Tenha coragem.

Diante de vos,

encontra-se os meus pensamentos mais insanos e,

também,

meus maiores delírios de amor.

CONTO 1: Tenha coragem.

Era um dia simples, coloração alaranjada, uma típica tarde.

Um típico garoto.

Você nunca acorda sabendo que essas coisas irão acontecer, bem...

Ninguém acorda.

Levantei-me da cama, mal abria meus olhos, praticamente negros,

procurei o meu descongestionante nasal, arrastando a minha mão por toda a cama,

sem sucesso.

Desci as escadas, e fui fazer minhas obrigações:

Coletar o lixo e as fezes dos meus 3 cachorros.

Como sempre de cabeça nos ares, imaginava-me com poderes,

que poderia voar, ou arrumar uma briga na escola hoje e causar um tremor no chão,

todos me adorariam, todos me temeriam, todos me notariam.

Afinal, eu, Pedro Alvares, era invisível naquele ambiente,

aliás, em qual ambiente eu não era?

Solto algumas gargalhadas.

Enquanto isso minha irmã me fita e pergunta:

- O que foi Pe, tá ficando bobo é? Quem rí sozinho é bobo, disso eu sei.

Minha irmã de 7 anos, já me julgava, bem, ao menos ela me notava.

- Vai cuidar da sua vida Carla! Que saco, eu hein!

Corri, para me arrumar para escola, mais uma vez, perdido nos meus próprios pensamentos...

" Quando eu chegar lá hoje, vou terminar tudo antes, incomodar todo mundo, fazer piadas impróprias

Até alguem ver que eu quero alguém pra contar meus pensamentos. "

Entrei no banheiro, me olhei no espelho, semi-desespero:

- Não, com esse rosto nunca vou conseguir atenção!

Escorrego minhas mão pelo rosto, finjo que não vi nada, sinto a água gelada,

um pensamento repentino me abala.

- Vou perder a hora e ficar de fora.

Acelero a forma como ensabuo-me, pego a bucha velha que usamos, termino o banho.

Me troco, corro pra fora de casa, ainda encontro meus vizinhos indo ao colégio também. Que sorte, eba...

Dou um leve sorriso de nervoso.

No caminho vamos conversando, escuto suas conquistas, Caique, mais uma vez, conseguiu outro namoro mesmo após de estragar

tudo com a Julia, ainda tem a moral intacta. Gente bonita é mesmo livre de julgamentos ruins.

Daniel, incrível como sempre, contando sobre suas notas altas na média, e Raul, venceu o campeonato nas aulas de futebol.

Enquanto eu só escuto, e sorrio, e concordo, e aceno.

Chegamos na escola, toda o companherismo acaba, cada um pra um lado, e eu, mais uma vez, isolado.

- Era de se esperar... Hoje é aula de filosofia, deixa eu correr para não me atrasar.

Entro na sala, sento atrás, pra não incomodar ninguém com minha altura, mesmo não enxergando bem,

consigo entender toda a aula, com toda a certeza.

Logo tenho meu pensamento interrompido,

Uma aluna nova!

- Com licença, tem alguém sentado aqui? Eu queria sentar na frente, mas não posso, tenho 1,75 de altura e os professores logo irão

me mandar pra trás, então, pra prevenir o desconforto de ser chamada pelo professor no primeiro dia na escola nova, vou ficar aqui mesmo.

Tudo bem?

Eu, sempre bom nas ditatórias, respondo:

- Que isso, pode sentar sim, ninguém costuma sentar aqui, ninguém. Tá tudo bem. Você é de onde? Nunca te vi por aqui.

A aluna nova responde:

- Cheguei do Japão no meio do ano, meus pais são daqui, estavão trabalhando lá pra abrir um comércio aqui, conseguiram o

dinheiro e voltamos.

Eu, acostumado com a indiferença, estranhei a facilidade dela de conversar, continuo meu questionário:

- Desculpa, mas nem perguntei seu nome...

- É Alana! --- Ela rí, meio sem jeito.

E assim, meu plano de incomodar todo mundo vai água abaixo,

passo as duas primeiras aulas inteiras, praticamente, conversando com a Alana. Que garota incrível.

Na terceira aula a professora aprensenta ela para o restante da sala.

