Apenas o começo

A garçonete me serviu o café e se afastou com um sorriso. Todo fim de tarde eu frequentava aquela cafeteria, já havia se tornado rotina. Todos os dias fazia o mesmo pedido: um café expresso e um pedaço de bolo. Na verdade, o sabor do bolo era a única coisa que mudava.

Aquele ambiente me agradava, era bom para acalmar do estresse diário do trabalho. Eu estava sentado na parte interna da cafeteria, onde tinha apenas algumas mesas. No lado de fora tinha mais um pouco de mesas, além de uma jabuticabeira na entrada, que dava um certo charme ao lugar. A decoração tinha um estilo rústico, lembrando uma cozinha de uma casa de campo. Havia vários quadros na parede, e uma estante com alguns livros próximo ao balcão. Também tinha uma mesa com alguns jogos de tabuleiro, para quem quisesse jogar.

Em alguns momentos me deparava olhando a fumaça que saía das xícaras de café, que a garçonete preparava. O cheiro doce daquele ambiente aumentava ainda mais a magia de uma simples cafeteria, coisas que passam despercebidas por aqueles que não são bons observadores, ou que não param pelo menos por alguns minutos para apreciar simples momentos ou situações.

Hoje estava chovendo. O som da chuva, somado com a música de fundo que tocava na cafeteria, um jazz clássico, proporciona uma sensação inigualável.

Depois de alguns minutos divagando, voltei a atenção para o notebook à minha frente e voltei a digitar. Estava escrevendo um novo livro, outro de romance. Não que eu seja algum especialista em assuntos amorosos, mas em meus 26 anos tive experiências suficientes para levar como base.

“... ele colocou sua xícara de café na mesa e ficou apenas observando o local. Aquele tinha sido um dia cansativo, sua mente estava perdida em mil pensamentos…” Esse era um dos trechos dos livros em que eu dava uma atenção especial ao personagem principal, mostrando seu cotidiano, trazendo o leitor a par da vida dele.

Me virei para olhar a rua, bem a tempo de ver uma moça fechando um guarda-chuva vermelho e entrando na cafeteria. Acabei perdendo meu olhar nela por alguns segundos. Sua figura resplandecia em meio aquele ambiente. Seu rosto alvidúlcido com uma pele branca que combinava com seus olhos castanhos claros, e com o cabelo também castanho. Ela se dirigiu até o balcão, e percebendo meu olhar, olhou de volta, fazendo com que eu ficasse sem jeito e desviasse o olhar.

Ela se sentou em uma mesa ao lado, e pegou seu Kindle, que nada mais é um leitor de livros digitais, semelhante ao tablet. Isso significava que ela era uma leitora, o que me agradou muito. Fiquei observando-a discretamente durante o tempo que ela ficou sentada lá. Nunca a tinha visto na cafeteria, talvez não fosse o horário de costume dela frequentar ali, ou era sua primeira visita. De qualquer forma, esperava vê-la mais vezes.

E para meu agrado, ela retornou no dia seguinte, no momento em que eu pensava em levantar em direção ao balcão. Esperei ela fazer seu pedido e escolher um lugar para se sentar, que acabou sendo o mesmo no dia anterior. Me levantei e fui ao balcão, e depois de pagar e me virar para sair, olhei para a tela do seu Kindle e fiquei muito surpreso com o que vi. Era a capa de um dos meus romances que eu tinha publicado na forma digital. Fiquei parado, sem reação. Acabei decidindo que tinha que falar com ela e me dirigi até sua mesa.

- Moça, não pude deixar de reparar na capa do livro que você está lendo, e fiquei bem surpreso quando olhei.

- Sério? Eu estava procurando algo para ler e gostei da descrição desse livro - disse ela sorrindo - Mas por que da sua surpresa?

- É que esse tal de C. J. Ribeiro sou eu.

- Sério? Nossa, isso é muita coincidência mesmo hein? Vou começar a ler agora, ainda não posso te dizer se estou gostando. Espero que você não mate algum personagem favorito meu - ela disse, sorrindo novamente.

- Não é do meu feitio fazer isso. Mas fico feliz de ver que alguém lê algum livro meu. Contando com os outros leitores, acho que você é a terceira que está lendo essa história - brinquei, fazendo ela rir.

- Ah, não acredito que seja assim não. Mas prazer em te conhecer Sr. C. J. Ribeiro!

- O prazer é meu! E pode me chamar de Carlos. Aliás, qual é o seu nome?

- Júlia! Sem abreviações - disse ela, brincando. Aquele sorriso me contagiava, e antes que eu ficasse com cara de bobo olhando para ela, comecei uma despedida:

- Bom, já estou de saída. Espero te ver mais vezes, aí você me fala o que está achando da história.

- Ah, com certeza falarei, até te xingarei se for preciso - brincou.

Nós nos despedimos e eu segui meu caminho. Nos dias que se passaram, nossas conversas foram se tornando mais frequentes e mais longas. Falávamos de tudo, com um enfoque especial em livros e assuntos relacionados. Íamos nos conhecendo mais a cada conversa e ficando mais íntimos. Não posso negar que estava gostando dela.

- E você escreve também, ou só lê? - perguntei à Júlia, alguns dias depois da nossa primeira conversa. Ela estava comendo um pedaço de bolo e parou para responder:

- Eu tentei várias vezes começar a escrever, mas nunca… Ei, por que você está rindo?

- Você está com um dente coberto de chocolate aí - respondi, me divertindo com algo tão simples. Em momentos como esses com Júlia, percebia que realmente estava adorando a companhia dela, e parece que ela sentia o mesmo.

De tanto que eram boas e longas nossas conversas, eu nem chegava a abrir o notebook na presença dela, sempre guardava quando a via chegar. Até que em um dia, após duas semanas que havíamos falado pela primeira vez, ela entrou na cafeteria enquanto eu ainda digitava.

- Olha só, não me diga que é uma nova história - disse ela.

- É sim! Um futuro novo romance.

- Com certeza lerei também. E é uma boa história?

“... ela sorria para mim, trazendo uma paz tão sincera ao meu coração. Sem nem perceber, coloquei minha mão sobre a dela, e ela a segurou…”

Tirando os olhos da tela do notebook, respondi:

- Espero que seja, estou apenas no começo...

Otávio Chagas
Enviado por Otávio Chagas em 09/11/2018
Código do texto: T6498965
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