SENSUALIDADE E SONHO DE AMOR... ou UMA MOÇA NA JANELA - conto de Ialmar Pio Schneider - Teria eu meus 18 para 19 anos, quando li pela primeira vez o romance Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, e desde logo fiquei fascinado por aquela leitura
SENSUALIDADE E SONHO DE AMOR... ou UMA MOÇA NA JANELA
Ialmar Pio Schneider
Teria eu meus 18 para 19 anos, quando li pela primeira vez o romance Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, e desde logo fiquei fascinado por aquela leitura fluente e plena de sensualidade que envolvia a “crônica de uma cidade do interior”, conforme consta da folha de rosto do livro. Naquela época residia em Cruz Alta-RS, onde iniciava minha carreira de bancário, bem como tentei continuar no curso científico, já que em Passo Fundo-RS, freqüentava o segundo ano do mesmo, mas não me foi possível conciliar os horários e então segui cursando o técnico em contabilidade que era à noite e me permitia fazê-lo sem percalços, por sinal com inúmeras coleguinhas de rara beleza que me faziam lembrar outro grande escritor, o nosso Érico Veríssimo, com seu primeiro romance Clarissa, com a ingenuidade da normalista que vê o mundo alvorecer e sua vida de adolescente. Estórias diferentes mas ambas magistrais, por que não dizer de mestres da literatura pátria ?! De fato, foram os dois escritores brasileiros que viviam de suas produções literárias em sua época, diferenciando-se de todos os demais que tinham que exercer outras funções para se manterem. São os dois exemplos que conheço, a não ser, atualmente, o Paulo Coelho, que descobriu um filão calcado no esoterismo e na magia (ele mesmo considerado um “mago”), que atinge uma gama de leitores ávidos de alquimia e lendas orientais que preenchem as páginas dos seus livros que atingem edições astronômicas. Nada contra, pois já disseram por aí “que é melhor ler Paulo Coelho do que não ler nada”, o que deixo a critério dos leitores que são soberanos em suas escolhas.
Voltando ao meu assunto inicial, naquele ano de 1961, em Cruz Alta-RS, após ler o Gabriela, do velho Jorge (recentemente desencarnado), aventurei-me a escrever uma página inicial do que seria um romance que pretendia ver continuado. Entretanto, na contingência da vida, após mais algumas páginas inconseqüentes, abandonei-o e sobrou-me a que transcrevo abaixo, para simples ilustração de minha verve naquela fase da existência. Assim foi e a saudade não me deixa esquecê-la (também estive apaixonado por uma noiva por lá, mas esse já é outro caso). Vamos ao texto romântico:
Maria Clara debruçou-se no peitoril da janela e pensativa sondou ao longe o céu azul bordado de nuvens branquicentas. Quantos belos pensamentos de amor e saudade não povoavam sua mente fresca de mocidade! Deliciava-se, nesse momento, lembrando seu noivo distante, um rapagão forte e ousado que fora seu primeiro e único amor, sua paixão dos dezoito anos, ao florescer em si as primeiras rosas de mulher, donzela requintada e bela. Morena cativante e meiga, seus olhos negros e langues sonhavam na placidez da tarde tropical e iam projetar-se ao longe, divagando perdidos como duas estrelas negras, juntas e cintilantes em plena claridade do dia. Nem sabia ela que logo abaixo da janela do seu quarto, perdido entre a folhagem verde das árvores do quintal de seu lar, um rapaz alto e loiro, fascinado pela sua beleza, lá estava escondido para admirá-la e amá-la doidamente no silêncio da distância e da mudez. Chamava-se Bruno. O sangue ardia-lhe nas veias ao recordar a formosura da mulher amada da qual nunca ousara aproximar-se, mas pela qual sentia uma verdadeira idolatria.
E enquanto a moça cismava assim, o tempo foi voltando atrás e ela achou-se menina de oito anos, quando sua família morava numa pequena vila do interior. Sentia as faces queimadas pelo sol lindo e sorridente da primavera e não pôde reprimir um leve sorriso e um fraco suspiro de ansiedade. Era então na época em que os bosques floridos esperam o outono para frutificar e acalentar nos galhos os frutos coloridos e gostosos como tributo à natureza. Antônio Carlos, seu amiguinho de infância, ambos ela e ele, de mãos dadas, cativos pelo frescor dos silvedos, ouvindo o concerto das aves, sentindo o zéfiro suave a acariciar-lhes o rosto, como dois heróis corriam mato adentro, colhendo uma flor aqui, descobrindo um ninho acolá. E à noite dormiam felizes, esquecidos das mil peripécias e aventuras do dia. Assim desabrochara Maria Clara entre flores, frutos e passarinhos... Assim surgira a flor dos bosques com todo o frescor da brisa, com todo o calor do sol primaveril !
Convenhamos que não é o “bicho”, contudo quero aqui transcrever o que o velho mestre Machado de Assis, escreveu em seu romance Helena, quando assim se expressa: “Advertência - Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876.
Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo. M. de A.”.
Eis aí uma poesia em prosa, que não me contive em deixar de transcrever, visto vir calar no fundo de minha alma de incorrigível poeta sonhador !
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Poeta e cronista
Publicado em 28 de novembro de 2001 - no Diário de Canoas.