Segredos

Thaís abriu a porta de casa e encontrou um rapaz com uma jaqueta surrada sentado no sofá. O sujeito se levantou com um pulo assim que a viu.

- Eu já estava de saída. - Passando por ela com passos ligeiros.

Ela o observou abrir a porta e viu quando ele fez um gesto tocando dois dedos na testa como se quisesse dizer “a gente se esbarra”

- Amanda. - Chamou, deixando uma sacola branca no sofá.

Uma mulher um pouco mais baixa que ela apareceu. O cabelo preso em um “rabo de cavalo” alto, seus olhos tinham cores diferentes; um era azul e o outro verde.

- O que foi?

- Eu já não te pedi para não trazer essas pessoas aqui?

- Desculpe, não vai mais acontecer.

- O que ele fazia aqui? - Olhando rapidamente para a porta.

- Nada, só veio me encher. - Se aproximando do sofá onde estava a sacola.

- E os outros?

- Apenas amigos. Qual é, não posso trazer amigos aqui?

- Não esse tipo.

- Que tipo? - Franzindo a testa.

- Você me entendeu.

- Você já vai começar a brigar?

- Eu conheço esse sujeito.

- E de onde?

- Ele é um drogado. Já o vi injetando drogas jogado na rua.

- Ele têm problemas, mas está tentando ficar limpo. - Se aproximando e envolvendo seus braços ao redor do pescoço dela. - Qual é, não vamos brigar por causa dele. - Beijando-a rapidamente.

Thaís ainda parecia aborrecida.

- Só não traga mais ele aqui.

- Tudo bem, capitã. - Fazendo uma continência debochada. - Agora desfaz essa cara e me dá um beijo.

Thaís abriu um pequeno sorriso e a puxou pela cintura, colando seu corpo ao dela, e a beijou.

- O que tem na sacola?

- Aquela blusa que você gostou.

Amanda pegou a sacola com um movimento ligeiro e puxou a blusa, estendendo-a na frente dos seus olhos. A blusa de cetim cor vinho, tinha as mangas longas com punhos de elástico e detalhes em renda nos ombros.

- Você é uma graça. - Disse Amanda, colocando a blusa sobre o sofá e beijando-a mais uma vez.

- Gostou da surpresa? - Colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.

- É claro que sim. Acho que vou usá-la hoje a noite.

- E posso saber aonde você vai?

- Hoje é terça-feira, se lembra?

- Claro, hoje você vai sair para Deus sabe lá onde. - Se afastando.

- Não fale assim, eu já te disse, vou em um barzinho com alguns amigos.

- E por que você nunca me diz onde é esse bar?

- Porque a gente sempre muda. Hoje em um, semana que vem em outro.

- E hoje vai ser onde?

- Ainda não sei, a Mika ficou de me passar o endereço. Agora eu tenho que terminar de me arrumar.

Amanda tentou beijá-la, mas ela virou o rosto.

- Você está sendo injusta, é só uma reuniãozinha de amigos, nada demais.

Amanda a olhou por um instante e se afastou. Thaís encarou a parede, seu olhar parecia perdido, em seguida desabou sobre o sofá, soltando uma curta bufada.

***

Thaís dormir no sofá quando sentiu alguém beijar seus lábios, fazendo-a acordar assustada.

- Você dormiu no sofá.

A luz da lua iluminava fracamente seu rosto.

- Que horas são? - Se sentando.

- Três da manhã.

- Você chegou agora?

Ela assentiu.

- Vamos para a cama. - Disse Amanda, estendendo a mão em sua direção.

Thaís segurou sua mão e a seguiu até o quarto. Amanda jogou o celular sobre a cama e entrou no banheiro. Thaís olhou do aparelho para a porta fechada e o pegou. Um número desconhecido havia mandado mensagem. “Saiu sem se despedir de mim?” Quem diria que você ia ficar na coleira” “KKKKKKKKK”

Escutou o barulho da maçaneta girando e jogou o aparelho na cama, se enfiando embaixo das cobertas logo em seguida e deitando-se de costas para o banheiro. Amanda colocou o celular sobre a escrivaninha, dois porta-retratos com fotos das duas juntas, um porta lápis e um notebook fechado eram as únicas coisas ali, e se deitou ao seu lado, colocando o braço em volta da sua cintura. Thaís entrelaçou seus dedos aos dela e encarou a parede, pensativa.

***

Thaís já não estava mais na cama quando ela acordou. Calçou um par de chinelos e deixou o quarto. A casa estava completamente silenciosa. Passou pela sala vazia e seguia até a cozinha. Um bilhete estava preso com um imã na porta da geladeira. Amanda tiou o imã e o pegou. “Volto às dez”.

