Porta entreaberta
Entreaberta
Quando Elizabete saiu porta afora da minha casa, a vontade que eu tive foi pegar uma faca, abrir o meu peito e jogar o meu coração pela janela, a tempo dela poder vê-lo batendo à beira da calçada. Mas me contentei em enfiar a minha cabeça na lixeira e vomitar todo o vinho barato que havíamos tomado.
Ela voltou em tempo de me ver com lágrimas nos olhos e tossindo, meio engasgado e enjoado.
Me olhou da porta, também chorando, veio até mim e pegou pela mão.
Seguimos até o banheiro, e ela me deu um banho gelado que fez com que eu me sentisse melhor.
Depois sentou-se no vaso sanitário enquanto eu escovava os dentes.
Isso tudo já parecia quase normal. Agíamos no impulso na maior parte do tempo, e as vezes ela me agredia com palavras que eu preferia não ter no meu vocabulário. Nesses momentos eu me perguntava como havia me deixado chegar àquele ponto.
Não era só pelo sexo.
Apesar de o sexo ser fora do comum. Melhor do que qualquer outro.
Larguei a escova de dentes e olhei para Elisabete, que tinha o olhar preso no chão do banheiro. Como se estivesse tomada de vergonha.
- Você precisa parar com isso. – Eu lhe disse.
- Eu sei. Não entendo o que me acontece.
- É a bebida.
- Não é só isso.
- Tudo bem. A gente dá um jeito.
- Você quer dar um jeito?
- O que você acha?
- Eu acho que você está cansado de mim. Das minhas loucuras.
- Eu estou cansado de ver você ir embora sempre que brigamos, ou discordamos em alguma coisa. Parece que você não consegue encarar um diálogo. Eu estou cansado de ficar pensando se você vai voltar e se vou te ver de novo.
- Eu sei. Me desculpa.
- Olha Bete. Eu sei que as coisas são diferentes pra você Que tua vida é uma loucura. E que eu não posso te cobrar nada. Mas não sei se consigo ser o teu segundo plano por muito tempo.
- Não estou te pedindo isso.
- Mas porra. Você aparece aqui duas ou três vezes por semana. Nós transamos... dormimos juntos... e ai você vai embora.
- Você sabe que eu não posso te dar mais do que isso.
- Então acho que é melhor você voltar pro seu namorado. Não acho que tem como funcionar do jeito que estamos.
- Ok.
Ela sequer tirou os olhos do chão quando disse isso. Eu odiava os “Ok’s” dela. Por que eu sabia que não estava nada OK.
Deixei-a sozinha no banheiro e me sentei no sofá da sala.
Depois de um tempo ela saiu de lá e ficou me olhando, em pé, diante de mim.
- Você não tem mais nada pra dizer? - Perguntou-me.
- Não.
- Então eu vou.
- Acho que é melhor mesmo.
Ela juntou as coisas que tinha deixado em cima da mesa e tomou novamente o rumo da rua.
Dessa vez eu não pensei em rasgar o meu peito.
Por enquanto tudo estava sob controle.
Pelo menos, até que ela voltasse,... com a cara mais cínica do mundo, e nós recomeçássemos tudo de novo.
Como da primeira vez...
Mas quando estou sem ela, tenho uma sensação de um mergulho em apnéia. O fôlego sempre me falta quando ela está distante. E sufocado, espero que ela retorne pela porta do meu apartamento.
Porta que na dúvida, sempre deixo entreaberta.