Um Conto de Castelo - Capítulos V a VII (Final)

Capítulo V

O amor estava selado

Naquela tarde Berenice esperou Jerônimo mais uma vez na curva da estrada, no Bosque dos Pirilampos, mas ele não veio.
Ela foi ficando desesperada pois o dia do casamento se aproximava e ela não conseguia ver o seu amado.
Voltava para a fazenda quando viu uma poeira alta na estrada. Alguém muito apressado passava por ali e quando ela pôde ver quem era, viu Jerônimo correndo na sua direção. Passou por ela, fez meia volta com seu cavalo e disse num tom ríspido:
- Boa tarde patroinha! É assim que devo chamá-la? Ou prefere Senhora di Santis?
- Jerônimo, há dias espero por você no bosque. Estou desesperada com essa situação. Você precisa me ajudar. Eu não quero me casar.
- Ora, o patrão contou todo satisfeito que a filha do Coronel Afrânio será sua esposa. Também disse que ela gosta muito das suas crianças, sabe ensinar as letras e comandar muito bem uma fazenda. Será sua nova esposa em breve e disse até que o padre virá para abençoar a união!
Dizem por aí que você está toda contente porque seu pai quitou a dívida com o meu patrão.
- Isso não é verdade, Jerônimo. Creia! Não soube de nada. Meu pai acertou tudo com o barão sem contar nada nem para mamãe. Prefiro ir para o convento a casar com aquele homem asqueroso.
Jerônimo foi se acalmando e viu que Berenice dizia a verdade. Continuou calado olhando o céu. O sol causticante lhe fazia suado mas sua raiva o deixava vermelho, exalando um cheiro forte. Então Berenice convidou-lhe para banharem-se no córrego que havia ali perto.
Desceram as pedras e nadaram no pequeno poço que tinha mais embaixo, dentro do bosque.
Jerônimo começou a rir da sua condição de amante da futura esposa do patrão. Berenice ficou furiosa, recolheu sua capa e sua cesta e fez que voltaria para casa, quando Jerônimo passou as mãos pelos cabelos dela, desfazendo suas tranças e lhe disse num tom de voz bem diferente:
-Você é o meu grande amor. Não vou abrir mão da nossa história. Você quer que eu lute? Eu vou lutar Berenice.
Por você eu até mato se for preciso.
- Não Jerônimo! Isso não. Você seria preso, eu iria para o convento e não poderíamos viver como sonhamos esse tempo todo. Precisamos pensar juntos, num plano para fugirmos daqui.
Jerônimo ficou sério e prometeu que até a próxima semana estaria com tudo no jeito para escaparem das amarras do algoz, o temido Barão do Café.
Um sorriso tão lindo floresceu nos lábios dela, as bocas se tocaram antes dos seus corpos se entregarem um ao outro. O amor estava consumado e para a fuga, faltavam apenas alguns dias.

