REDENÇÃO

Mais do que por palavras, o amor demonstra-se por actos, pela

dedicação e doação de um ser ao outro.

Ferreira Estêvão

Maria de Jesus ouviu-o chamar e logo acorreu. Tinha medo que ele caísse da cama, estava demasiado fraco para se equilibrar.

Juan adoecera, ficara progressivamente cada vez mais magro, sem forças. Ela bem se esforçava para não lhe faltar com nada, mas a saúde é uma prenda divina e parecera-lhe que essa nunca mais chegaria. Há uma semana atrás, os médicos tinham ditado a sentença derradeira, teria pouco tempo de vida, dias, um mês no máximo.

Maria de Jesus olhou com mágoa o corpo magro de Juan. Sozinhos, ele só a tinha a ela, fazia-lhe tudo, dava-lhe a alimentação, os remédios, o banho, enfim, o que ele precisava. E muitas vezes chorava em silêncio perante o sofrimento de Juan, que também era o seu.

Pegou-lhe pelos sovacos e ergueu-o mais para cima na cama. Era hora de uma injeção e também de alguns comprimidos. Fazia de enfermeira pois as despesas eram muitas e não eram ricos, o dinheiro mal chegava para comprar a comida e medicamentos.

Depois de o medicar, sentiu-se cansada e deitou-se ao lado dele, abraçou-o e adormeceu um pouco.

- Maria, porque fazes tudo isto por mim? Sou um estorvo, levas uma vida de escravidão, os melhores anos da tua vida estás a desperdiçá-los comigo…

Entretanto ela acordou e ralhou com ele.

- Tolinho…amo-te muito e tudo farei por ti, sempre. – Aninhou-se um pouco, escondendo o rosto para ele não ver que estava a chorar em silêncio.

- Maria, peço-te, deixa-me num lar e vive a tua vida.

- Nunca…estarei contigo até ao fim!

- Mas eu fui um mau companheiro para ti, sabes que cheguei a atraiçoar-te…

- Sei, mas isso já perdoei, não esqueci, mas o amor que te tenho sobrepõe-se a tudo o resto. Além disso, Deus já te castigou, contra a minha vontade, é certo …

- Sinto-me muito cansado, sem forças… acho que o fim está próximo… se eu pudesse fazer algo que redimisse o mal que fiz… - e chorou perante essa impossibilidade.

- Não penses nisso, agora importa é melhorares, querido.

Entretanto ele adormeceu e Maria de Jesus acomodou-o junto do seu magro seio, como se adormecesse um bebé. Fechou também os olhos e ali ficaram, chegados um ao outro, enquanto lá fora subia o ruído do trânsito e das pessoas que caminhavam nas suas vidas, ignorando os dramas que em cada lar aconteciam.

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 26/12/2018
Código do texto: T6536085
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