Acredite ou não, naquele momento, já sabia que o meu achado, o meu tesouro, seria roubado de mim.

Ela voltou para sua mesa, vermelha. Tentou puxar assunto comigo, mas, logo cortei todo o assunto.

Antes cortar o mal pela raiz, não é mesmo?

O intervalo chega, e simplesmente é o mesmo, eu em meu canto, fazendo meus desenhos e colocando a cabeça em outros planos.

Dessa vez, um em que eu era bonito. Era um sonho isso. É um sonho isso. Imagine a facilidade que seria se todos me cumprimentassem,

- Oi Pe!

- Oi Pedro! Beleza cara? Bora jogar um futebol hoje?

- Eae Pedro, to com dificuldade numa parte aqui da apostila de Filosofia, me da uma ajuda ai cara.

- Oi Pedro, pensei que não queria conversar mais comigo...

A aula acaba, pego o mesmo caminho de volta para casa, com os meus vizinhos/amigos.

Caique começa:

- Cara, hoje eu fiz a Julia chorar na sala falando da minha nova namorada.

Raul:

- Fiz 3 gols na Ed. Fisica hoje! Arregacei demais.

Daniel:

- A professora tava errada na sala, tive que corrigir ela, vocês acreditam nisso? --- Malditos asiáticos, pensei.

E mais uma vez, eu escutava, sorria, acenava.

Cheguei em casa, minha irmã já estava dormindo, meio doente, eu acho.

O jantar estava pronto, e meu padrasto prestes a chegar, comi rápido e corri pro quarto.

Desenhei a Alana.

Inferno!

Desenhei a Alana mais uma vez.

Desisto.

Roubei um remédio da minha avó, e apaguei.

E assim foram duas semanas inteiras. Completa negação a vida.

Quanto a terceira semana começou, encontrei meus vizinhos a caminho da escola, de longe já escutava enquanto Caique bravejava

Vou pegar a Alana hoje! Foda-se a atual e a Julia, vou ver o que eu consigo com essa aluna nova.

Dessa vez, não consegui me conter.

- Ei, corta essa cara, deixa a gúria.

E o Caique retruca:

- Tu é um poeta de boca fechada Pedro. Se toca.

E me deixaram pra trás...

Cheguei na escola, sentei longe da Alana. De novo.

No intervalo, avistei ela saindo de canto com o Caique.

Meu coração congelou.

Meu mundo parou.

Minha imaginação dissipou-se e, um pesadelo imigrou-se para minha mente.

Tive uma crise de pânico, me escondi no banheiro. Suava o tempo inteiro. Quanto desespero...

Enxaguei o rosto e me olhei no espelho, descobri aonde estava o erro...

Voltei pra fora, enquanto via os dois caminhando e sorrindo.

Tava escrito, era o destino. Garotos assim não foram feitos para sonhar. Fato.

Voltei a aula, mais cedo, peguei uma sulfite da professora e coloquei-me a desenhar.

Mal ouvi o sinal tocar, muito menos ela chegar, Alana.

Ela viu meu esboço, e sorriu com muito gosto.

- O caique quis ficar comigo hoje.

Eu, com meia-sindrome instalada no peito disse tremulo:

- É-é, eu vi... Mas, pera, quis? Vocês não se beijaram?

Ela, com o semblante mais calmo do mundo disse.

Eu sempre fui invisível, Pe, sei como funciona gente como ele.

E por nossa sorte, sei como funciona gente como a gente. Deu-me um beijo no rosto e sentou-se perto de mim,

o restante das aulas.

Acabei descobrindo que ela já tinha lido e visto, alguns desenhos e poemas meus, guardados na biblioteca.

Aluno de Artes em Ascenção, era a TAG. E ela disse que foi por lá, que ela iniciou esse romance.

O artista sem face, de coração voador.

Eu quis chorar. Mas não na frente dela.

Ela morava três ruas acima da minha casa, acompanhei ela.

Nunca ouvi conversa tão fluida como a nossa, parecia que era pra ser o que era.

Quando chegamos na porta da casa dela, ela me mostrou 2 desenhos.

Um menino moreno, de olho negro, acompanhado do seu descongestionante nasal o tempo inteiro.

E foi ali, o meu primeiro beijo, o nosso primeiro beijo.