Desamores Cotidianos

- Só me responde como foi.

Ela nada dizia. Eles estavam no quarto dele, ela sentada em uma velha poltrona surrada, imóvel, olhando pela janela. Ele estava sentado à cama, com o corpo inclinado em sua direção, quase aos seus pés, seu corpo inconscientemente implorando pra que ela voltasse.

- Eu preciso saber o motivo, foi alguma coisa que eu fiz?

- Não – ela agora acendia um cigarro e continuava a olhar pela janela.

- Não? – ele não sabia mais o que fazer. Levantou-se da cama e começou a andar em círculos, em uma mistura de tristeza e fúria. Queria matá-la lentamente ao mesmo tempo em que queria tê-la nos braços só para si. – Você vem em minha casa, fode comigo a tarde toda e agora vem me dizer que não dá mais? – ele agora gritava.

Ela continuava imóvel, mas agora olhava pra ele. Quase com pena, não fosse pela enorme indiferença em seu olhar.

- Responde! Como é que você consegue, hein? Ser tão dissimulada? – ele estava mais furioso que nunca – Como você consegue ser tão fria? Esses meses não significaram nada pra você?

- Vou pegar minhas coisas.

- Não, você não vai! Não sem me responder antes! – ele gritava mais alto – Me responda... Você me ama?

Ela apagou o cigarro na soleira da janela e atirou a bituca pra fora. Olhou-o friamente e respondeu:

- Não.

Em um movimento muito rápido, ele girou nos calcanhares e deu-lhe uma bofetada no rosto com as costas das mãos. Mas logo se arrependeu quando ela se levantou rapidamente da poltrona e olhou-o com desprezo, caminhando rapidamente em direção à porta, ainda segurando com a mão o lado direito do rosto, que lhe ardia.

- Não, não se vá! Desculpe-me! – ele agora se ajoelhava a seus pés, abraçando-a pelo joelho, humilhado, em sua ultima tentativa de recuperá-la – Eu te amo! Eu te amo mais do que tudo nesta vida!

Ela virou-se suavemente e lhe deu as mãos. Ele levantou-se e sentou novamente à cama. Ela agora se aproximava lentamente dele, seu olhar indecifrável, quase piedoso, mas frio, tão frio, que se lhe comparassem com a Nebulosa do Bumerangue, esta lhe acalentaria seu pobre coração desmantelado. Abaixou-se de frente para ele e lhe deu pela última vez aquele olhar. Aquele mesmo olhar que lhe dera na primeira vez em que se viram. Aquele mesmo olhar que lhe deu o mundo e que lhe tirou bruscamente quando ele se acostumara. Aquele mesmo olhar que fazia com que seu coração batesse mais rapidamente e seus hormônios aflorassem. Aquele mesmo olhar que o possuía, e que ela sabia que o possuía. Ela aproximou seus lábios dos dele e lhe deu um beijo. O último. O mais longo. O beijo.

- Quando me encontrar de novo, já serei de outro.

Ela levantou-se desta vez, sem olhar pra trás. Talvez ela já fosse de outro, mas ele seria pra sempre dela. Com lágrimas nos olhos, ele a assistiu abrir a porta de seu quarto pela última vez, mas não antes de se lembrar de abrir a terceira gaveta da cômoda. Sem dizer nada, apontou o revólver para a cabeça dela, que de nada desconfiava. Sem pensar duas vezes, premiu o gatilho. O corpo dela agora jazia pelo corredor, seus olhos ainda abertos, inexpressiva, "tão fria até na morte". Ele sentou-se ao lado do cadáver e entrelaçou suas mãos na dela.

- Se lembra quando lhe disse que morreríamos juntos?

Ele sorria. Ela estava inexpressiva. Ele encostou sua cabeça nos ombros dela e sentiu o sangue dela lhe escorrer pelo rosto. Apontou o revólver para a própria cabeça e premiu o gatilho pela última vez.