Vítimas do Amor

A lua alcançava seu ápice naquela noite fria e tenebrosa quando Helena a filha do barão de Montes Claros, vagueava pelos corredores da casa grande, atenta a cada canto, cuidadosa em cada passo; precisava salvar a própria vida, sentia que sua honra era ameaçada e faria qualquer coisa a fim de defendê-la.

Em pleno século dezoito, a garota de pele macia, cabelos escuros e olhos enegrecidos ainda vivia o drama do casamento arranjado: seu matrimônio aconteceria em poucos dias com um rico senhor de terras, homem durão, de rígido aspecto, que jamais despertaria na sonhadora garota os sentimentos que ela cultivava por um nobre rapaz.

Seu amor era proibido.

Helena amava Felipe, filho de um humilde comerciante, jovem esforçado, alto, que pelo trabalho remunerado em engenhos poderosos adquirira o físico atraente, seu sorriso encantador e seus olhos verdes como a esmeralda enfeitiçaram a filha do temido barão logo no primeiro encontro. Entre os jovens revolucionários, que sonhavam mudar uma sociedade fechada, nascera um amor incontrolável, que quanto mais sofria com as investidas da proibição, mais se fortalecia e se intensificava.

Após muito pensar, o casal apaixonado decidiu que a melhor maneira para viver aquilo que muito era desejado seria fugindo, indo para bem longe, para um lugar qualquer, onde teriam paz. Era naquela noite fria e tenebrosa que a fuga deveria acontecer.

Nervosa, Helena voltou para o seu quarto, trancou a porta e se deitou. Fechou os olhos, suspirou tranquila, esperaria paciente pelo sinal combinado. Em sua mente, o adorável namorado.

“Era uma tarde quente e ensolarada, no céu azul nem um vestígio de nuvem anunciava uma possível chuva que refrescasse. Irritada por aquele verão tão rigoroso, a garota de quase dezoito anos buscou alívio no riacho que atravessava a mata; destemida, entrou nas águas cristalinas, conforme sentia o frescor do ouro incolor suspirava agradecida; deixou o corpo se guiar pelo tranquilo rio, não tinha com o que se preocupar.

A serviço nas terras do poderoso barão, Felipe não aguentava mais moer trigo debaixo do ardente sol, embora tivesse a ajuda dos escravos ainda não era suficiente para que o calor desse trégua. Aproveitando os instantes de descanso que teria adentrou a acolhedora mata em busca do refrescante riacho. Ao se aproximar do destino ficou paralisado como um bobo, encarava a sensual garota pela qual se apaixonara com desejo, com vontade de tê-la em seus braços, sentir o toque de suas mãos passear em seu corpo, entregar-se junto a ela àquela paixão que os unia.

— Felipe?! — Helena se assustou ao descobrir que já não tinha tanta privacidade; escondendo a nudez por baixo d’água insistiu no diálogo: — Há quanto tempo estava aí?

— Perdoe-me! — o jovem rapaz virou as costas, sentiu-se desrespeitoso, envergonhado, não ficaria mais ali —. Perdoe-me, já estou indo!

Mas os seus desejos eram os mesmos que daquela que seus olhos contemplavam.

— Não vá! — a serena voz interrompeu os passos do filho do humilde comerciante —. Não precisa ir se não quiser — conforme insistia a filha do barão sentia o rosto ruborizar, não sabia como declarar aquilo que seu coração almejava, não aguentava mais aquele cruel distanciamento, queria se entregar de qualquer jeito ao verdadeiro amor de sua vida —. Preciso de você...

Vagarosamente Felipe voltou sua atenção a que, em suas próprias palavras, era a mais perfeita das garotas, tentou formular alguma frase, tentou se esvair de alguma maneira, mas não pôde mais conter tão ardente impulso. Despiu-se. Caiu nas tranquilas águas.

Os jovens se encaravam como se quisessem dizer algo, como se desejassem um ao outro mais que qualquer outra coisa. As palavras não saíram, mas o beijo acalorado os envolveu, o agradável calor da paixão tomou também seus corpos, que colados um no outro se consumiam, uniam-se, consumavam aquele amor impossível de esconder.

Deitada sobre o acolhedor peito do namorado, Helena caminhou com o dedilhar pelos discretos pelos que ali existiam, encontrava naquele corpo descoberto o abrigo para a própria alma.

— Não quero viver longe de você — fixou os olhos verdes, encontrava neles a paz que tanto precisava —, será impossível!

— Nem eu — Felipe a envolveu em seus braços potentes, senti-la tão intensamente apenas fazia aumentar a vontade por compartilhar uma vida inteira com aquela que muito amava —. Seu amor é tudo para mim, é o que me faz viver, o que me motiva a lutar.

— O que faremos? — indagou sem soluções, sem esperanças —. Como ficaremos unidos pelo resto de nossas vidas?

— Existe somente uma maneira — com aquele pensamento acendeu a curiosidade da namorada, que apenas queria caminhos para seguir —. Precisamos sair desse lugar, irmos para bem longe, onde teremos paz — era arriscado, talvez ela não aceitasse, ele já imaginava, mas era a única forma para que aquele amor fosse de fato vivido —. Aceita entregar-se a mim sem medo do mundo?

A proposta tentadora causou um turbilhão na mente de Helena. Cansada de tantas privações, tantas obrigações, apenas queria paz, ainda que lhe custasse a perda do conforto e a distância com a mãe, única pessoa que conseguia amar depois de Felipe.

— Aceito — beijou desejosamente o nobre rapaz —. Tudo o que mais quero!”

As três pedras jogadas na janela fizeram Helena deixar o seu transe. Ansiosa, saiu na sacada, sorriu abertamente ao seu deparar com o sorriso daquele que amava; não temeu em colocar sua vida nas mãos daquele moço, jogou-se da janela.

Apaixonado, Felipe acolheu seu maior tesouro em seus destros braços, não conteve o desejo de beijar a mais linda das garotas. Saciado seu desejo, cobriu a cabeça com o capuz, gesto imitado pela filha do barão. De mãos dadas o jovem casal dava seus primeiros passos rumo à felicidade.

Sem sono algum o barão de Montes Claros observava todo o seu império, orgulhava-se pelo que conseguira construir e não se envergonhava pela crueldade que usava para com os escravos. Atento, notou o casal que caminhava pelos arredores, não hesitou em sua covardia, disparou várias vezes.

— Negrinhos imprestáveis — revoltou-se por achar que eram escravos que planejavam fugir.

Os leves e contentes passos foram interrompidos aos estridentes ruídos. Levando a mão ao peito Felipe se assustou com o sangue que molhara sua camisa. Fazendo o mesmo Helena sentiu as pernas bambearem, fraca, caiu de joelhos.

Olhavam assustados um para o outro; sentiam a escuridão se aproximar e a morte os envolver.

Deitaram-se como exaustos.

Uniram as mãos.

Antes que o último suspiro fosse dado uniram os lábios.

A carne morrera, mas as almas viveriam unidas e em paz.

Foram vítimas do amor.

Amilton Júnior
Enviado por Amilton Júnior em 06/12/2018
Código do texto: T6520445
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