Da Minha Vida

Eu o avistei de longe enquanto minha amiga acenava pra mim ao lado dele. Me aproximei meio receosa, sem saber muito o que dizer, cumprimentando a todos e pensando na melhor forma de cumprimentá-lo também. Não poderia cumprimentá-lo primeiro, pois pareceria desesperador. Nem por último, pois pareceria ressentida. Por fim, decidi cumprimentá-lo quando ainda faltavam 2 pessoas.

- Oi, tudo bem? - Perguntei a ele, dando-lhe um abraço, tomando cuidado para não parecer muito formal nem muito calorosa.

- Oi, tudo e você? - Ele respondeu, parecendo simpático.

- Tudo ótimo.

Sentei-me ao lado da minha amiga, procurando evitar o olhar dele, mas era quase impossível ja que estávamos de frente um para o outro. Na nossa frente, uma mesa com algumas bebidas, cigarros e um velho baralho surrado.

- Fiquei feliz por você ter vindo! - Minha amiga puxava assunto comigo enquanto dava um trago no cigarro.

- Obrigada pelo convite! Achei que não conseguiria vir por causa do trabalho, estou meio sem tempo...

Mentira. Eu tinha tempo, muito tempo. Recebi o convite pra festa dela há 2 meses atrás e ja havia me programado para ficar livre no dia, até que recebi a notícia de que ele estaria lá também. Não é que eu o odiasse, muito pelo contrário: eu sabia que se o visse, voltaria a relembrar nosso passado.

Dito e feito. Alguns minutos se passaram e comecei a beber, não conseguiria ficar sóbria naquela situação. Todos começaram a conversar enquanto fiquei no meu canto, observando calada. Ele ainda tinha o mesmo olhar de alguns anos atrás, a mesma risada, as mesmas manias, e eu comecei a sentir falta delas. Tomei outra dose pra tentar esquecer inutilmente o passado que o presente insistia em me jogar na cara, mas foi em vão. Ele agora parecia ainda mais real do que nunca.

- Verdade ou desafio! - Minha amiga sugeriu. Ja me preparei para sair da mesa quando ela me chamou pelo nome - Aonde você vai? Senta ai com a gente! Vamos, eu começo!

A brincadeira durou por uns 5 minutos, até que a garrafa parou virada pra mim.

- Verdade ou desafio? - Minha amiga perguntou.

- Desafio - Respondi sem hesitar.

- Muito bem... Te desafio a beijar o Bruno!

Eu não queria beijar o Bruno, não com ele olhando. Eu não queria beijar ninguém enquanto ele estivesse ali, se possivel, não queria nem respirar para que ninguém ali notasse a minha presença.

- Não vou fazer isso! - Respondi prontamente.

- Você tem que fazer! - Uma pessoa aleatória da roda falava.

Olhei pra ele e ele desviou o olhar, mas pude jurar que segundos antes, seus olhos suplicavam para que eu não o fizesse.

- Não, eu não vou fazer! - Manti minha palavra.

- Gente, se ela não quer fazer, ela não precisa! - Minha amiga me defendia - Mas então, precisa responder uma verdade...

- Sem problemas. - Eu não imaginava que poderia ser algo pior.

- Não pode mentir, hein? - Ela continuou - É verdade que você ainda tem sentimentos por uma pessoa aqui da roda?

Senti meu rosto ferver e meus braços tremerem. Em menos de 2 segundos, muita coisa se passou pela minha cabeça e eu precisava responder aquilo prontamente. Evitei ao máximo que meus olhos se encontrassem com o dele, de forma que talvez tenha parecido até ofensiva, quando finalmente tomei coragem pra responder:

- Não.

- Não? - Ela insistia.

- Volta a girar a garrafa! - Tentei mudar de assunto em vão.

- Espera! Se realmente é verdade, diga isso olhando pra ele!

- Quê? - Isso parecia absurdo.

- Você entendeu! - Ela continuou - Olhe pra ele e diga que não sente mais nada por ele!

Todos estavam em silêncio, ninguém protestou. Meu olhar se cruzou rapidamente com o dele e ali se fixou. Por um segundo, achei que fosse me congelar, mas depois de um tempo foi reconfortante.

- Eu... Eu...

Eu olhava pra ele, mas as palavras não saíam. Meu corpo travou e a única coisa que conseguiu ter movimento próprio foi a lágrima que escorreu de um dos meus olhos. Limpei-a rapidamente, agora finalmente desviando meu olhar do dele e levantei-me da mesa.

- Esse jogo é ridículo! - Saí andando em direção ao portão.

Parei em frente a calçada e acendi um cigarro. Toda a nossa história passou como em uma novela pela minha cabeça. Não pude evitar as lágrimas que escorriam dos meus olhos e morriam nos meus lábios, deixando neles um gosto de nostalgia e saudade.

Ouvi o portão se abrir pelo lado de dentro e tentei disfarçar as lágrimas. Era ele.

- Você esqueceu sua bolsa! - Ele me entregou a bolsa.

- Obrigada! - Tentei agir normalmente.

- Sinto muito pela brincadeira. - Ele realmente sentia.

- Não sinta. Não é sua culpa.

- O que não é minha culpa?

- Não sentir o mesmo que eu.

Houve poucos segundos de silêncio.

- Então você ainda sente algo por mim? - Ele perguntava.

- Se eu ainda sinto algo? - Eu ri desconfortavelmente - Eu sempre vou sentir, você sabe disso. Desde quando te disse que te amava pela primeira vez, eu sempre soube que seria pra sempre. Eu nunca soube amar pela metade.

Ele parecia não saber o que responder.

- Isso quer dizer que você quer voltar comigo? - Seu tom não era animador, muito menos encorajador.

- Não, é claro que não. Eu amo muito você, e sempre vou amar. Mas aprendi que existe dois tipos de amores: o amor da minha vida e o amor pra minha vida. Você pode não ser pra minha vida, mas sempre vai ser o dela!

Ele sorriu pra mim e eu lhe sorri de volta. Dei-lhe um beijo no rosto e segui meu rumo. Na esquina da frente, virei pra trás e o avistei ainda me olhando. Foi nessa hora que entendi que eu também não era o amor pra vida dele, mas que talvez eu fosse o da vida dele também.