Um amor entre uma Rocha e um Lírio

FABULA ROCHA E LÍRIO

Era uma vez há muito tempo atrás, antes das pessoas irem morar nos lugares mais distantes que habitavam vários tipos de seres vivos.

Entre eles, num deserto sem nada a sua volta habitava uma Rocha, ela ficava praticamente sozinha, hoje não tinha muito que ser ver ao seu redor. Ela estava naquele lugar já fazia muito e muito tempo. O deserto era tão grande, mais tão grande que podia caber uma cidade inteira nele, e mesmo assim sobraria espaço em volta. Em outros tempos mais antigos nesse mesmo deserto moravam vários tipos de seres vivos, quando o lugar ainda tinha um pouco de água estes pequenos grupos viviam ali, e mesmo com o grande calor que fazia no lugar ainda gostavam do morar lá. Dona Rocha era amiga de uma família de cactos, aquelas plantas sem folhas cheias de espinhos, era uma família muito amiga da Rocha, tinham suas raízes plantadas bem próximas de onde ela estava e gostavam muito de conversar com ela, que contava como era aquele lugar antes mesmo de quase todos os animais irem morar naquela região, ela estava lá já fazia muito tempo e tinha visto muita coisa, viu rebanhos inteiros de animais chegando e indo embora, plantas nascendo e morrendo, ou pelo ciclo natural ou mesmo pela falta constante de chuvas.

Rocha também ouvia muitas histórias dos outros que viam de outros lugares que às vezes só estavam de passagem pelo grande deserto, diziam eles que mais adiante, além dos grandes rochedos que se via ao norte tinha um vale, é para lá que muitos iam e nunca voltavam. Rocha olhava adiante, enxergava as grandes montanhas, e um dia, quando estava completamente sozinha e já passado muito tempo desde que seus amigos cactos se foram, foi enxergando ao longo das montanhas o que parecia uma fenda entre as elas. Esta não dava para outra montanha como era de costume, ao longe vinha uma luz, que Rocha ficou inquieta pensando no que poderia ter além daquele grande deserto, ficava pensando em sua vida, naquele lugar que morava fazia muito tempo e se perguntava de ora em ora se algum dia haveria alguma possibilidade de ela sair daquele lugar.

Passando o grande deserto realmente havia um precipício, muito profundo e neste tinha um pequeno rio que corria entre uma parede e outra. Lá a natureza começava a brotar, desde os menores seres vivos, como limos que se formavam com a umidade do lugar, vários arbustos e até grandes árvores em crescimento que nasciam nas largas paredes do precipício, tudo recheado de um verde claro até chegar do outro lado.

E neste lado que Rocha nunca nem ouviu falar havia um campo aberto e cheio de vida, toda uma concentração de espécies viviam nele, as chuvas que não caiam no deserto nesta região eram abundantes e o sol também era generoso, o clima contribuía para uma flora extensa cheia de alegria, onde os campos de flores ocupavam a maior parte.

Entre estas milhares de flores era que habitava uma em especial, o Lírio, lindo, um dos primeiros a aparecer de sua espécie, entre várias e várias que viviam lá ele se destacava por sua beleza, mais que todos os outros, Lírio era radiante, nos dias de sol o brilho de suas pétalas brancas ofuscava até mesmo os olhos das aves que sobrevoavam o céu acima, além de sua beleza Lírio era conhecido por sua insistência em querer viver. As outras várias famílias de plantas eram em geral muito numerosas e de cada tipo havia muitas, de algumas tinham até variações, das rosas saiam os mais variados tons, laranja, roxo, amarelo, e algumas até mais raras como a rosa azul, que refletia muito bela com a cor do céu, também as tulipas eram de grande quantidade, e mais que todas eram predominantes as flores do campo, não muito altas, eram as que mais cobriam o grande campo aberto. Não havia muitas árvores de grande porte, apenas ao longe contornando o campo avistava-se uma grande floresta de árvores muito altas em toda a sua volta. Lírio era único, um único ramo de flores preenchia um pequeno pedaço de uma terra muito boa e firme, ele era jovem e não tinha muita experiência de vida, porém com sua esperteza e beleza acima do normal fez-se tomar respeito, até as outras flores gostavam muito dele, de sua presença no local, sempre estava interessado a tudo que tinha a sua volta, quando algumas abelhas de distantes lugares vinham para o campo colher o maravilhoso pólem das flores ele perguntava o que tinha além do campo, as abelhas não conseguiam responder muito bem, todas que vinham até lá vinham por extinto e não entendiam direito as perguntas de Lírio. Mesmo assim sempre com o pouco de informações que conseguia já se sentia satisfeito.