Olhou para o relógio pendurado na parede. Faltava apenas cinco minutos para as dez. Colocou o bilhete de volta no lugar e abriu a geladeira, pegando uma caixa de leite. Pegou um copo de dentro do armário e o encheu até a metade, esquentando-o no microondas.

Misturou um pouco de nescau no leito e colocou uma fatia de presunto e outra de mussarela entre duas fatias de pão de forma e se sentou. A porta foi aberta e Thaís adentrou, colocando a bolsa sobre o sofá, e seguiu até a cozinha. Pegou uma xícara e a encheu com café.

- Onde você estava? - Perguntou Amanda, levando o pão até a boca.

- Fui levar um cliente para ver um apartamento.

- E?

- E o quê?

- Conseguiu fechar a compra?

- Consegui.

Silêncio. Thaís colocou a xícara sobre a mesa e a encarou.

- Por que está me olhando desse jeito? - Abrindo um ligeiro sorriso.

- Eu adoro os seus olhos.

- Eu sei. Passei a gostar deles também depois que te conheci.

- Seus olhos são lindos, não sei porquê usava lentes.

- Não gostava da forma que as pessoas me encaravam.

- Tudo o que é diferente incomoda.

- E era exatamente por isso que as usava.

- Mas ser diferente é bom. - Levando a xícara até a boca.

- Não quando te olham como se você fosse um extraterrestre. Não é tão fácil ignorar isso.

- Eu sei. - Abrindo um ligeiro sorriso.

Algumas batidas na porta ecoaram e Thaís se levantou. A abriu e o mesmo sujeito que viu sentando na sala surgiu na sua frente. Deu-lhes as costas.

- É para você. - Seguindo em direção ao quarto com cara de poucos amigos.

Ela fechou a porta do quarto e escutou Amanda dizer “eu já não falei para você não aparecer aqui.” Tentou escutar o resto da conversa, mas ouvia apenas sussurros indecífráveis. Se sentou na cama, encarando o chão.

Amanda apareceu poucos minutos depois.

- Eu não sei o que deu nele, eu já pedi para ele não vir mais aqui.

- Me fale a verdade. - Encarando seus olhos.

- Não estou te entendendo.

- Me fale a verdade.

- Que verdade? - Pausa. - Se acha que eu tenho alguma coisa com aquele rapaz você está precisando de uma camisa de força.

- O que você realmente faz na terça-feira a noite? - Se levantando.

- Essa história de novo não.

- Essa história de novo sim. - Segurando-a pelo braço.

- Me solta. - Se desvencilhando com um puxão. - Se não acredita em mim o problema é seu.

- Eu sei que você está mentindo, eu fiz vista grossa esse tempo todo, mas agora eu quero saber a verdade. - Seus olhos se encheram de lágrimas.

Eu não tenho nada para te contar, sabe por quê? - Aproximando seu rosto do dela. - Porque tudo o que eu falei é a verdade, não sei o que mais você quer de mim.

Silêncio. Elas se encararam, o olhar de Amanda era duro e um tanto frio.

- Eu estou indo embora. - Disse Thaís, se afastando.

- O quê? Você quer jogar todo esse tempo que passamos juntas no lixo por causa de uma cisma tua?

- Não é paranóia e pare de me chamar de louca.

- Eu não te chamei, é você quem está falando.

- Não se faça de cínica.

- E você vai para onde? - Perguntou Amanda, após um ligeiro silêncio.

- Algum hotel, ainda não sei.

- Eu não quero que as coisa acabem assim. - Desviando o olhar para o chão.

- Então me conte a verdade. - Segurando em suas mãos.

Amanda puxou as mãos.

- Essa é a verdade. - Seguindo até o banheiro.

Ela olhou para a porta fechada e desabou aos pés da cama.

***

Thaís seguia sozinha até o hotel onde estava hospedada. A lua crescente observava casa passo dado por ela. Algumas poucas pessoas circulavam pelas ruas. Ouviu passos se aproximando atrás dela e em seguida sua cabeça foi coberta por um capuz preto. Thaís tentou se livrar, mas um rapaz a agarrou por trás , impedindo qualquer movimento. Seus punhos foram presos com uma abraçadeira de nylon e em seguida foi jogada no banco de trás de um carro.

- Não tente nenhuma gracinha. - Disse um rapaz com um cicatriz na testa, encostando a lâmina do canivete no seu pescoço. - Vamos logo. - Disse para o parceiro ao volante.

O som de música eletrônica alta invadiu seus ouvidos quando o carro parou. O rapaz com a cicatriz na testa a puxou para fora e tirou o capuz, escoltando-a para dentro de um prédio pintado em um tom de marrom avermelhado.

O barulho ali dentro era insuportável e a cada passo seus ombros se chocavam no corpo de alguém. O lugar estava apinhado de gente em todos os lugares que olhava. O cheiro de álcool e outras drogas se misturavam a diferentes tipos de perfume e suor.

