A PAIXÃO DE QUINZE ANOS

O nome, Maria Albina, não ajudava muito, mas a menina era linda. Morena, de pele bem clara, rosto fino e olhar sedutor, lembrava personagens femininas dos romances de Machado de Assis e Érico Veríssimo e logo cativou seu jovem colega do curso de inglês na Cultura Inglesa, do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Ele cursava o segundo semestre daquele ano com a mesma turma, quando ela se juntou à classe, da qual fazia parte o namorado, um tipo aparentemente mulherengo, que já “dava em cima” das outras meninas, no primeiro semestre. Pouco a pouco, o jovem veio a sentir certa inveja do colega mais afortunado, pois a menina, além de bonita, exalava meiguice e outras doces qualidades femininas que povoavam o ideário do rapaz. Para alimentar sua esperança, em todo caso, o namoro não durou muito e logo a colega estava livre para novo romance.

Cadê coragem, contudo, para a devida aproximação. O jovem, em seus quinze anos, era muito tímido, não tinha maior confiança nos seus atributos pessoais, somente sabia estudar e tirar boas notas, além de ser razoável futebolista, o que devia ser bem pouco para suscitar o interesse daquela beldade. Um dia, viu que ela chegara, mas não se aproximara do grupo em que ele estava. Sem saber o que fazer, ele continuou no grupo a conversar e, quando a campainha soou, todos se dirigiram para a sala. Foi aí que ela o surpreendeu, repreendendo-o por não ter ido conversar com ela e dizendo que estava “de mal” com ele. Acrescentou, em tom descontraído e bem-humorado, que o “negócio” era com ela e não com os colegas com quem ele permanecera. A reação da menina foi tão inesperada que o deixou ainda mais no ar. Tudo que conseguiu foi ficar novamente “de bem” com a colega no final da aula e dar um arremedo de beijo em sua mão como se cavalheiro fosse, a pedir desculpa pela grave falha e implorar perdão, em pretendido tom de bom humor, à altura do que ela mostrara.

Restavam poucas aulas para acabar o semestre e o adolescente foi incapaz de aproveitá-las para saber a real intenção da menina ao fazer aquela brincadeira. Para ele, tudo não passara de um gracejo da colega, não podia acreditar que, de fato, ela pretendesse que ele se candidatasse a namorá-la. Provavelmente seria mais velha do que ele e não se interessaria por alguém tão inexperiente. A dúvida o atormentou bastante, porém, e, após a última aula, lamentou a perspectiva de passar as longas férias de verão sem ver sua amada. Passou os dias seguintes a arquitetar uma maneira de abordar sua paixão caso ainda tivesse a sorte extrema de revê-la no dia em que voltasse à Cultura Inglesa para saber a nota final.

Qual foi sua surpresa no dia previsto quando, pouco após chegar, enquanto aguardava a hora de entrar na sala, a menina também apareceu. Estava mais linda do que nunca, com uma blusa de malha que deixava de fora os ombros cheios de frescor, como um convite aos beijos. Trazia, nas orelhas, brincos que imitavam margaridas, então na moda em virtude da música do Grupo Manifesto que vencera, naquele ano, um conhecido festival de canção popular.

O jovem exultou com a oportunidade! Ia dizer à colega que gostaria de encontrá-la nas férias e pedir-lhe o telefone para combinar um cinema ou um sorvete. Ai dos tímidos! Outras colegas de classe também apareceram, com o que se deu conta de que todos deveriam vir para conferir as respectivas notas. No meio de tanta gente, seu ânimo encolheu na mesma proporção em que crescia a vergonha de manifestar-se. Tudo terminou com as despedidas de hábito. Lá voltou ele para casa, entristecido com a situação e sobretudo consigo mesmo.

Nos anos seguintes, a imagem da colega não lhe saía do pensamento. Toda vez que passava de ônibus pela rua Riachuelo, onde ela devia morar, segundo ele ouvira casualmente certa vez, o jovem olhava os prédios e calçadas na ansiedade de vê-la e, quem sabe, poder falar finalmente com ela. Nunca a avistou, porém.

Na primeira (e única) ocasião em que visitou a ilha de Paquetá, o menino recordou-se de que Maria Albina passeava ocasionalmente ali, conforme ela mesma lhe contara. Alugou uma bicicleta e rodou toda a manhã pela ilha, sem ver as ruas por onde pedalava ou qualquer dos atrativos turísticos locais. Seus olhos buscavam, unicamente, encontrar a jovem. Mais uma vez, seu propósito frustrou-se.

Numa última e descabida tentativa, o enamorado deixou de ir ao colégio determinada manhã e dirigiu-se à Cultura Inglesa no dia e horário de sua antiga classe. Podia ser que a menina ainda estivesse cursando inglês naquela hora. Passou pelo local com grande nervosismo, misto da expectativa de revê-la e do receio de encontrar outro antigo colega, que estranhasse sua presença ali e fizesse perguntas incômodas. Evidentemente que mal divisou quem lá se encontrava e continuou seu caminho, apressado, insatisfeito e desiludido.

Passou o tempo e a menina permaneceu nos sonhos e fantasias amorosas do adolescente até que ele se enamorou de novo (teve, então, coragem de declarar-se). À medida que os namoros e novos amores se sucediam, até que, adulto, encontrou o amor ideal e definitivo – com o perdão do grande Vinicius -, a lembrança da antiga colega foi-se diluindo cada vez mais. Deve ter sobrado algum resquício, talvez, fruto do viciante saudosismo dos que viveram a memorável década dos sessenta. Afinal de contas, paixão de quinze anos é algo para jamais esquecer de todo...

In Traços e Troças (2015), editora Lamparina Luminosa, S. Bernardo do Campo, SP