NO CAFÉ DA MANHÃ
Sentada na cama, enquanto amarrava o cadarço do tênis, Janildes ainda com a cabeça envolta em pensamentos, procurando organizá-los, escolhendo cada palavra e gestos para a conversa que teria com seus pais e irmão durante o café da manhã. Levantou-se e caminhou até a janela colocando o rosto pra fora sentindo o ar fresco e puro bater contra seu rosto, procurando juntar forças e sabedoria para lidar com sua família.
Era uma menina dócil, estudiosa, obediente e sempre amorosa com os pais. Um pouco retraída a seu quarto e de poucas palavras. No íntimo, Janildes acreditava que seu mundo era diferente dos demais da casa e por isso, o medo de nunca ser compreendida por eles. Muitas vezes procurou tocar em assuntos tabus, mas acabava sendo repreendida, ou ouvindo comentários contrários aos que esperava ouvir. Seus pais bastantes tradicionalistas, nas conversas em família, reclamavam muito do comportamento das pessoas nos dias atuais. Mas, apenas reclamavam e talvez seja isto que Janildes ainda não tenha compreendido, que as pessoas têm o direito de pensarem diferente.
Em seu mundo ainda jovem, Janildes havia completado a maioridade a pouco tempo, o conflito das nuances de sua juventude e a experiência de vida de seus pais, formava uma barreira de compreensão e visão de mundo entre ambos. Decidida, pegou uma pequena mala que tinha deixada arrumada na noite anterior, colocou-a em cima da cama e saiu do quarto caminhando lentamente em direção à cozinha. Puxou a cadeira e sentou-se à mesa. Todos no mais completo silêncio tomando seu café da manhã, o único barulho que se ouvia era dos talheres nos pratos, vez em quando alguém levantava o olhar para o outro, mas, sem palavras. O pressentimento era um só, todos sabiam pelo comportamento que Janildes vinha demostrando nos últimos dias, que ela tinha algo a dizer, embora eles deixassem que ela mesma tomasse a iniciativa.
Janildes pegou a xícara e tomou mais um gole do leite, pôs sobre a mesa e finalmente pediu à atenção de todos. Começou sua conversa fazendo uma retrospectiva de sua vida, falou de seu carinho pela família, de seus planos para o futuro e da importância daquele momento pra ela. Expôs o motivo de sua conversa, sua homossexualidade, e sua decisão, dependendo da atitude de reação da família, frente à sua afirmação. Janildes terminou sua fala, baixou a cabeça e continuou comendo, meio trêmula e o coração a mil. Por alguns minutos o silêncio continuou na cozinha, até que ela resolveu levantar a cabeça e olhar firmemente nos olhos de todos. Um sentimento de alívio começou a tomar conta de si, quando viu surgir um tímido sorriso no rosto de seus pais.
A primeira reação veio de sua mãe que levantou da mesa e foi até a cadeira de Janildes e beijou a filha. Por fim, seu pai e irmão fizeram o mesmo. Não foi preciso pronunciar nenhuma palavra, para Janildes compreender o apoio e o respeito que tinha da família. Há muito tempo, seus pais já sabiam tudo a respeito de Janildes, ela é que, ainda não tinha se dado o direito de acreditar.
Janildes levantou da mesa aliviada, como se o peso do mundo e de seus conflitos, todos ficassem enterrados ali, durante o café da manhã. Voltou até o quarto, desfez a mala, deitou-se na cama e pôs as mãos sobre o peito, agradecida pelo aprendizado: o amor familiar deve sempre prevalecer.