O rapaz com a cicatriz na testa a puxou, abrigando-a a acelerar os passos.e passaram por uma porta, seguindo por um corredor estreito que terminava em mais uma porta. O rapaz com a cicatriz na testa abriu a porta e Thaís olhou para o outro sujeito. Seus olhos tinham um tom de dourado estranho.

Uma mesa retangular e uma cedeira com o encosto alto de costas para a porta, eram os únicos móveis do lugar. O som da música era baixo ali dentro. A cadeira foi girada e Amanda apareceu com um meio sorriso. O maxilar de Thaís se enrijeceu.

- Você não queria saber o que eu fazia nas terças-feiras. Pois bem. - Se levantando. - Essa é minha vida.

Silêncio.

- Fale alguma coisa, você não queria saber a verdade? A verdade é que sua namorada é uma traficante de drogas.

- Eu sei.

- Isso é tudo o que você tem para me dizer? - Apoiando as mãos sobre a mesa.

O som de tiros ecoaram do lado de fora.

- O que está acontecendo?

- Eu vou ver. - Disse o rapaz com a cicatriz na testa.

Ele retornou poucos instantes depois, inquieto.

- “Sujo”. A polícia invadiu. A gente tem que se mandar daqui agora.

O rapaz de olhos dourados estranhos correu até um dos cantos da sala e se ajoelhou, puxando um alçapão. Thaís o olhou por um instante.

- Você armou para mim? Você é uma deles? - A decepção era visível em seus olhos. - Meu Deus, como eu fui idiota.

- A gente tem que sair daqui agora! - Em frente do alçapão.

Mas antes que pudesse fugir três policiais invadiram a sala, segurando armas de grosso calibre.

- Todo mundo “pro” chão. “Pro” chão, agora. Mão na cabeça todo mundo.

Os três se ajoelharam e os policiais se aproximaram. Amanda não tirava os olhos dela enquanto era algemada.

- Eu confiei em você. Te deixei entrar na minha vida. Eu confiei em você!

Thaís não conseguiu olhar enquanto a escoltavam para fora do lugar.

- Bom trabalho. - Disse o policial que mandou todos ficarem no chão, colocando a mão em seu ombro.

Thaís olhou para a cadeira vazia e deixou a sala.

***

- Mandou me chamar? - Disse Thaís, ao adentrar a sala.

Ela usava um terno feminino preto.

- É claro. - Com ar saudosista. - A melhor agente infiltrada.

Thaís abriu um pequeno sorriso e se sentou.

- Graças ao seu trabalho toda a quadrilha caiu. Você tem ideia da quantidade de drogas que ajudou a tirar das ruas?

- Tenho sim, senhor.

- Eles vão pegar tantos anos de cana que quando saírem já vão ter perdido todos os dentes. - Sorridente.

- É o meu trabalho. - Sem olhá-lo.

- Você não parece muito feliz.

- É só cansaço.

- Espero que não tenha se apegado àquela garota. Você é melhor do que isso, Thaís.

- Não, senhor.

- Pode ir e aproveite os seus dias de folga.

- Obrigada. - Se levantando.

***

Uma leve brisa entrava pela janela da sala, sacudindo a cortina em um ritmo monótono. O sol havia se escondido fazia horas. Thaís olhou ao redor, fazia meses que não entrava na própria casa. Olhou para a televisão, desligada, presa em um suporte na parede, observou seu reflexo por um instante e pegou um porta-retratos que pegou na casa onde morava com Amanda antes da polícia chegar.

Passou o dedo pelo rosto dela. Não fazia parte da sua tarefa se apaixonar e isso a estava destruindo por dentro. Várias vezes havia pensado em revelar quem ela era e fugir com Amanda para longe, no entanto sabia que eles as encontraria.

Colocou o porta-retrato de volta na mesinha de centro e levou a mão até a cabeça. As lembranças pipocavam. Se lembrou de quando Amanda derramou uma xícara de café quente em sua perna e a forma como ela riu quando tirou desesperadamente as calças. Abriu um pequeno sorriso entristecido.

Olhou para a arma prata ao seu lado no sofá, um silenciador comprido estava preso ao cano. As lágrimas queimavam no fundo de sua garganta. Pegou a arma em mãos e a encarou. “O maior trabalho da sua vida te destruiu”, pensou.

Pegou o porta-retrato mais uma vez e engatilhou a arma.

- Desculpe.

Disparou em seu próprio peito. Seu corpo tombou de lado e o porta-retrato caiu de sua mão, estilhaçando o vidro

Alice Moraes
Enviado por Alice Moraes em 03/05/2019
Código do texto: T6638414
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