidospirin” é uma solução otológica. “Apracur” cura resfriados. Imosec também é indicado em diarreias. A lista não tinha uma ordem determinada; é estratégica. “Dexafenicol” trata conjuntivite.

Ao mostrar a seleção, ela achou uma doçura. Riu da minha preocupação. Aquilo foi uma declaração de amor e também uma escalação para o jogo conjugal planejado por mim. Ele se estenderia imbatível e sem doenças. Lembro-me ainda:

Leiba” também para diarreia. “Deltacid” acaba com lêndeas/ piolhos que atacarão nossos filhos na futura escola. No meio do namoro penso em incluir um calmante chamado “Valix”.

- O último remédio é o “Trofodermin”, trata micoses.

- Penso no final, o contato sexual cria fungos excêntricos, iscas, mas para dores apenas a “aspirina” saberia bater pênaltis.

“Os pênaltis da Aspirina” é um bom título. Uma crônica para jogadores com enxaqueca de futebol.

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 15/05/2019
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T6647432
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