Texto 2
Parei naquele parque em plena manhã de segunda-feira, na intenção de ver o carro dela passar em direção a sua casa, após a faculdade. Seu olhar, ainda que a distância, fitando os meus, teria o mesmo efeito que Jesus Cristo causou em Lázaro. Meu corpo é o sepulcro de minha alma. Os urubus voam baixo no parque. Sentem o cheiro de morte. Antíteses necessárias para a continuidade de um ciclo.
Em seu dedo anelar, da mão esquerda, há um grilhão que escraviza seu coração. Ela perdeu completamente a liberdade de amar. E, como um pássaro, que acostumou-se com a calmaria de uma gaiola, ela teme voar. Voar até meu corpo que de sepulcro, passaria a ser um berço acolhedor.
As horas se arrastam. Aumenta a quantidade de urubus. Olho o seu status no WhatsApp e vejo que ela nem saiu de sua casa para a faculdade. Estava indisposta. Olho a foto do perfil que acabou de postar. Sem filtros. Cara limpa. Linda. Nada a esconder. Cada ponto, cada traço que a natureza havia lhe dado estava ali. Somente aquela foto, deu vida novamente a minha alma que, no fundo deste sepulcro gritou:
“Os lábios avermelhados como a polpa de uma fruta doce, cercado por pintas que, caprichosamente, estão ali para seduzir. E no alto de sua inocência, não sabes que tal fruto, é a salvação e a perdição daqueles que tem sede. Sede de vida e de morte. Antíteses necessárias para que a vida tenha um curso. Nascer e morrer várias vezes em uma única vida. A morte da inocência e a expulsão de um certo paraíso. Reconhecer o doce inferno que é amar. Desgraça maior é voltar a mãe terra sem ter experimentado tal fruto.”
Copei cada palavra daquele berro e mandei-lhe através do aplicativo. Não seria a primeira e nem a última vez. Os urubus, simplesmente, bateram em retirada!