Romeu & Julieta

O adeus consuma, no instante da primeira distância sentida, a perda que os acompanharia por toda a eternidade. Assim pensavam eles, ao menos; os corpos ainda quentes do último encontro, e exasperados, ante ao frio da partida iminente. Romeu enfim afasta-se a contragosto, determinado a dedicar – ainda que longe – cada um dos seus dias aos dias dela. Julieta, não menos que ele, tinha nos olhos o anúncio da dor que já agora a acometia. Ele se vai, com ela fica o seu sobrenome.

Mal ela se permite aventurar-se com pensamentos outros que não a ausência dele, descobre que pretendem desatar-lhes o seu laço mais uma vez. Seu pai a promete a outro. Estariam ambos depostos da sagrada união que um dia, mais tarde, reclamariam. Julieta não mais é apenas esposa de Romeu. É também noiva, de Páris. Contesta persuasiva contra a imposição que a condena. Em vão, roga que a dispense do mau destino. Está definido. Senhor Capuleto, seu pai, decide em seu nome por casá-la dias depois.

Por desespero, Julieta recorre ao auxílio dos conselhos do seu velho amigo, Frei Lourenço. Este, nobre em propósito e leal em estima, assegura-lhe a segurança de um plano infalível. Passar-se-ia por morta, enquanto verdadeiramente viva, tendo ingerido um líquido de natureza desconhecida que prometia lhe adormecer por quarenta e duas horas todos os seus sentidos. Retornaria ela por agora a companhia de Páris e de sua família comprometida a consentir de bom grado o compromisso que a incumbiram. Simularia então o acordo pelas horas por vir, até que às vésperas das bodas lançaria mão do líquido. Da parte do Frei, ele deixaria que Romeu soubesse do plano que tramavam, convocando-o a vir ao encontro de sua amada para leva-la consigo.

Assim fizeram frade e donzela, resignados a resgatar a felicidade que os pareceriam caras demais para o seu trágico fim. Julieta cai morta; o então noivo como infeliz testemunha. Páris alarma toda a casa em favor da vida da noiva, já ceifada a sua frente. Os Capuleto choram o corpo que aos seus olhos perece, seco em saúde – embora pleno em viço. Depositam a figura inerte de Julieta no sepulcro junto àquele onde Teobaldo – seu primo – ora jazia.

As cartas de Frei Lourenço haviam feito seu caminho certo até a estada de Romeu fora de Verona e encontraram nela tão somente o lugar vazio. Quando rumava em direção a nova morada que o acolheria, tantos dias antes deste que já quase terminava, Romeu se depara com a imensidão da noite no céu de Mântua e é tomado de assalto pela beleza estonteante de um anjo aveludado sentado à beira de um rio. Demetria o encara com um olhar travesso, devolve o encanto que ele lhe lançava em silêncio com o acenar contido da cabeça inclinada. Ele logo se aproxima e, após a mesura comum a polidez de um cavalheiro honrado, apresenta-se a moça usando nas palavras um fascínio familiar que agora esmaece-se; pois que só ela agora existe.

A moça não o esconde a verdade. Rompera com o noivo a quem não ama, e por quem não é amada, e está fugindo. Romeu não tem dúvidas. Percorrerá com ela vielas, cidades, reinos e continentes. Se recusar sua presença, a persuadirá com a força de todo seu ânimo a entrega-lo o mesmo amor de que tanto carece. Bem como ele, por sua vez, destinará o seu a ela até que a morte o abata para sempre. A união dos dois, a mais fiel expressão da razão da passagem do homem pela Terra.

Em Venora, Julieta retorna do seu longo descanso sobressaltada pelo murmúrio do homem que desprezara. Com ele, de pé, o Frei a aguarda sem respostas. Romeu não veio, e não virá. Julieta se senta em seu leito fúnebre desconcertada pela realidade que finalmente a atinge. A morte por si só a satisfazia. Sua aventura estava contada. De paixão não morreria mais.

Ainda não estavam findadas as suas vidas, embora sim a sua história.