O Pedaço
Numa sexta feira qualquer, eu abri a conversa dele:
- "Vamos sair?"
- "Bora, preciso encher a cara".
Eu o encontrei no mesmo metrô, no mesmo horário, no mesmo lugar. Três horas depois ele estava embriagado demais pra não dar em cima de qualquer pessoa que aparecesse em sua frente.
- "Me sinto vazio".
- "Eu sei como é, também me sinto constantemente".
- "Você é igual a mim. É por isso que a gente nunca vai dar certo".
Parei e observei enquanto ele beijava inúmeras pessoas em um espaço incrivelmente curto de tempo. E a cada dia que se passava, me falava de alguém diferente por quem ele sofria. A cada dia que se passava, as pessoas levavam um pedaço a mais dele.
Quando por fim ele acabou de vez com o vazio dele, o meu ficou mais vazio ainda. Ele se desfez em centenas de pedaços e deixou um pedaço dele com cada um. Com cada um, menos comigo.
Até que percebi que, a cada pedaço que ele deixava com alguém, um pouco mais dele ia sumindo. E quando ele sumiu de vez, nenhum pedaço era meu. Nenhuma culpa era minha. Eu queria tanto um pedaço dele, que demorei pra perceber que na verdade, ele precisava de todos os pedaços inteiros pra estar aqui ainda.
O pedaço que era meu existia, mas nunca foi tirado por mim. Eu deixei até o último segundo com ele.