Lanzelet e o Dragão

Noite. Abrem-se as cortinas.

No fundo do palco, um cenário representando uma floresta estilizada. Um cavaleiro de armadura entra cautelosamente, espada desembainhada. Para no meio do palco, ergue a viseira do elmo, e vira-se para a plateia:

- Nove cavaleiros entraram comigo nesta tenebrosa floresta! Todos deram para trás ao ouvir o urro do monstro que aqui habita... apenas eu, Lanzelet, permaneci para confrontar o meu destino!

Ouve-se um urro distante. Lanzelet olha ao redor. O urro soa, mais próximo.

- Onde está você, monstro nefasto? - Grita o cavaleiro, espada em punho.

Um Dragão verde entra por uma das laterais e detém-se ao ver Lanzelet.

- Aqui estou... - responde o Dragão, com voz de mulher. - Mas pare de me chamar de monstro, por favor.

- Que estranho sortilégio é este? Como pode falar com a voz de uma mulher, coisa?

- Coisa? Eu não sou uma coisa... sou um dragão-fêmea! - Protesta o Dragão, abrindo os braços.

Lanzelet abaixa a espada, confuso.

- Decerto que sabia que existiam dragões-fêmeas? - Provoca o Dragão. - Como acha que nascem os dragões?

- De ovos, suponho - retruca Lanzelet, apoiado na espada como uma bengala.

- Ovos postos por dragões-fêmea - complementa o Dragão.

- Bem, sim, suponho que sim... - atalha Lanzelet impaciente. - Mas entrei nesta floresta sombria para combatê-la, criatura do mal!

- Mas eu não sou uma criatura do mal - observa o Dragão.

- Como não? Dragões, independentemente do sexo, são criaturas do mal! Por que urrou de forma tão assustadora que os outros nove cavaleiros que me acompanhavam, bateram em retirada?

- Se você morasse só numa floresta e dez homens armados de espadas chegassem com o intuito de lhe matar, o que você faria, nobre cavaleiro? Não desejo causar mal a ninguém, mas posso dar um susto em visitantes indesejados.

- Eu, decerto que não lhe tenho medo! - Lanzelet ergue novamente a espada.

- Ei, calma... essa aparência medonha que vê, não sou eu exatamente.

- O que quer dizer? - Lanzelet aponta-lhe a espada.

- Na verdade, eu sou uma donzela encantada. Estou aqui, esperando que um bravo cavaleiro venha até mim e me dê um beijo. Apenas isso poderá quebrar a maldição que sobre mim foi lançada!

- Sério isso? - Indaga Lanzelet desconfiado.

- Palavra de dragão.

- Se o que me diz é verdade, seria meu dever de cavaleiro socorrê-la... mas há um problema - pondera o cavaleiro.

- Você tem herpes labial?

Lanzelet embainha a espada.

- Não... mas eu sou casado. Se minha mulher descobre que andei beijando outra por aí no meio do mato, capaz até de pedir a separação.

- Ah, deixa de ser bobo... estamos só nós dois aqui. Ninguém precisa saber dessa história. Vem cá, dá um beijinho...

Relutantemente, Lanzelet aproxima-se do Dragão, põe-se na ponta dos pés e dá um rápido selinho no focinho do monstro.

O Dragão abre um zíper frontal. De dentro do traje, sai uma bela jovem de biquíni verde.

- O Dragão tinha engolido você? - Indaga Lanzelet desconfiado.

- Você quebrou a maldição, bravo cavaleiro! - Exclama a jovem. - Eu sou Clidra, a Fada!

- Que trajes indecentes são esses? - Indaga Lanzelet.

- Você nem imagina o calor que faz dentro desse dragão - retruca Clidra.

E, pegando no braço de Lanzelet.

- E aí, não me convida para uma cerveja?

- Por que foi mesmo que lhe transformaram em dragão? - Indaga Lanzelet.

- Porque sou fogo na roupa - sussurra Clidra, mão em concha à frente da boca.

De braços dados, saem juntos do palco.

- [25-09-2018]