Os dois vivendo suas vidas, uma Rocha e um Lírio, que mesmo estando em situações muito diferentes ainda podiam ter o mesmo sentimento, o de no fundo ter uma pequena dúvida sobre como levavam suas vidas. Não é normal para pedras e flores terem este tipo de pensamento. Ímpares eles imaginavam como seria o mundo ao seu redor, Lírio imaginava o que poderia ter abaixo do vale, sabia que tinha mais diversidade de vidas lá embaixo, e do outro lado não tinha nem ideia do que poderia existir, Rocha que sabia que avistava a cadeia de montanhas e há pouco tinha descoberto a fenda que exalava raios de sol também queria imaginar o que poderia ter do outro lado.

– Será que seria tudo um grande deserto? – Se perguntava ela? Eles pensavam igual, mesmo com suas vidas boas, Lírio com uma variedade imensa de vida a sua volta ainda se sentia sozinha, e Rocha que já estava naquele lugar fazia muito tempo e tinha visto de tudo também se sentia só, cansou de ficar sozinha. Mas ambos não podiam fazer nada em questão, suas vidas dependiam de outros fatores, o poder da natureza era que fazia o destino de cada um.

E depois de muito tempo os dois pensando isso e algumas mudanças ocorrendo que aconteceu algo. Naquela época os ventos estavam ficando cada vez mais fortes, no campo onde sempre havia muito sol e pequenas chuvas tropicais agora elas estavam caindo cada vez mais fortes e os ventos vindo cada vez com mais frequência, onde a Rocha estava no deserto percebia que as areias também estavam mudando de curso muito rapidamente, houve até um tempo que Rocha chegou a ser esquecida enterrada por uma duna de areia que se formou em cima dela, mesmo assim continuou vivendo e passando por vários obstáculos, estava enterrada muito firme onde estava, assim como Lírio, apesar de sua aparência frágil suas raízes eram muito profundas e também em tempos difíceis conseguiu manter-se forte.

Porém numa noite, em que os ventos já não davam descanso há vários dias. Lírio observava que algumas flores já tinham sido arrancadas da terra e levadas para longe, a chuva que era fina agora estava mais grossa e os pingos que chegavam com força a terra machucavam muitas flores frágeis, a maioria estava com suas pétalas fechadas e cravavam suas raízes na terra o mais forte que podiam, todos falavam com temor o que podia acontecer.

A tempestade se aproximava. Até Rocha do outro lado do vale observava atenta o que estava acontecendo, na fenda onde avistava os raios de sol agora se via uma escuridão, aos poucos também foi ouvindo o barulho do vendo chegando, as areias se movimentando muito rapidamente, e logo em seguida, mesmo no deserto onde quase nunca chovia começou a cair pequenos pingos do céu, as nuvens vindos do outro lado do vale se aproximavam e a esta hora já estavam bem acima do deserto cobrindo parte dele, e desta vez não era só gotas de chuva que caiam, por causa da diferença de temperatura agora formavam-se pedras de gelo, que caiam com muita força na areia. Num fenômeno desconhecido para todos começaram os trovões e raios, no campo o barulho mais assustava as flores que o próprio raio, as poucas que sobravam se fechavam e tentavam ficar unidas o máximo que podiam, quando caia um raio no chão a sua volta não sobrava nada, quando Rocha começou a também ouvir os trovões se perguntou o que era aquilo, uma grande tempestade assolava aquela região que durante muito tempo viveu em paz.

Foi numa grande rajada de ventos que Lírio se desprendeu da terra! As poucas flores que resistiam no lugar não acreditavam o que estavam vendo, Lírio, uma das mais fortes das espécies das flores estava indo embora, talvez até morresse, estava tudo escuro e no meio da tempestade não se podia distinguir o que se via a sua frente, durante um bom tempo Lírio que foi arrancada com suas raízes e apenas algumas folhas e flores a vista ficou vagando no meio dos redemoinhos de vento que se formavam durante toda noite. Enquanto isso Rocha também se segurava firme, não podia acreditar quanta chuva caia no deserto, e aqueles trovões, estavam mais intensos, e os raios mais fortes ainda, há pouco tinha visto um raio cair ao seu lado e fazer uma enorme cratera no meio da areia, e foi em um destes raios, que caiu bem em cima da própria Rocha, que grande parte dela, um pequeno pedaço de um metro mais ou menos se desprendeu. A Rocha rachou! E a parte dela que saiu com vida foi a que se desprendeu das areias profundas, este pequeno pedaço começou a rolar, até com a ajuda das próprias areias, que viveram muito com a Rocha a ajudavam a se locomover e a ir a outros lugares, a esta hora sentia que era hora de sair daquele deserto em que tanto viveu e amou.

