A Bexiga e o Cacto
Era uma história de amor pouco provável, daquelas que deixam dúvida se realmente vai dar certo e se os envolvidos no relacionamento estarão contentes com cada importante passo do comprometimento. Mas era o amor, o amor honesto e que nos deixa confusos, sem saber como reagir e até às vezes não ter reação, que mantinha Bexiga e Cacto apaixonados.
Um tinha espinho, daqueles bem pontudos e difíceis de alguém não reclamar de dor quando, por acidente, encostava. Era verdinho como a grama que depois de longos dias recebendo chuva se alegrava e retribuía a gratidão que sentia, exibindo a coloração mais verde que pode existir. Ficava em um vaso marrom sem graça, sem detalhe e a terra escura e adubada era o único conforto que tinha, até conhecer a Bexiga.
A Bexiga era vermelha, da mesma cor do sangue da gente. Era alegre e convidada primordial de festas de aniversário. Já havia enfeitado – junto de outras companheiras – celebrações especiais de crianças, casamentos e também já tinha visitado hospitais. Às vezes era vendida nas praças, outras vezes era perdida por alguma criança que durante um segundo de descuido a deixava escapar dos pequeninos dedos e então partia rumo ao céu sem saber onde chegaria.
Outras vezes, na verdade na maioria das vezes, ela ficava sem seu formato oval, dentro da embalagem de bexigas, junto com outras, esperando que alguém a levasse embora daquela prateleira tão sem graça, com os copos, garfos e chapéus de aniversário. Apesar de estar com outras bexigas, ela só queria alguém que a amasse mais do que apenas um aniversário, mais do que apenas o instante em que a criança da praça a comprava com alegria.
O Cacto, sozinho no quintal, tinha perto de si apenas velhas garrafas de vidro que em breve iriam para a reciclagem, mas quem disse que as garrafas vazias são simpáticas? Possuem histórias de tristeza, alegria e superação para contarem, mas não são animadas para iniciarem a conversa. Deste modo, Cacto e Bexiga estavam sozinhos pelo mundo sem a companhia que sentiam falta. Não tinham coração, os humanos nãos os ouviam, mas eles sentiam que deveriam encontrar a felicidade que precisavam, que sempre precisaram.
Foi então, durante um final de tarde, que os dois ficaram lado a lado. O Cacto não acreditava na sorte que teve quando viu aquela Bexiga tão vermelha e redonda ao seu lado, amarrada em uma garrafa de vidro. Contara ela que tinha enfeitado a mesa de um noivado e ele que era propriedade dos futuros noivos. Juntos não acreditaram que estavam finalmente desfrutando do amor, do primeiro amor. Pela primeira vez não pensaram nem no aniversário seguinte nem na próxima gota de água que regaria a terra, apenas pensaram que o que faltava estava de uma vez por todas extinta.
Mas quem olhava esse amor de fora, de fora do coração deles (mesmo eles não tendo coração), julgava impossível dar certo. “Espinho na bexiga não dá! ”, “Vai estourar a pobre coitada rapidinho”, e logo a Bexiga não estaria mais apta a participar de nenhuma festa. Cacto não ligou para o que os outros falavam, nem mesmo Bexiga, porque alguns amores precisam se desligar das opiniões alheias e viverem aquilo que estão predestinados a conhecerem como um casal, como uma dupla e ninguém mais. Opinião nunca vai faltar, ainda mais de quem diz que nos conhece bem, de quem nos leva para festa de aniversário ou de quem aduba a nossa a terra, mas independentemente de quem queira nos mostrar o que é o certo e o que não é, somos nós e foram o Cacto e Bexiga que provaram ao mundo que quando dois querem e estão envolvidos – digo apaixonados – nenhuma outra bexiga ou gota de água pode nos fazer duvidar do que sentimos. Seja o medo do espinho – porque a Bexiga sabia do risco – ou o medo de machucar quem nós amamos – porque o Cacto conhecia o risco de machucar sua amada – os corações conseguem amar onde ás vezes não há possibilidade, pois o amor evolui onde quase ninguém acredita.
E quantas bexigas andam pelo mundo, na verdade flutuando, iludidas pelo aniversário seguinte, esperançosa de que encontrará alguém especial que aprecie seu real valor, que não a intime a participar de mais festas, do agito do mundo? Quantas bexigas vão de praça em praça esperando alguém que as ame não só pela aparência linda e possibilidade de enfeite, mas pelo que ela é, pelo que ela representa? Quantas bexigas estão murchas, dentro do pacote, na prateleira, no mercadinho da esquina esperando a vida mudar com um grande e amoroso amor?
E quantos cactos estão bem adubados, mas infelizes com tudo o que não é essencial, apenas mero detalhe, porque sabem que sua resistência os permite ir além, arriscarem com força inigualável o que sentem e o que podem sentir? O mundo está repleto de cactos sedentos por amor, mesmo retendo a água que recebem, talvez por precaução, mas também por medo em arriscar. O mundo está cheio de cactos e bexigas que precisam de um ao outro, basta apenas o encontro acontecer e o coração entregar-se.