A azarada

 
Leila era uma garota batalhadora. Oriunda de escola pública e de família pobre, foi com muitas dificuldades que conseguiu ingressar na universidade para o curso de Direito. Acordava todos os dias às 03h da manhã para ajudar a mãe no mercado do peixe. Além disso, ainda trabalhava num quiosque para complementar a renda.

Não tinha muito tempo pra se arrumar. Apesar de receber elogios por ser uma mulher bonita, se achava feia e, mesmo passando limão e perfume, tinha a sensação que sempre cheirava a peixe.Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Assim, estava sempre com sono.

Na primeira aula do professor Rodolfo - considerado um dos melhores professores da universidade -, Leila dormiu que ressonou. Ele, percebendo o constrangimento da garota, brincou dizendo não saber que suas aulas funcionavam como sonífero!

Encabulada, ao final da aula foi pedir desculpas ao professor. Explicou-lhe que acordava muito cedo e ainda pegava dois ônibus até a universidade. Rodolfo foi extremamente compreensivo e contou-lhe que também teve que trabalhar e estudar. 

Depois daquele dia, Leila apaixonou-se por Rodolfo. Nunca mais dormiu na aula. Ele, além de ser querido pelos alunos, era inteligente, bonito e solteiro.  Embora tivesse vinte anos de idade, Leila tivera somente namoricos, e já tinha a pecha entre as amigas de ter o "dedo podre" pra homem. Mas, pela primeira vez, sentia-se uma adolescente sonhando acordada. Pena ser muito azarada! Tudo que tinha pra dar errado, acontecia com ela.

Qualquer gesto de Rodolfo entendia ser para ela. Como parte do estado psíquico da paixão, passou a se arrumar. Às vezes, fazia as unhas nos poucos minutos que tinha pra dormir. Mas, quando acordava estava tudo borrada. Tentava se arrumar ao máximo para que ele a notasse, o que era difícil diante de tantas meninas lindas na sala. Sabia não ter chances, mas sentia-se muito bem com esse novo sentimento. Sua vida ganhara novo sentido.
 
Contudo, o destino não ajudava, sempre que se produzia para assistir às aulas, o professor não aparecia. Fez isso durante quase um mês e nada dele vê-la arrumada! Seu estoque de roupas já tinha se esgotado.

Numa terça feira, foi à universidade com uma blusa amarela que tinha sido presente de sua avó, era um horror a blusa! Mas, vestia quando não tinha outra. Tinha trabalhado até mais tarde. Tomou um banho rápido, fez um amarrado nos cabelos e saiu às pressas. Parecia uma "largada" ou como dizia sua mãe, criticando a falta de cuidado da filha com a aparência,  uma “quebradeira de coco”.

 
Justamente nesse dia, o professor deu aula substituindo um outro. Para aumentar o desgosto, ela ainda se sentou na carteira da frente. Mal abriu a boca de tanta vergonha.

Novamente, Leila voltou a se arrumar para não passar outro vexame. Mas, nada do professor. Chegou à conclusão que não era pra ser. O coração enfim se acalmou. Passou a se vestir de qualquer jeito.

Como sempre fazia todas as quartas-feiras, foi à biblioteca procurar um livro e, por azar, encontrou o professor. Antes que ele a avistasse, observou pelo reflexo da vidraça que de novo estava desarrumada, usando  a “praga” da  blusa amarela com os cabelos desalinhados, além do jeans que nem o lixo queria mais de tão surrado. 

Rogou aos céus que se abrisse um buraco no chão pra poder sumir! Enquanto estava absorta nesses pensamentos ele aproximou-se e fez questão de cumprimentá-la.

Foi o suficiente para a paixão voltar. Por mais duas ocasiões Leila esbarrou sem querer com o professor e sempre com a blusa amarela. Diante disso, ela chegou à conclusão que a blusa amarela lhe trazia sorte. Resolveu então, acreditar na sorte do azar.


A partir desse dia, sempre que queria ver o professor vestia a blusa amarela. Nunca falhava! De tantos encontros, um dia ele a convidou para sair. Agora, não precisa mais vestir a blusa amarela, pois ele acorda a seu lado todos os dias.

"Acredite na sorte do azar"

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