Depois da noite mais longa de todas. A que a tempestade foi mais forte e que conseguiu até desprender os dois de suas terras o sol começava a raiar, no início seus raios começaram a aparecer timidamente aos poucos e ainda fracos, algumas nuvens ainda estavam acima de todos e eles ainda tinham medo do que poderia vir a acontecer. O campo estava devastado, as flores tinham praticamente sumido, os que sobraram foram algumas pequenas árvores mais fortes, não tinham tanta altura, porém seus troncos eram grossos e fortes a ponto que algumas conseguiram suportar tudo que tinha acontecido, e no deserto este que era sempre vazio agora estava mais desolado ainda, o pouco que sobrou da Rocha ficou no mesmo lugar, mas desta vez este não tinha vida, era só um pedaço de pedra, as areias continuavam inquietas, foram elas que ajudaram Rocha a sair de lá e fugir da tempestade, elas sem querer levaram Rocha exatamente a fenda que sempre avistava.

Rocha tinha voltado à consciência, estava à beira do precipício, bem na ponta beirando para baixo, olhou a sua volta e finalmente descobriu o que tinha naquele lugar, uma variedade de vários tons de verde, muitos tipos de plantas, das quais Rocha nem sabia que existia, nas encostas brotavam pequenas árvores que se curvavam para baixo em direção ao rio que se formava, antes este rio era pequeno, e depois das grandes chuvas que afetaram o lugar agora ele estava profundo e suas águas corriam forte em direção ao leste. Rocha ficou intrigada com o que estava vendo, era tudo muito belo a sua volta, se maravilhou com o lugar. Também ao longe do outro lado viu o campo já devastado pela tempestade. Viu que tudo era muito diferente de onde ficou a vida inteira.

Lírio também já se dava conta dos fenômenos que tinham acontecido na noite anterior, também não estava no campo, foi levado longe, exatamente no precipício, só que não estava em cima como a Rocha, com todos os ventos, Lírio acabou caindo abismo abaixo, não chegava a estar perto do rio, estava um pouco acima, em uma ruptura na parede que descia do campo. Avistava acima as duas extremidades, o buraco tinha cinquenta metros de um lado a outro, e suas laterais desciam mais cem para baixo. Lírio via ainda alguns fios d’água que desciam rumo ao interior do lugar, parece que lá tinha muita coisa entre elas e acabou avistando Rocha. Estava quase caindo na outra extremidade. Enquanto isso ela ainda estava maravilhada com a paisagem abaixo, olhava aquele rio correndo, observava com atenção toda aquela novidade, uma hora viu algo brilhando, chamou sua atenção, era alguma planta, de um branco incomum, refletiam com os poucos raios que desciam tão abaixo, nem aquela cor tinha visto, ficou durante muito tempo olhando pensando o que poderia ser, dificilmente tinha visto muitos tipos de plantas e verdes, e aquela parecia que tinha algo de especial, ficou com vontade de ir até aquele lugar abaixo. Lírio estava até que seguro, junto com ele desceu muita lama que pararam um pouco adentro das grandes paredes do cânion formado em que estavam.

Falta Pouco.

Rocha se iniciou a tentar um movimento, sabia que ainda tinham muitos ventos e as águas ainda desciam, a chuva que de manhã tinha parado a noite começava a jorrar abaixo com força. Mesmo sendo uma Rocha, que podia ficar durante muito tempo no mesmo lugar e nunca se mexer agora não tinha mais essa vontade, estava decidida a fazer alguma coisa, queria chegar mais perto da vida que brilhava abaixo, sentir o rio batendo nela. E uma hora já no meio da madrugada e quase desistindo, foi que num grande esforço, com ajuda das chuvas, da terra e dos ventos que Rocha rolou abaixo, a descida era muito íngreme, algumas árvores e pedaços de troncos conseguiram amortecer a sua queda e ela não chegou com tanta força abaixo, ainda ficou num pedaço de terra que se erguia e formava uma pequena planície logo acima do rio, ela chegou tão cansada que não conseguiu ver a diferença de onde estava, lá embaixo estava muito escuro, mais do que em cima que era iluminado pelo luar e pelo céu, que nem estava estrelado, tinha muitas nuvens nele. E naquela final de noite adormeceu satisfeita.

