TOLICE OU DÚVIDA?! - conto de Ialmar Pio Schneider - A 17 de julho próximo vindouro, vai completar três anos que publiquei aqui neste espaço, o meu primeiro texto em prosa, e que contava o reinício da atividade literária de Otávio, personagem fictício,

TOLICE OU DÚVIDA ?!

IALMAR PIO SCHNEIDER

A 17 de julho próximo vindouro, vai completar três anos que publiquei aqui neste espaço, o meu primeiro texto em prosa, e que contava o reinício da atividade literária de Otávio, personagem fictício, pretendendo “reorganizar suas memórias, reunindo seus antigos rascunhos e recolhendo o que sobrou da voracidade do tempo”. Hoje vem à tona a historieta fictícia de outros personagens criados pela imaginação do autor e que fazem parte do seu acervo. Não me abstenho de afirmar que, embora o chavão ou lugar-comum sempre empregado e tão desgastado, trata-se de um conto-crônica cuja semelhança com pessoas, nomes ou fatos da vida real não passa de mera coincidência. A intenção é colocar ao leitor a fantasia do protagonista, em comparação à psicologia e à literatura que mais tarde lhe invadiu a mente e sentiu-se tolo ou céptico, quanto ao que pudera acontecer. E como tudo isso faz parte da vida, aí está o que houve e que agora o deixa embasbacado. Terá que amargar esse episódio para sempre ou apagá-lo da cachola qual um passe de mágica ? O tempo encarregar-se-á disso, pois tudo é passageiro nesta existência terrena, qual o verso de Guilherme de Almeida: “Tudo muda, tudo passa, / neste mundo de ilusão; / vai para o céu a fumaça, / fica na terra o carvão”.

Jamais se perdoaria do sonho não realizado como se tivesse culpa de sua pretensa frustração. Tivera, por assim dizer, a faca e o queijo nas mãos e não soubera aproveitar. Hoje acusa o destino, pois na época, talvez, não soubesse da existência do livre-arbítrio e deixara fugir a oportunidade de tê-la em seus braços. Sabe, também, que as ocasiões perdidas não voltam mais. Os anos passaram, irremediavelmente, e ele nunca mais ouvira falar dela. Desaparecera de sua vida sem que notasse e agora tinha nostalgia. Quantas vezes conversaram sobre banalidades, sem maiores conseqüências ! Matilde, assim se chamava, era loira e bem fornida, beirando os trinta anos; expandindo a sedução da carne. Certo dia lhe dissera:

- Germano, gostas de poesias, não é ? Eu tenho um livro para te emprestar. Aceitas ?

- Claro que sim. Minhas paixões são as poesias e a música clássica. Passo horas e horas lendo poemas na solidão do meu quarto.

Então ela lhe entregou O RUBAYAT de Omar Khayyam, tradução de Manuel Bandeira (de Franz Toussaint), que ele pegou, agradecendo, e guardou no bolso. Só mais tarde se deu conta que foi a primeira cantada que Matilde lhe fizera.

Passados alguns dias, seriam dez horas da noite, Germano, sentado à escrivaninha em seus aposentos, lia versos e escutava música. De repente, ouve batidas à porta. Vai atender. Abre-a. Era Matilde. Segurava entre as mãos uma caixola, ou seja, um estojo. Ela lhe falou, então:

- Trago-te uns discos de música clássica, pois sei que gostas deste gênero. É uma coleção de doze LPs de Música Clássica Ligeira. Tenho certeza que vais apreciar - e como Germano não a convidasse a entrar e se demorasse com a porta aberta, acrescentou: - Bom... tenho que ir. Não fica bem ficar aqui à porta de um rapaz solteiro. Tchau ! - e saiu, aparentando estar furiosa...

- Tchau, muito obrigado - respondeu Germano e fechou a porta.

Só agora sabe que foi a segunda e última cantada que Matilde lhe fizera. Lembra-se, também, do final do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, quando o personagem principal recusa-se a entrar na casa de Leda que o convidava a fazê-lo, insistindo várias vezes, mas que não aceitou. Aqui acontecera o inverso, pois fora ele que não a convidara a entrar em seu apartamento. Contudo, se repetira a mesma palavra que Loberant, no romance, dissera:

- Tolo !

Talvez fora melhor assim do que arrepender-se mais tarde. Um lance desses pode acontecer na vida de qualquer um, ainda mais quando se é jovem e tímido e a pessoa que se nos insinua é comprometida como Matilde o era. Muitas vezes não é fácil decidir, apesar de as evidências se apresentarem juntamente com as dúvidas inerentes ao ser humano.

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Poeta e contista

Publicado em 11 de julho de 2001 - no Diário de Canoas.

http://ialmarpioschneider.blogspot.com/

em 13.4.2011

http://ialmar.blog.terra.com.br/

em 14.10.2011

Ialmar Pio
Enviado por Ialmar Pio em 27/10/2018
Reeditado em 26/05/2020
Código do texto: T6487285
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