All Star Azul
A médica lhe explicou a gravidade de seu quadro. Não havia alternativa. Não era um candidato eleito para cirurgia. Seu coração pararia até o final da semana. A vida se esvairia como uma lata de tinta derramada na beira de um riacho, deixando um rastro que logo seria lavado por águas novas, pela corrente de uma existência maior que segue o fluxo. Só havia uma coisa à fazer e ele faria, naquela noite. Depois...bem, não haveria um depois.
Ela o esperava perto da pista de dança. Ele marcara com ela uma dança naquele baile de formatura que ela relutara tanto em ir. Mas ela fora, por ele. Ela não sabia à que horas ele chegaria, mas sabia que iria reconhecê-lo pelo smoking preto com tênis All Star Azul. Da música do Nando Reis que ouviram juntos tantas vezes nas madrugadas insones. Da virtualidade que estava prestes à se tornar realidade.
Não demorou muito para avistá-la, vestido rosa claro, olhando para a pista de dança. Esperando. Esperando por ele. Linda. Iluminada pelas estrelas de uma noite que adentrava o salão de festas. O vento brincava com seus cabelos. Era essa visão que ele iria guardar até o derradeiro final. Afinal, tudo sempre terminava um dia. Ninguém jamais saiu da vida vivo e ele não seria o primeiro.
Então ela o viu lhe sorrindo, indo em sua direção. Suas mãos começaram a suar frio e seu coração à palpitar. Ele estava ali mesmo, de verdade, virando realidade, em carne e osso. Com o All Star Azul.
Não havia necessidade de palavras. A música cobria qualquer falar. O silêncio dos lábios era bem distinto do barulho dos pensamentos. Uma profusão de sentidos, uma explosão de sentimentos, uma torrente de verdades que jamais seriam desveladas.
Ed Sheeran com "Thinking Out Loud" embalou a primeira vez que suas mãos se tocaram, quando ele lhe pegou pela cintura e a conduziu pelo salão. Passos cadenciados. O rosto dela colado ao seu ombro. A respiração dele em seu pescoço. O formigamento por todo o corpo, de ambos. As pessoas que fluíam pelo espaço simplesmente desapareceram. Naquele breve momento, naqueles 04 minutos e 36 segundos, só os dois existiam, trocando o calor de suas almas, experimentando o doce sabor fugaz de uma simples dança.
Terminada a música, se olharam, sorriram e se separaram. Ficou a vontade de um beijo, a ausência de um abraço, a prece por mais tempo. Mas como toda a efemeridade da vida, os momentos passam.
Ele voltou para o hospital. Ela nunca soube de seu coração partido não pela falta de um amor. De sua despedida sem adeus, de sua finalização como reticência no script de uma história sem fim, perdida entre início e meio na escrivaninha da inspiração de algum romancista, embriagado por um vinho chileno.
E talvez tenha sido para ser assim mesmo, um coração que cansado de bater vai encontrar Morpheu num outro plano, com data de validade, sonhando quem sabe com uma segunda chance, um retorno, um reencontro em uma outra vida, melhor e com mais tempo.
Ela nunca soube.
Ele para sempre saberia.
Porque o amor, como a vida, nem sempre é justo e quase nunca é eterno.