No outro dia de manhã quando Lírio acordou, viu que novamente as águas se desprenderam dos céus e chegaram abaixo para dar força e vida ao rio abaixo e a todos os seres vivos que habitavam aquele lugar. Porém sentiu diferenças, quando suas pétalas começaram a abrir uma por uma e assim ela enxergava melhor ao seu redor que viu praticamente em sua direção e altura um pedaço de terra que provavelmente tinha se desprendido de cima, e nela olhou com atenção, era realmente espetacular o que estava praticamente a sua frente, também nunca tinha visto nada parecido no campo em que morava antes, era de um tom cinzento, grande e de certa forma até intimidadora. Isso lhe deu muita energia para abrir de uma só vez suas pétalas brancas, para captar o máximo dos tímidos raios de sol que pousavam na superfície do vale abaixo.

Mais perto ainda.

Quando Rocha também acordou, um pouco mais tarde que os outros, também teve noção do que tinha acontecido e que agora finalmente conseguiu chegar aonde queria, bom, depois de um tempo olhando a sua volta viu que não caiu exatamente onde queria, ela queria estar o máximo abaixo possível, porém neste lugar até tinha uma visão privilegiada de onde estava, o rio corria logo abaixo, conseguiu sentir seus pingos que batiam nas outras pedras abaixo e chegavam muito leves até ela. E ao prestar mais atenção a sua volta foi que conseguiu ver em mais detalhes o que tinha avistado quando ainda estava em cima.

Uau, como era linda, que flor maravilhosa, a mais bela de todas, agora seu brilho chegava a ofuscar o que tinha a sua volta, era realmente a mais bela entre as mais belas de todas as espécies. E o melhor, estava perto dela, os dois estavam praticamente na mesma altura, e também na mesma direção, não estavam a uma distância para se comunicarem ainda, mais depois de chegar tão perto, sabia que esta pequena distância seria facilmente alcançada. Lírio já olhava Rocha com admiração, começou a pensar também que podia chegar mais perto, também estava cansado daquele buraco, o monte de lama, começou a incomodar com a humidade e os musgos a sua volta, algumas de suas raízes até começavam a pender para fora. Foi igual quando a Rocha ainda estava lá em cima que Lírio também pensou a mesma coisa.

– Vou sair daqui! Quando começou a pensar isso e viu que seu destino seria ir para baixo, pois para o campo não queria mais voltar, nem que algum vento subisse até lá e levasse ele, viu que para baixo seria melhor, o rio não estava tão revoltado quando as chuvas caiam com muita força, também já não era um rio pequeno, agora era forte o suficiente, adquiriu mais respeito pela vida e nos últimos tempos aceitava alguns visitantes.

Desta vez não foi em apenas em uma noite que Rocha começou a se desprender novamente de onde estava. Lírio também começou mais um movimento de tentar sair daquele lugar. Foram muitos e muitos dias com os dois tentando. Ambos se avistavam e sabiam que era seu destino se encontrarem. Mas este dia demorou a chegar, eles quase perderam as esperanças. Nas noites longas e escuras Rocha repensou todo seu passado, no deserto que viveu toda a sua vida, que já era velha e queria mudar de vez as coisas a sua volta. Lírio não tinha muita experiência de vida, ainda agradecia por estar vivo e ter passado pela tempestade, também pensava nas outras flores e no campo. – O que será que tinha acontecido? – E agora? – Será que vai mudar mais ainda?

Foi com este sentimento de esperança, Rocha e Lírio. Primeiro foi Rocha que sem esperar nada, apenas observando o que tinha a sua volta, o pequeno pedaço de terra em que estava começava a sofrer de uma erosão devido às chuvas que ainda caiam com pouca frequência, ela percebia que antes estava em um grande amontoado de lama e pequenas pedras, agora o lugar onde estava começava a se desprender em direção ao rio, dia a dia pequenos pedaços se desprendiam e se fundiam com o rio. Com isso pensou que um dia chegaria sua vez. Lírio por sua vez tinha desistido, conseguiu com suas raízes que as outras plantas não fossem até onde estava, o limo que se formava antes agora tinha sumido, a lama escorria para baixo. E Lírio continuava firme, agora já observava que o lugar que Rocha tinha caindo estava cada dia mais pendendo para baixo em direção ao rio, e se perguntava. – Quando será minha vez? – Quero sair daqui!

