Confissões na madrugada

Tierney olhou com amor para o torso nu do namorado, que havia dormido novamente de barriga para cima. Ela sabia que, em não muito tempo, ele estaria roncando, o que de certa forma não a incomodava: era uma garantia maior de que o que quer que ela lhe dissesse durante o sono, provavelmente não seria ouvido.

Não que Sean desse muita atenção ao que ela dizia enquanto estava acordado. Normalmente, ele se reservava o direito de falar, principalmente sobre assuntos que não a interessavam, e parecia estar em outro mundo quando ela comentava algo sobre os próprios problemas ou interesses. Sean era um homem de monólogos, e dir-se-ia quase encantado com o som da própria voz.

- O que você viu nesse chato? - Indagou Elsie, sua melhor amiga, após Tierney ter se queixado pela enésima vez de ser apenas uma ouvinte na relação.

- Eu gosto da presença dele - foi a resposta evasiva.

- Um gato faria melhor companhia à você do que o Sean - sentenciou Elsie.

Tierney sabia que a amiga tinha razão. Ela mesmo já pensara em mandar Sean desaparecer da sua vida em inúmeras ocasiões, e só não o fizera por um motivo absolutamente bizarro, que a fazia corar de vergonha sempre que se lembrava dele - e que jamais teria coragem de contar à alguém, mesmo à Elsie: Dalbhach.

Dalbhach fora o nome que ela lhe colocara; era um bom nome irlandês, forte, másculo. Se Dalbhach fosse uma pessoa, provavelmente se chamaria... Dalbhach. O problema é que Dalbhach não era uma pessoa... e mesmo assim ela se descobrira apaixonada por ele.

O quarto agora estava mergulhado na penumbra da luz da rua, filtrada pelas cortinas brancas, com espaços demarcados pelas luzes pilotos dos vários equipamentos desligados, mas mantidos em modo de espera: o DVR, a TV de tela plana suspensa na parede, o termostato digital. Era suficiente para que ela, apoiada no cotovelo, pudesse contemplar embevecida o torso de Sean em toda a sua indefesa inocência. Tirando é claro, o fato de que agora ele começara a roncar. Tierney sorriu.

- Dalbhach, meu amor... - sussurrou ela. - Dalbhach...

Dalbhach a olhou de volta, ou assim ela imaginava, vendo o torso de Sean subir e descer ritmadamente ao som dos próprios roncos. Os olhos de Dalbhach? Os mamilos eretos de Sean. O nariz de Dalbhach? Uma cicatriz provocada por um acidente de automóvel, muitos anos atrás, bem no meio do peito de Sean. A boca de Dalbhach? O umbigo fundo de Sean, que sempre dava ao rosto do seu amado imaginário, um ligeiro ar de surpresa que ela achava encantador.

- Estava esperando Sean dormir para podermos retomar a conversa de ontem - sussurrou ela. - Você sabe como eu me sinto sozinha quando estou com Sean, não sabe? Claro que sabe. É o meu assunto favorito quando estou contigo. E, aliás, você prestar atenção ao que eu digo é a melhor parte dessas nossas conversas. Sei que posso falar por horas a fio, e você nunca vai me dizer que está cansado de me ouvir tagarelar. Também não vai me pedir para mudar de assunto, ou procurar alguma coisa melhor para fazer do que ocupar o seu tempo. Você me entende, Dalbhach... você sabe como eu realmente sou e como eu me sinto. Aqui, nestas horas que passamos juntos, no escuro, eu me sinto realmente ligada a alguém.

Alheio às confissões que eram murmuradas próximas de seus ouvidos moucos, Sean continuava a roncar.

- Eu não tenho mais vontade de fazer sexo com o Sean... até nisso ele é chato. Mas eu e você temos uma relação tão boa, que eu lamento não poder fazer com você. Não faça essa cara de surpresa, Dalbhach... você sabe que eu te quero, e quero muito!

Sem poder controlar-se, Tierney inclinou-se sobre a barriga de Sean e aplicou um apaixonado beijo de língua em seu umbigo. Com a movimentação, Sean acordou, estremunhando.

- Ei... o que houve? - Resmungou, apalpando o umbigo molhado.

- Você estava roncando, Sean - retrucou Tierney.

Em seguida, virou-se de lado e adormeceu.

- [06-11-2018]