LÚCIA E NUNO

São precisas muitas mulheres para esquecer uma mulher

inteligente.

António Lobo Antunes

Foram caminhando pela praia, sandálias nas mãos, o pôr do sol fazia o astro-rei mergulhar aos poucos na linha do horizonte, criando uma zona alaranjada na superfície calma do mar.

Muitas gaivotas pairavam, de vez em quando picando o seu voo em busca de alimento.

Aos poucos, o areal ia esvaziando, ficando aqui e ali apenas restos de algum snack ou beatas de cigarro que cidadãos menos conscientes deixavam para trás.

Lúcia virou-se para ele e questionou-o: - Afinal o que estamos aqui a fazer? Já passamos por esta praia tantas vezes, em outros tempos mais felizes… - o seu olhar refletia amargura e saudade.

Nuno olhou-a e encolheu os ombros – Se calhar eu julguei que após este afastamento ainda me amavas, mas afinal parece-me que estou redondamente enganado…

Ela mirou-o dos pés à cabeça.

Porque se haviam zangado? Bem vistas as coisas, tinha sido arrufo de namorados… Ou talvez não, aquela mania que ele tinha de olhar para as outras, mesmo quando estava ao seu lado…

Bem sabia que também tinha a sua quota de culpa, por vezes fazia cenas, exacerbando o ciúme que sentia. Era possessiva sim, queria-o só para ela. Legitimamente, pois há mais de dois anos que se entregara de corpo e alma aquele moreno de olhos enfeitiçadores.

Olhou-o de novo e então sentiu que o coração era invadido por aquela letargia tão sua conhecida, que constatava sempre que estava perto dele. Naquele instante queria abraçá-lo, tomá-lo nos braços, chamá-lo de seu, infinitamente seu, o seu grande amor.

Ah, aquele ar de menino só e abandonado apertava-lhe o coração. Em momentos de grande doçura compreendia que talvez nunca encontrasse outro como ele, para o melhor e para o pior. A paixão que sentia por ele, o amor desmedido que temia não ser totalmente correspondido, tudo a fazia sentir ora feliz ora triste e amargurada. Porquê, pobre tola?

Homens sempre abundaram à face da terra… e desgraçadamente para trazerem infelicidade às mulheres…

- Vou partir de novo. Tenho contrato para o Luxemburgo, é muito

favorável e preciso urgentemente de mudar de ares.

Lúcia olhou-o surpreendida.

- Mais uma vez não passo de um momento de distração, estás uma noite comigo, desapareces, voltas, mais uma ou duas noites escaldantes e depois vais-te de novo…encontras uma que te atraia e depressa me esqueces.

- O teu maior defeito é seres assim tão ciumenta… quase sempre sem razão… Eu amo-te muito, mas por vezes tornas-te chata!

Nuno então percebeu que ela começava a chorar e essa faceta era irresistível para ele. Desde que o pai morrera, não conseguia resistir a essa manifestação de tristeza. Enternecido, puxou-a para si e abraçou-a muito devagar. Depois beijou-lhe a testa, afagou-lhe o cabelo e osculou os seus lábios cheios num beijo interminável.

- Não, nunca digas isso, amor, não dês a entender que nada significas para mim pois isso não é verdade. Apenas que preciso afastar-me um pouco de tudo.

-Sei que vais e não voltas.

- Não, juro-te que voltarei, não pretendo demorar muito, apenas o necessário para aliviar a tensão em que vivo.

De repente parou de falar, como se uma ideia súbita lhe iluminasse o espírito.

- Olha lá, queres ir comigo?

Lúcia olhou-o estupefacta, não tendo percebido o alcance das palavras dele. Depois, aos poucos, percebeu e os olhos encheram-se de novo de água.

- Falas a sério?

- Sim. Desta vez acabaram-se as zangas caprichosas e tenho a certeza de tomar a decisão certa.

Lúcia aninhou-se nos seus braços e perguntou, baixinho:

- Como iremos viver? Eu não quero depender de ti.

- Eu terei um vencimento muito acima da média e sabes bem que o Luxemburgo é o país da Europa onde se ganha mais. Além disso, com as capacidades que tens, depressa arranjarás trabalho.

Nuno parou de falar e olhou-a de novo nos belos olhos marejados.

- Acho que o nosso problema de sempre é pensarmos muito e conversarmos pouco. Ambos devíamos abrir o coração com mais sinceridade, sabes? Tu és uma mulher incrivelmente inteligente e essa tua faceta atrai-me como mosca para o mel – bem, foi uma comparação infeliz, né?

Ela não pôde evitar um sorriso, Nuno por vezes tinha saídas que não lembravam a ninguém, mas o amor é cego e continuaria a seduzi-la para sempre. Aquela presença, aquele calor…sentia que ele também a amava, embora fosse ao seu jeito trapalhão, de menino grande…

- Tolinho! Adoro-te, sabes?

Recomeçaram a andar, subiram ao calçadão e ela chegou-se mais a ele, deixando que os braços protetores de Nuno a agasalhassem um pouco pois a noite, entretanto chegara e o ar estava mais fresco.

Someone To Love – Shayne Ward

https://www.youtube.com/watch?v=gTEhnOHVcvg&index=1&list=RDgTEhnOHVcvg

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 08/11/2018
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