E assim eles tiveram paciência. Aos poucos Rocha foi caindo e Lírio apenas observando seus movimentos. Finalmente o pedaço de terra que Rocha estava se desprendeu de uma só vez. Na noite anterior tinha chovido e fios grossos de águas desciam com força ao rio. Foi um estrondo só. Rocha na hora ficou com medo de ser arrastada pelo rio. Mas ela era forte e pesada, não era tão fácil assim mover um pedaço de pedra. Quando tudo caiu de uma só vez Rocha se viu exatamente onde queria estar! Nas margens do Rio Órion. Com suas águas batendo em sua superfície. Chegou a limpar suas manchas de terra. O chão em que estava não era firme, parecia ser algo arenoso devido à umidade do rio.

– Finalmente! – Consegui!

E de lá ela olhou para cima, cercada pelas duas paredes que ser erguiam muito acima até conseguiu ver um pouco do céu com algumas nuvens. Todo aquele verde, o rio, tudo era maravilhoso para ela. Mas não estava totalmente feliz, na parede do lado direito via o brilho de Lírio. Estava feliz, mas nem tanto, queria estar mais perto da flor que avistava nos últimos tempos.

E também foi sem esperar nada que Lírio mais uma vez mudou seu rumo e conseguiu sair do lugar úmido e escuro em que estava. Foi durante o dia. Ventos fortes assolavam aquele vale, e foi lá de cima que uma minúscula pedra caiu, ao longo da descida foi acumulando diversos materiais; lama, restos de folhas, pequenos pedaços de madeira, quando chegou onde Lírio estava isto veio como uma avalanche empurrando tudo para baixo, inclusive Lírio, este viu todo aquele movimento e soltou suas raízes para poder se locomover com mais facilidade, também fechou suas pétalas e desejou a si próprio boa sorte, no meio daquele monte de entulho arrastada de cima Lírio pegou o embalo e também foi junto, foi muito doloroso para ele, suas pétalas eram frágeis e algumas chegaram a se desprender de suas flores, e quando viu que estava finalmente perto do rio que ficou em desespero, não sabia nadar, apenas suas pétalas boiariam na água e seria arrastado rio abaixo. No meio do desespero, sem conseguir enxergar nada a sua volta. Ele ia descendo conforme tudo vinha abaixo, e estava quase chegando às margens de Órion quando parou em algum lugar.

Eles se encontraram!

No exato instante Lírio não percebeu exatamente onde tinha parado e porque desta parada, visto que já estava indo em direção as fortes correntezas do rio. Quando se deu conta de si era a própria Rocha que a estava segurando para que não fosse mais longe. Eles se olharam, Rocha estava toda charmosa, tinha limpado seu exterior e até chegava a refletir um belo tom acinzentado, graças a ela Lírio tinha se salvado.

– É você! – Você quem me salvaste!

– Ó linda flor! Finalmente chegastes até mim!

– Dona Rocha, há muito tempo te observo de longe, e sempre pensava como seria você por perto.

– Pois pode não apenas olhar, mais sentir, sou eu que te seguro das correntezas do rio Órion que passa entre nós.

– Sempre imaginei que poderíamos nos encontrar, mas não deste jeito, desde longe quando te observava já reparava em sua força e intimidação. Agora posso provar que é tão forte quanto o próprio rio.

– Sou apenas forte para o que for preciso, e neste caso, é te manter seguro de qualquer outra coisa que possa vir a acontecer com você. – Fique ao meu lado.

– Há muito desejava isso, que nos encontrássemos. E agora estou feliz, mais feliz do que todos os tipos de vida que existem neste vale.

– Mesmo assim tome cuidado, eu te seguro, mas não controlo as forças da natureza que nos cercam. O próprio rio que antes era calmo agora anda revolto quando chove demais.

– É mesmo, desde aquela tempestade. Foi a mais terrível de todas, por causa dela que vim para aqui embaixo, antes vivia num campo cheio de flores.

