de outra noite daquelas
"As chances estão contra nós, meu amigo," ele disse sorrindo, enquanto internamente eu me lamentava, segurando o que me prometera ser o último cigarro antes de ir dormir. "Sempre." Terminou, e eu já estava mentindo a mim mesmo.
Respirei fundo. "Escrevi uma página ontem, de alguma coisa que ainda não sei bem o que é," senti alguma relevância em minhas palavras.
"Como foi?"
"Bem cansativo," traguei o cigarro. "O lápis parecia pesado, e tinha que parar por quase uma hora a cada frase."
"O que aconteceu com a tecnologia?"
"Infestada de pornografia amadora."
Deveria ter me sentado ao bar. Sozinho. Com as exceções das companhias do copo e do garçom. Se há alguém mais cansado de minha vida do que eu, diria que esse alguém seria o próprio copo. Conversamos todo final de semana. Ele sabe de meus segredos e de meus sonhos, de minhas decisões e motivos. Mas estar aqui fora, com o ar poluído de fantasias e desejos íntimos vomitados evaporando a cada segundo, me parecia condizente com o meu estado atual. Isso não é sobre sentir pena de si mesmo, eu concluí em pensamento, observando os diversos grupos que me rodeavam. Isso é sobre se adequar à própria realidade. Cada indivíduo diferente carregava um copo de plástico com a mesma mistura dentro, sem gelo, mas derretendo a própria lucidez a cada gole. Isso é saber o próprio lugar, onde se deve estar. Eu sorria feito um bobo para qualquer interação com o sexo oposto. Queria me apaixonar novamente, como há sete anos, quando a história não tinha terminado--e também sequer começado. Na noite anterior eu queimei as páginas de um romance que começara há seis anos. O veneno já saiu, fico pensando. Noventa folhas de solidão. Agora passava cada final de semana à noite nesta espelunca de prazeres destrutivos e intermináveis rejeições para qualquer conversa que em minha cabeça poderia ser estimulante. Meu amigo murmurou alguma coisa, terminou seu drinque e foi à direção do bar. Bebíamos como se estivéssemos inseridos em um cenário pós-guerra. Sem rumo e esperança de achar o caminho. As bombas destruíram as ruas e cobriram todo o restante de poeira, coisa que sou alérgico. Depois que terminei meu cigarro cacei um espaço vazio por ali e me sentei no chão mesmo. Meu coração estava demasiado agitado, precisava descansar a bebida. Nossos jovens vomitavam nos cantos, nas árvores, e alguns outros casais se agarravam e se engoliam ao lado dessas cenas. Era uma peça formidável, e eu assistia a tudo, fazendo papel de figurante. Não queria nenhum protagonismo hoje. Ficar quieto em meu canto era o necessário. E nisso, mentalmente, eu tentava terminar de algum jeito aquela página que deixara em casa. Hemingway uma vez disse que o escritor só pode pensar em escrever enquanto estiver escrevendo. Que se foda, eu respondo. Isso é inevitável. E cadê meu veneno? Será se ainda tem mais dessa mistura horrível? Sentado, procurei as garrafas.
"Cláudio!" gritei o sujeito próximo a elas. "Me enche um copo aí, por favor."
"Toma, meu querido," ele me respondeu, se abaixando até mim com o copo cheio. "Estou ao seu dispor," ele sorriu.
"Assim eu fico gamado," e logo depois bebi. Talvez se eu estiver bêbado esquecerei aquela página, pensei lembrando da regra que me rebelei minutos atrás. Ficar embriagado é uma boa maneira de esquecer algumas coisas. Como nomes ou padrões estabelecidos pela sociedade, em sua maneira de agir ou falar. Estiquei minhas pernas e quando Alan voltou se sentou ao meu lado.
"No que está pensando?"
"Em ir embora," eu bebi depois de responder. "Já estou cansado dessa merda."
"Que isso, cara. Relaxa aí. Alguma coisa pode acontecer, não tenha pressa."
"Dê-me a certeza da morte, e eu fico até amanhã de manhã."
"A dúvida é tudo o que tenho."
"Justo," eu bebi uma outra vez, assentindo com minha cabeça. Um homem dançava do outro lado da rua e Renata beijava sua namorada na entrada do bar. Justo, eu sorri para elas, mesmo que não me vissem. Ergui-me o suficiente para tirar o box de Luckies vermelhos do bolso de trás da calça e pus um em minha boca.
