Afins

O silencio quase insuportável mantinha o lânguido tão sôfrego daquele ambiente. Um lugar inóspito, desértico. O céu em um constante tom avermelhado. Vermelho morto, desbotado.

Ar um tanto rarefeito dificultava a respiração, como se a cada componente no ar houvesse vários outros completamente tóxicos, mas não necessariamente letais.

O clima era melancólico, nada a ver com nossos desejos bucólicos e aquela ilusão de gramado verde e céu azul.

Um mundo moribundo, sem vida.

Enquanto um vagava, completamente perdido entre os passos que dava, sem saber se a estrada por onde caminhava levava ao sul ou ao norte - não faria diferença; a outra se mantinha sentada num canto de uma pequena cabana escura, solitária, silenciosa... Onde os raios de sol entravam por uma pequena fresta na janela de madeira, e ao longo das horas do dia esse pequeno foco de luz iluminava pequenas fotos penduradas nas paredes da cabana. E cada uma destas fotos representava um momento diferente de sua vida.

Lembranças.

Muitas lembranças.

Lembranças não tão boas, dessas que irritam. Lembranças de pura ansiedade.

Mas o outro continuava caminhando pela estrada completamente perdido. Porém, ao mesmo tempo era difícil definir se ele estava de fato perdido, afinal para se perder tem que antes ter o desejo de chegar a algum lugar. E ele não tinha, apenas continuava caminhando sem rumo, como se algo o puxasse, ou o empurrasse... Os pés doíam, mas ele ignorava, apenas continuava caminhando como um morto-vivo, se arrastando por entre o som das breves tempestades de areia e da poeira que levantava com o vento, ignorando o cheiro da mesma que entrava por suas narinas mal protegidas e dificultava ainda mais a respiração. Ele simplesmente ofegava e ignorava a tudo, continuava caminhando.

O mundo era um deserto. Um deserto completo. E esse espaço contínuo de coisa alguma o levou a um lugar onde ele parou em frente a uma porta, mas ele não a abriu. Pelo contrário, sentou-se no chão ao lado dela, e ficou ali encarando o céu avermelhado daquele mundo bizarro como se não se atrevesse a entrar, ou como se ele não quisesse encarar o que encontraria ali dentro.

Talvez ele já soubesse no fim das contas. Talvez tudo não passasse de uma brincadeira da mente dele, se divertindo com esse sentimento viciante de solidão constante. Talvez sequer houvesse algo ali.

Todos estes pensamentos passavam pela mente dele. Mas continuava ali sentado ao lado da porta, encarando o céu avermelhado, ignorando o cheiro de poeira que entrava por suas narinas e dificultava a respiração ainda mais.

Enquanto a outra continuava dentro de sua cabana, sendo atormentada pelos fantasmas que a fresta de luz trazia ao iluminar cada uma daquelas fotografias na parede. Momentos do passado. Coisas que ela foi. Coisas que ela queria ser. Coisas que ela queria esquecer, mas não conseguia, e isso trazia uma enorme ansiedade que precedia a melancolia, uma enorme vontade de desistir de tudo, fechar os olhos e nunca mais acordar.

E assim prosseguiu para ambos, até que em determinado momento ela cansou. Levantou a cabeça tentando enxergar naquele completo escuro alguma outra coisa além daquelas lembranças. Então num movimento um tanto quanto sem sentido, apenas mudou de posição se arrastando um pouco para o lado, sentando-se um pouco mais confortável, revelando atrás dela um buraco na parede onde mais um foco de luz entrou iluminando um curto caminho onde se encontrou com outra luz breve que entrava por baixo da porta.

Uma parte dessa luz estava obstruída por algo, uma sombra... O coração dela palpitou, e não soube dizer se de medo ou de vontade, de desejo... Ver alguém. Espantar a solidão.

Ela, com certo receio, mas uma vontade quase irracional arrastou-se até a porta e virou a maçaneta, abrindo-a, dando de cara com aquela luz intensa e avermelhada diretamente em seu rosto. Os olhos arderam e ela os esfregou por um tempo até que sua visão já estivesse acostumada. Então olhou em volta vendo aquela figura sentada ao lado da porta encarando o céu avermelhado e com um pouco de dificuldade em respirar devido à poeira que entrava pelas narinas. Completamente imóvel.

Mas por algum motivo ela não temeu. Pelo contrário, sorriu como há muito não fazia. Ela se levantou, saiu da cabana e deu a volta em torno dele, sentando-se ao lado daquela figura que pela primeira vez em muito tempo deixou de encarar o céu e trocou o cheiro de poeira pelo aroma dos cabelos dela.

E de repente aquele mundo inóspito, completamente desértico...

De repente toda aquela melancolia sob o céu avermelhado, assim como o ar rarefeito que dificultava a respiração, tudo isso virou detalhe. Como se não importasse mais, ou como se tudo fosse ilusão e de repente a grama nascesse, as flores saíssem e o céu se iluminasse em um azul claro, límpido e lindo com poucas nuvens e um sol brilhante.

Então olhei para você, que me encarava profundamente. E você disse "te amo" como se me conhecesse desde sempre e tivesse certeza disso. Como se houvesse uma memória sentimental gravada em cada parte do seu corpo.

E tudo isso me abraçou de uma forma tão intensa, como se eu visse e sentisse o mesmo que você.

Entreguei-me completamente.

Não encarava mais o céu, não sabia se estava avermelhado ou azulado, se havia nuvens ou não. Se o ar estava seco ou úmido. Eu não sabia de nada. Estava apenas parado ali do seu lado completamente entregue à beleza dos seus olhos, desejando sua boca como se cada pequena parte do seu rosto e do seu corpo fossem minha salvação completa.

Ainda me acostumando com tudo aquilo, guiado por algo que me preenchia naquele momento de sensações tão únicas quanto conhecidas, deixei-me levar. Respondi dizendo que também te amava com tamanha naturalidade como se meus lábios já soubessem aqueles movimentos de cor, como se finalmente tivessem desatado o nó que se formou na garganta, e foi nesse momento que nós dois tivemos certeza... Não havia mais solidão ali. E o mundo desértico já não importava, pois havíamos criado um mundo todo particular, um mundo só nosso, que só fazia sentido a nós dois.

E a melancolia já não existia.

Sons tocavam em nossas mentes como lembranças de músicas que há muito não ouvíamos. De sentimentos que há muito não sentíamos.

Coisas que havíamos esquecido como são. Sensações. Tudo ali gravado no fundo dos nossos olhos, onde um transmitia ao outro sem desviar, sem piscar, apenas conectados por aquela energia absurda que criava faíscas em volta de nós.

Léo Alves
Enviado por Léo Alves em 29/08/2018
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