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Capítulo VI

A fúria

Jerônimo acordou de madrugada, aliás não dormira nem por uma hora. Passara o dia arrumando a velha tapera localizada numa parte deserta da fazenda destinada a pasto. Levou lamparina, frutas e até redes para paranoitar com Berenice. De lá partiriam pela manhã, embrenhando-se no bosque que dava para um trecho da ferrovia. Seguiriam pelos trilhos até a estação mais próxima. Com sorte poderiam vender os animais lá e partirem para uma cidade distante.
Joana trabalhava na fazenda do barão e desde pequena buscava a companhia de Jerônimo. Com a mocidade veio também o desejo e a moça atiçava o rapaz sempre que podia. Ele já havia se rendido aos seus encantos mas seu coração buscava Berenice e a morena não aceitava o afastamento súbito dele. Começou a investigar Jerônimo e soube que estava pronto para partir quando viu suas coisas amarradas numa trouxa que ele escondia atrás de umas árvores para facilitar na fuga. Enciumada correu para o pátio e encontrou com o pai de Jerônimo, que acabava de deixar o barão na varanda da Casa Grande, após uma expedição nos campos de café.
- Seu filho vai fugir mais Berenice. Advinhou.
Eu sei porque ouvi dizer que ela não quer se casar com o barão. Ele gosta dela e por isso vai acabar com a vida dele. O senhor precisa fazer alguma coisa!
A moça esbaforida falava com gestos largos e voz escandalosa o que chamou a atenção do barão que fumava seu charuto na varanda.
Joana falava tão alto que o barão pôde ouvir parte da conversa e o suficiente para entender o que estava prestes a acontecer. Então se levantou, passou a mão na espingarda de caça que ficava exposta na sala, ordenou um peão próximo que lhe cedesse seu cavalo e partiu como louco para as terras de Afrânio.
O pai de Jerônimo percebeu a sua intensão impulsiva e seguiu o patrão, na tentativa de evitar um mal maior.
Chegando à fazenda, Onofre que conhecia bem aquelas terras, desceu para o poço onde havia uma formação de pequenas grutas e encontrou a moça escondida entre as pedras. Ordenou que Berenice subisse em seu cavalo e à força, a levou para a tapera, esperando que Jerônimo também fosse para lá à procura da jovem.
Berenice estava em prantos. Seus pais não perceberam sua ausência, mas Doninha tinha ouvido uns gritos quando voltava do riacho onde lavava uns panos da cozinha.
Jerônimo soube do ocorrido e foi direto para a fazenda de Afrânio, saber de Berenice.
- Não está no quarto! Não está em lugar nenhum, avisou o irmão mais velho.
Afrânio saiu apressado para fora da casa sem entender a extensão do problema que se avizinhava. Então correu, acompanhado de Bernardo, para buscar os cavalos a fim de procurarem a moça que à essas alturas já estava amarrada numa cadeira, amordaçada.
- Ah Berenice! Nunca pensei que você faria uma desfeita ao Barão do Café. Agora mais que nunca, quero você sob os meus domínios.
Berenice se debatia ao perceber a loucura daquele homem que ria ao mirar bem de perto seus olhos vermelhos de tanto chorar.
Nesse instante Jerônimo gritou lá fora.
- Solte Berenice, patrão! Ela não é moça para um homem malvado como o senhor.
Onofre saiu para fora da tapera e gargalhando disse:
- Ah sim, essas mãos de fadas são para acariciar um homem rude como você? Ora, veja!
Não se aproxime rapaz, pois a tapera pode se incendiar em questão de segundos. Não duvide de um barão!
Com a ameaça do homem, Jerônimo teve um arroubo de raiva, empinou o cavalo e gritou palavras que depreciavam a reputação do nobre.
Quando Afrânio e Bernardo se aproximaram o barão gritou para o pai de Berenice!
- Não se aproximem! Berenice é minha mulher. Por direito. Você sabe muito bem o tamanho da dívida que te livrei Afrânio!
O pai de Berenice tentou acalmar os ânimos. Desceu do cavalo e levantou os braços em gesto de paz.
- Meu amigo, acalme-se. Minha palavra será mantida. Liberte minha filha e podemos conversar um pouco. O casamento está mantido. Dei minha palavra!
- Entregou sua filha, sua jóia preciosa à esse verme! Gritou Jerônimo.
Bernardo aproveitou a distração dos três e conseguiu pular pela janela, libertando a irmã que correu embrenhando-se na mata. O rapaz aproveitou e espalhou querosene para lampião que encontrou ali e deixou que uma faísca tocasse numa ponta da palha encharcada do telhado. Gritou espertamente que Berenice não estava ali. O barão entrou imediatamente na tapera que se incendiou rapidamente. Todos correram para alcançar Berenice mas o barão não teve chance de sair. O fogo se alastrou rapidamente e o telhado de sapê em chamas desabou sobre ele.
Quando o capataz chegou não foi possível fazer mais nada.

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Capítulo VII - Final

Num sebo

A capa é muito linda, essas fotografias são reais, mamãe?
- Não, minha filha, naquela época, no meio do mato era difícil fazer um registro fotográfico. Mas aí dentro tem sim, a única fotografia de um quadro pintado à mão dos meus antepassados que se perdeu no tempo. A minha vó conseguiu preservar, não sei como, nessa única fotografia reproduzida num dos capítulos do livro.
- Então é verdade que acharam vidro moído escondido no porão da casa do barão?
- Sim, Roberta. Tudo indica que o barão premeditou a morte da esposa. Fez tudo isso para apressar o seu enlace com Berenice.
- Mãe, que história incrível essa dos seus tataravós.
- O meu bisavô, era o filho mais velho de Berenice e Jerônimo e escreveu essa história que, segundo ele, sua mãe lhe confidenciara. Essa história foi repassada oralmente de geração a geração, mas esses manuscritos ficaram guardados até os anos sessenta, quando minha avó, que era professora de português, apesar de ter saído de Castelo há muitos anos, resolveu reescrever tudo e editar em um romance, publicado em vários idiomas pelo que pude pesquisar.
Consegui esse exemplar num sebo, acredita? Essa história contada na íntegra, já ia se perder no tempo como tantas outras que se desmancharam feito as tranças de Berenice quando cavalgava no lombo de seu cavalo alazão.


Cláudia Machado
NOTA:
Iniciei essa história numa estrada linda, rota imperial, que liga Cachoeiro do Itapemirim à Castelo. Trata-se de ficção. Quaisquer semelhanças com histórias verídicas são meras coincidências.
 
Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 29/01/2019
Reeditado em 18/02/2019
Código do texto: T6562252
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