"As chances estão contra nós, meu amigo," ele disse sorrindo, enquanto internamente eu me lamentava, segurando o que me prometera ser o último cigarro antes de ir dormir. "Sempre." Terminou, e eu já estava mentindo a mim mesmo.
Respirei fundo. "Escrevi uma página ontem, de alguma coisa que ainda não sei bem o que é," senti alguma relevância em minhas palavras.
"Como foi?"
"Bem cansativo," traguei o cigarro. "O lápis parecia pesado, e tinha que parar por quase uma hora a cada frase."
"O que aconteceu com a tecnologia?"
"Infestada de pornografia amadora."
Deveria ter me sentado ao bar. Sozinho. Com as exceções das companhias do copo e do garçom. Se há alguém mais cansado de minha vida do que eu, diria que esse alguém seria o próprio copo. Conversamos todo final de semana. Ele sabe de meus segredos e de meus sonhos, de minhas decisões e motivos. Mas estar aqui fora, com o ar poluído de fantasias e desejos íntimos vomitados evaporando a cada segundo, me parecia condizente com o meu estado atual. Isso não é sobre sentir pena de si mesmo, eu concluí em pensamento, observando os diversos grupos que me rodeavam. Isso é sobre se adequar à própria realidade. Cada indivíduo diferente carregava um copo de plástico com a mesma mistura dentro, sem gelo, mas derretendo a própria lucidez a cada gole. Isso é saber o próprio lugar, onde se deve estar. Eu sorria feito um bobo para qualquer interação com o sexo oposto. Queria me apaixonar novamente, como há sete anos, quando a história não tinha terminado--e também sequer começado. Na noite anterior eu queimei as páginas de um romance que começara há seis anos. O veneno já saiu, fico pensando. Noventa folhas de solidão. Agora passava cada final de semana à noite nesta espelunca de prazeres destrutivos e intermináveis rejeições para qualquer conversa que em minha cabeça poderia ser estimulante. Meu amigo murmurou alguma coisa, terminou seu drinque e foi à direção do bar. Bebíamos como se estivéssemos inseridos em um cenário pós-guerra. Sem rumo e esperança de achar o caminho. As bombas destruíram as ruas e cobriram todo o restante de poeira, coisa que sou alérgico. Depois que terminei meu cigarro cacei um espaço vazio por ali e me sentei no chão mesmo. Meu coração estava demasiado agitado, precisava descansar a bebida. Nossos jovens vomitavam nos cantos, nas árvores, e alguns outros casais se agarravam e se engoliam ao lado dessas cenas. Era uma peça formidável, e eu assistia a tudo, fazendo papel de figurante. Não queria nenhum protagonismo hoje. Ficar quieto em meu canto era o necessário. E nisso, mentalmente, eu tentava terminar de algum jeito aquela página que deixara em casa. Hemingway uma vez disse que o escritor só pode pensar em escrever enquanto estiver escrevendo. Que se foda, eu respondo. Isso é inevitável. E cadê meu veneno? Será se ainda tem mais dessa mistura horrível? Sentado, procurei as garrafas.
"Cláudio!" gritei o sujeito próximo a elas. "Me enche um copo aí, por favor."
"Toma, meu querido," ele me respondeu, se abaixando até mim com o copo cheio. "Estou ao seu dispor," ele sorriu.
"Assim eu fico gamado," e logo depois bebi. Talvez se eu estiver bêbado esquecerei aquela página, pensei lembrando da regra que me rebelei minutos atrás. Ficar embriagado é uma boa maneira de esquecer algumas coisas. Como nomes ou padrões estabelecidos pela sociedade, em sua maneira de agir ou falar. Estiquei minhas pernas e quando Alan voltou se sentou ao meu lado.
"No que está pensando?"
"Em ir embora," eu bebi depois de responder. "Já estou cansado dessa merda."
"Que isso, cara. Relaxa aí. Alguma coisa pode acontecer, não tenha pressa."
"Dê-me a certeza da morte, e eu fico até amanhã de manhã."
"A dúvida é tudo o que tenho."
"Justo," eu bebi uma outra vez, assentindo com minha cabeça. Um homem dançava do outro lado da rua e Renata beijava sua namorada na entrada do bar. Justo, eu sorri para elas, mesmo que não me vissem. Ergui-me o suficiente para tirar o box de Luckies vermelhos do bolso de trás da calça e pus um em minha boca.