Vênus-Saturno

Era para ser uma daquelas viagens longas de ônibus, dessas que atravessam estados. Eu estava só num dos últimos bancos quando ela entrou. Morena dos olhos claros e com um brilho voluptuoso que refletia uma imagem semelhante à deusa Vênus. Ela caminhou em minha direção e sentou-se ao meu lado. O ônibus estava praticamente vazio, por que ela sentara-se ao meu lado? Não questionei, apenas sorri e me afastei um pouco para lhe dar espaço. Conversamos quase que por horas, nos conhecendo e descobrindo que ambos deixávamos para trás nossos passados em busca de uma vida nova em outro lugar. Foi quando nossos dedos se tocaram. Então eu segurei sua mão e ela sorriu pra mim. Deslizei meus braços pelos seus cabelos que pendiam de seus ombros e a beijei como em um impulso inexplicável. Meus afagos em sua pele macia era como acariciar um puro linho de veludo. Não resistimos às tentações devido à escuridão do ônibus que vagava pela imensidão da estrada na madrugada e nos atracamos nos bancos como duas almas sedentas por prazer e que possuíam uma conexão vinda de várias vidas passadas. Foi inexplicável a sensação. Acho que eu estava apaixonado naquele momento.

Depois de um tempo, ficamos abraçados e conversando sobre Goethe, Oscar Wilde e sobre as poesias de Robert Frost e rimos como Hemingway se transformara em uma obra de arte ao se matar com um tiro na cabeça.

Então o ônibus fez uma parada, e era ali que ela descia. Nossos olhos não deixavam de se chocar e eu notei que seu semblante triste era eminente. Pedi seu telefone para não perdemos contatos, mas ela recusou-se a me passar. Foi quando percebi que havia um cara esperando por ela na rodoviária onde estávamos estacionados. Ela nunca havia deixado seu passado. Despedimo-nos ali, sem dizer uma palavra. Notei que seus olhos estavam húmidos e a acompanhei com meu olhar a sua descida do ônibus ao encontro do rapaz que a abraçou e a beijou.

O ônibus então ligou os motores novamente e seguiu viagem. Ali ainda não era meu ponto, então eu tive algumas horas ainda de viagem pela frente.

Deste dia em diante eu percebi que o amor nunca foi aquilo que nos disseram que era. O amor é como uma chama em um pavio de vela. Da mesma maneira que ele ilumina seu coração, quando esta se apaga, tudo se torna escuridão.

Eu ainda sonho com ela imaginando se ela ainda sonha comigo. Mas depois desse dia eu nunca mais a vi. Minha eterna Vênus. Espero que ela esteja feliz e sinta saudades de mim como eu sinto por ela, caso contrário, fui só mais um devaneio insólito na vida de uma pessoa que buscava nada mais do que uma aventura adolescente...

(Guilherme Henrique)

PássaroAzul
Enviado por PássaroAzul em 17/02/2019
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