Estados alterados da percepção

E quando acordou na manhã seguinte, num quarto de hotel cheio de evidências que fariam a alegria de um policial de Narcóticos, descobriu que a garota loura ainda estava na cama com ele.

- O que foi que aconteceu ontem mesmo? - Indagou, tão logo ela deu sinal de vida ao seu lado.

- A gente não assinou nenhum papel... mas se casou - riu a garota, maquiagem borrada.

- Ah, foi mesmo... - lembrou ele, mão na testa, olhos semicerrados. - Usei tanto bagulho que não sabia se era verdade ou alucinação.

- Não está arrependido, né? - Ela apoiou-se num cotovelo, encarando-o com seus grandes olhos azuis.

- Não, meu amor... de modo algum - ele beijou-a na testa. - Você foi a melhor coisa que me aconteceu neste ano. De resto, um ano bem ruim.

Suspirou.

- Como se sente casada com o homem mais perigoso da América?

- Você é gentil demais para ser o homem mais perigoso da América - declarou ela, apoiando a cabeça no peito dele. - Além do mais, quem foi que te chamou disso? Nixon? Nixon é um sujo.

- Sujo ou não, está tornando minha vida e a dos meus amigos muito, muito complicada... a Irmandade do Amor Eterno foi estourada pelos federais, o que significa dizer que acabaram-se as remessas de dinheiro do tráfico.

- A "Máfia Hippie"... sim, eu li nos jornais - sussurrou ela.

- Tudo bem que a Suíça não tem tratado de extradição com os Estados Unidos, mas acho que a paciência deles com a minha permanência aqui vai se esgotar muito em breve - continuou ele, discorrendo como se estivesse num debate na academia. - Essa vida de fugitivo da justiça está acabando comigo, não sei mas o que fazer...

Ela levantou a cabeça por um breve momento e o encarou nos olhos.

- Você não me disse que a Irmandade tinha um negócio de exportar carros para o Afeganistão, que depois eram reimportados para os Estados Unidos, recheados de droga?

- Sim, mas quem era responsável por isso ou está preso ou fugiu do país... como eu.

- Estava pensando em outra coisa... o Afeganistão também não tem tratado de extradição com os EUA. E minha família tem contatos lá, ligados aos negócios do rei Mohammed... podíamos ir para Kabul, ficar por uns tempos.

- Kabul? Não sei... é longe às pampas!

- Mas a gente vai poder comprar haxixe direto da fonte - insistiu ela.

- Esse é um bom argumento! - Aprovou ele.

Poucos meses depois, em janeiro de 1973, ele foi detido pela polícia afegã em Kabul, sob a alegação de que não possuía um passaporte válido (o qual havia sido confiscado quando tentou revalidá-lo na embaixada dos EUA). Finalmente, foi liberado para embarcar num avião do seu país onde, lhe foi dito, o passaporte confiscado lhe seria devolvido. Dentro da aeronave, conforme ele descobriu tardiamente, dois agentes federais o aguardavam para levá-lo preso aos EUA.

- Os tratados de extradição não incluem aeronaves - declarou um dos agentes antes de lhe colocar as algemas. - Aqui dentro, você está em território dos Estados Unidos da América.

- [26-10-2018]