– Coincidência ou não foi pela tempestade que também vim para aqui. Vejo que o destino fez sua parte. Aquela tempestade toda não foi à toa. Finalmente sai daquele deserto em que vivi durante muito e muito tempo.

– Então era um deserto que tinha do outro lado do vale? Sempre tive curiosidade para saber o que tinha naquele lugar.

– Não tinha muita coisa de interessante, dunas de areia estavam por todo o lugar, dificilmente alguma planta ou qualquer ser vivo conseguiria sobreviver lá.

– Não todas, apenas você conseguiu suportar toda seca e solidão que a rodeava.

– É mesmo, vivi durante muito tempo lá, e nisso observei rebanhos inteiros de animais passando pelas regiões mais áridas do deserto, algumas plantas também tentavam se estabelecer, porém era em vão, só algumas espécies de cactos conseguiam ficar lá.

– Você era realmente sozinha.

– E você Lírio, como era seu mundo?

– No campo em que habitava havia muitas lindas flores a minha volta, não era sozinho. Pelo menos é o que tinha a minha volta, não estava sozinho, porém estava tão solitário quanto você. As outras espécies de flores não me aceitavam. Pouco antes da tempestade vieram pensamentos de sair daquele lugar.

– É mesmo, antes da tempestade avistei uma fenda que dava para o outro lado onde você estava. E a partir daquele momento fiquei com muita vontade de sair de lá.

– Agradecemos a natureza. Ela quem nos criou e fez com que nós nos encontrássemos.

– Nunca em toda minha vida me senti tão seguro quanto estou aqui apoiado em você.

– Eu também, nunca mesmo em toda minha longa vida pensei em ter algo tão belo ao meu lado, encostado em mim.

– Apesar de você ser dura eu me sinto confortável aqui.

– Os pingos do rio refrescam e lavam suas majestosas pétalas. A cor mais bela de todas.

– Obrigado, é o seu tom cinza que faz com que eu fique ainda mais cheio de brilho.

Neste momento os dois finalmente viram que suas vidas mudaram de um modo que nenhum esperava. E isso aconteceu da forma mais natural possível.

Nas semanas seguintes os dois contaram toda a história de suas vidas, cada um ficava maravilhado com o que ouvia do outro. Em escutar histórias de outro mundo. E hoje estavam ali, em meio a um vale verde e fértil, onde com a tempestade tudo tinha mudado. Acima agora o deserto não era tão quente e muitos seres vivos passavam por ali. Inclusive um novo grupo de exploradores. Os homens descobriram o local e passavam com grandes caravanas cheias de pessoas rumo a paisagens ainda desconhecidas. No campo onde só havia flores agora estava crescendo árvores frutíferas de todos os tipos e tamanhos. Também os homens estavam chegando e começaram a plantar naquelas terras. Tudo havia mudado.

Antes o rio era pequeno, tinha pouca vida a sua volta. E depois de tudo o que aconteceu este agora era recheado de várias espécies. Até alguns peixes e micro-organismos começavam a crescer no rio. Em sua margem no terreno arenoso estava bem instalada dona Rocha, e em toda sua volta estava crescendo num ritmo muito acelerado Lírio, suas flores desabrochavam a cada dia, suas raízes contornavam Rocha e eles estavam cada vez mais unidos. Nas paredes que se erguiam acima onde tinha apenas terra agora começava a crescer novas árvores, arbustos e todo tipo de vegetação possível. O clima também ajudava, era tropical úmido, todas as plantas adoravam aquele calor, com algumas chuvas que caiam de ora em ora alimentando tudo por aonde chegava. Até veio a se formar pequenas quedas d’água que vinham onde era o campo até o rio. O lugar inteiro transformou-se para ser o nicho ecológico mais belo que existia naqueles tempos remotos. Havia todos os nutrientes necessários para que começasse a surgir cada vez mais vida naquele local. Também a temperatura e a falta de predadores e de condições adversas ajudavam na transformação.

– Vamos ficar juntos para sempre.

– Claro, vamos sim. Não passamos por tudo à toa. Tudo isso tinha que ter um propósito.

– Tudo aconteceu para que nos encontrássemos.

– E agora estamos aqui, neste lugar maravilhoso. Quero ficar aqui para sempre.

– E o melhor de tudo. É que vamos estar um do lado do outro.

– Eu te amo Rocha.

– Eu te amo Lírio.

Fim.

Pedro de Alcântara
Enviado por Pedro de Alcântara em 03/05/2019
Reeditado em 25/09/2020
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