Aquela manhã
Eram 15 para às seis quando ele acordou naquela manhã. Ele se espreguiçou, olhou para o teto e verificou uma rachadura que a dias estava ali e que ele lembrava todas as manhãs ao acordar que deveria consertá-la.
Olhou para o telefone, esperava que ao menos houvesse uma mensagem dela, mas não tinha nada. A única coisa que aparecia nas notificações era a propaganda de um Uno usado que alguém queria vender. Clicou em cima apenas por curioso. Perdeu o interesse ao ler o primeiro item: Andar até perder.
Levantou foi até a cozinha e ajeitou a cafeteira. Foi até o banheiro, ligou o chuveiro e ficou encarando-o a distância. Depois entrou em baixo por alguns minutos e saiu. A ducha fria era mais uma mania do que uma necessidade. Escovou os dentes e voltou para tomar o café que já estava pronto. Pegou o telefone olhou e nada. Nenhuma mensagem.
Sentado na mesa, lendo as notícias da manhã pelo celular ficou olhando para a casa. “Que casa horrível!” ele pensou, enquanto encarava uma pequena estante com alguns livros, onde do local oem que estava, lhe chamava a atenção uma versão barata de Guerra e Paz de Leon Tostói.
Pegou o telefone, respirou fundo, olhou para o branco desbotado da geladeira, encontrou o número dela e apertou para chamar. Foram dois sinais de toque e a ligação foi ignorada.
Abriu o envio de mensagem e mandou apenas um daqueles emotions com cara de triste. Notou que ela visualizou e esperou que ela respondesse, mas nada disso aconteceu. Olhou fixamente para a única foto de casal que tinha em um porta-retrato em cima da geladeira. Era uma foto ridícula. Ele estava usando um boné, sem camisa, com um corpo magrelo e extremamente desengonçado, enquanto ela, com uma espinha na testa e os aparelhos nos dentes que entregavam explicitamente sua pouca idade. Aquela foto era do início.
Abriu a porta e olhou para fora. Era uma casa pequena em uma vizinhança que ele mal conhecia. Uma velha estava sentada na varanda e o encarava como se soubesse tudo que ele tinha feito. “Olhos de rapina, vontade de gritar e perguntar: O que está olhando velha fuxiqueira?”, mas a única coisa que fez foi erguer o braço e gesticular no sinal de bom dia.
Colocou a chave na porta, girou a tirou de volta, pôs no bolso e saiu. Tentou mais uma vez ligar para o último número discado. Mais uma vez, após alguns toques a ligação foi ignorada e agora caiu na caixa de mensagem. “Me liga, preciso falar com você.” Foi tudo que conseguiu dizer.
Enquanto caminhava um jovem passou por ele em carro com um som com o volume exageramente alto. Primeiro achou aquilo ridículo, som antes das oito da manhã, estava apenas querendo chamar a atenção, de certo, mas segundos mais tarde se viu voltando pelo menos 25 anos no tempo e era ele atrás do volante de um Opala 66, com um som ligado o tempo todo com o volume bem acima do aceitável. Deu saudade daquele tempo, pensou nela mais uma vez.
Pegou o telefone e colocou para chamar novamente, mais uma vez foi para a caixa de mensagem. Calmamente desligou e fez uma segunda tentativa. O telefone tocou. Uma, duas, três, quatro vezes e então para sua surpresa ele foi atendido:
- Oi. - Ela disse. Era um oi seco e rápido. Ele buscou as palavras. Tentava encontrar no porão mais profundo de sua alma uma frase inteligente, mas a única coisa que surgiu foi um outro “oi”.
- O que você quer? - Tinha tantas coisas que ele queria, mas sabia que precisava agir com cautela para não colocar tudo a perder e então buscou alguma palavra perfeita para o momento.
- Eu estou com saudade. Não diga nada. Deixe eu falar. Eu preciso apenas te falar...
Ela atendeu o seu pedido e não disse nada. Ele buscava as palavras em sua mente, quando ouviu novamente o som do carro que passou a pouco. O som se aproximou tão rápido, que despertou-lhe a atenção ele olhou para o lado. Viu apenas o rosto do motorista e então tudo acabou.
O telefone caiu alguns metros longe do corpo desfalecido, onde com a respiração pensada alguém no outro lado da linha se limitava a dizer:
- Fala então...!!!