Rosquinha com gosto de nostalgia
Vestiu-se de uma blusa grande que possuía e foi descalça à cozinha. No pote, havia rosquinhas de coco com açúcar refinado ao redor delas. Era a primeira vez que as comprara depois de alguns meses. Colocou uma na boca. Tinha gosto de nostalgia. Eles comiam todos os dias antes de dormir, quando não era ela que comprava, era ele. Comiam, tomando leite. Não podia colocar chocolate, nem beber chá, ou qualquer coisa que tivesse um gosto mais forte, pois isso tiraria o sabor da rosquinha. Era isso que ele sempre dizia. Dessa vez, ela tomou um chá de erva cidreira. Era como se seu subconsciente quisesse provar que havia seguido a vida e podia fazer suas próprias escolhas. Não aguentou comer mais que duas, elas desciam feito arame em sua garganta. Foi para o quarto, não havia cama. Apenas um colchão de solteiro no chão. A cama de casal, que ali um dia existiu, trazia consigo inúmeras lembranças e o cheiro dele. Desfez-se dela. Pegou o colchão que guardavam para casos de receber visitas. Agora, ela o usava. Ligou a TV, trocou de canal ininterruptamente, e lembrou-se das vezes em que dormiam abraçados enquanto eram assistidos por um programa qualquer. Por que ele a abandonou? Ela nunca entenderia. Estavam tão felizes! Tão cheio de planos! Viviam uma doce rotina. Ela sempre chegava mais cedo do serviço e colocava um blues pra tocar. Ele chegava e a enchia de beijos, como se um dia longe dela fosse demais para ele. Sempre foi assim. Planejavam ter um filho no ano seguinte. Por que ele a abandonou? Da mente dela isso não saía. Lembrava exatamente do dia. Ela chegou, colocou o blues pra rolar e tomou seu banho. Ele estava um pouco atrasado, mas tudo bem, nas vésperas de feriados o trânsito ficava caótico na volta pra casa. Sentou-se na poltrona para ler enquanto ele não chegava, finalizava um dos misteriosos casos solucionados por Hercule Poirot, quando o telefone tocou. Era ele!
“Oi, lindinho.”
- Senhora Louise?
O número era dele, mas a voz não era. E ela amava tanto ouvir sua voz! A partir daquele dia, não a ouviria mais. “Um caminhão perdeu os freios, a pista estava molhada. Seu esposo não resistiu. Sinto muito.”
Por que ele a abandonou? Ela nunca entenderia. Por que fizeram isso com eles? Desligou a TV, fechou os olhos e suspirou. Estava cansada de tentar entender. A vida seguiu pra todos, menos pra ela. “Com o tempo a dor diminui.” – disseram. E ela esperava. Mas, o tempo parecia passar mais devagar. Ao menos ela não chorava mais, estava anestesiada, de alguma forma. De olhos fechados, tentou pensar no trabalho, nas ações sociais que fazia, na aula de judô e em coisas aleatórias que preenchiam o seu dia. Assim era, assim foi, até que adormecia.