Primeiras vezes

A cortina branca dançava com o vento. As sombras desenhando histórias nas paredes, usando a luz avermelhada como pincel. A música soava pela sala, acomodando o cheiro de café e shampoo que pairavam no ar, envolvendo o corpo da mulher esticado sobre o tapete.

Ela fitava as sombras no teto, seus dedos batucando o chão de madeira. Seu cabelo castanho desgrenhado ornava com o pijama velho e amarrotado, desnudando sua pele negra que era acariciada pelo vento.

Um gato de pelos castanhos se aninhava sobre o sofá, bagunçando ainda mais as roupas que estavam jogadas sobre ele. A música melancólica harmonizando com seu ronronar aconchegante e com o balançar das folhas das pequenas plantas espalhadas pela casa.

A mulher sorriu enquanto olhava para o jogo de sombras nas paredes, para imagens e memórias que eram contadas com perfeição pelos rabiscos da luz ensanguentada do pôr do sol, seus olhos saltitando sobre aquela bela paisagem que se formava.

A primeira troca de olhares em meio a uma multidão. O primeiro encontro cheio de piadas e bebidas ruins. O primeiro jantar à luz de velas com um macarrão frio. O primeiro beijo entre risos à baixo de chuva. A primeira noite sob a luz que tingia os lençóis de prata. O primeiro pedido de namoro no terraço depois de uma xícara de café.

A primeira bagunça após a primeira mudança. A primeira viagem em meia a uma tempestade. A primeira dança acalorada no café da manhã. A primeira briga seguida da primeira reconciliação. O primeiro pedido de casamento em frente à janela escura. O primeiro "sim".

A primeira noite não dormida após o primeiro filho. O primeiro passo após o soltar de mãos. A primeira palavra dita. O primeiro machucado. A primeira ida à escola. A primeira preocupação.

A primeira. A primeira de muitas vezes, de muitas memórias e momentos. Memórias aquelas que sempre estariam ali, que sempre estariam cravadas naquelas paredes e que nunca seriam levadas embora.

Lembranças essas que pertenciam somente àquele momento, naquele exato espaço de tempo e que possuíam um sentimento único e que nunca, nunca iriam voltar.

Memórias que sempre ficariam guardadas em uma fotografia amarelada em um álbum de família. Memórias que sempre trariam uma lágrima aos olhos e um sorriso nostálgico aos lábios quando fossem citadas.

Momentos que se foram e que apenas a lembrança era o suficiente para uma vida inteira. Sentimentos estes que sempre ficariam aconchegados ali.

Os olhos da mulher se fecharam, um sorriso dançando em seus lábios. Sua respiração se acalmou e seus pensamentos sincronizaram com o calmo ronronar do gato. As luzes da cidade escureceram enquanto a música se misturou ao ar.

A mulher dormiu o mais doce e melancólico sono que já tivera, embalada por sentimentos que certamente se aninhariam em suas memórias.