- PARPERFEITO -

 

Na porta daquele cinema tantas vezes frequentado, a garota esperava o Moreno Misterioso, mas quem veio ao seu encontro foi o destino.

 
As duas coisas que SONYA MATSURO mais gostava de fazer eram cozinhar e ir ao cinema. Dona de uma empresa de fornecimento de pequenos banquetes, passava o dia inteiro entre as panelas, embalagens, e telefones tocando.

Só saía de casa para fazer compras, e, aos domingos, para ir à matinê – sozinha.  Procurava os clássicos que passavam na primeira sessão do dia. A escolha do horário era proposital. A sala de exibição quase vazia lhe proporcionava uma imersão muito mais profunda nas fitas românticas dos anos 50 que ela tanto amava.

_____________________

 
Carlos Sakuraba estava apaixonado. Projetista de filme, o rapaz levava a vida por trás do equipamento, olhando para o facho de luz sobre a poeira em suspensão.  Na tela, as mulheres gigantes em escala de cinza ou technicolor, na plateia sempre a mesma garota - uma delicada flor de lótus perdida num mar de poltronas vazias. Mais tarde, aproveitando o intervalo até a próxima sessão, descia para o pátio do shopping e a via pegando a escada rolante. Por muitas vezes pensou em abordá-la, mas sempre se arrependia antes de concretizar o gesto.

 Sonya também tinha um segredo: havia arrumado um namorado virtual em um site de relacionamentos. Em outros tempos nunca pensaria em procurar um homem assim, mas desde que fizera 31 anos começara a se preocupar em não ficar para tia, foi assim que encontrou o “Moreno Misterioso”, um engenheiro de ótimo papo, sensível e amante das artes.

Não sabia se era bonito, a foto, batida contra o sol não deixava a pessoa distinguir o que seriam os olhos, boca, nariz, queixo... Mesmo assim ela resolveu propor um encontro, e ficou aguardando resposta.

______________________

No dia seguinte o Moreno Misterioso recebeu a mensagem da jovem nissei. Ambrósio era um homem bonito, e, mesmo casado, mantinha algumas eventuais namoradas arrumadas nos vários sites de namoro que frequentava. Bastava mandar um papo de poeta, falar um pouco sobre pintura e teatro e logo alguma doidinha começava a fazer planos. Já havia levado muitas para o mesmo motel. O dono havia sido um amigo de infância e ainda dava desconto.
 
Marcaram para o domingo. Ele a encontraria no cinema. Ambrósio já havia esquematizado tudo: a sua esposa estava indo para um batizado e ele teria a manhã inteira livre. Faria o social com a garota – cinema, café, romance. Depois do abate trataria de sumir do site e da vida dela. Era um cidadão de bem, pai de família, não ia trocar sua vida perfeita por uma aventura. Saiu meia hora antes do horário marcado. Estava tudo planejado, só não contava que o pneu furasse e ele perdesse a hora e a chance de fazer mais uma vítima.
_____________________

Na hora combinada a moça esperava o paquera virtual com impaciência. Como sempre, não havia ninguém na bilheteria, apenas ela e sua decepção. Olhou uma última vez para a porta, e quando se virou para entrar na sala de exibição ele apareceu.

Carlos Sakuraba, fora da cabine de projeção, conseguia ver o amor de sua vida de perto. Passou anos em seu pequeno refúgio vendo a moça chegar sozinha todos os domingos. Amava-a de longe e devotadamente. Tímido, havia evitado  se aproximar por ser apenas um técnico de projeção, mas quando os administradores fizeram o convite para assumir a sub-gerência do cinema, sentiu a força que necessitava para se apresentar a ela. E agora estavam ali, cada um olhando para um lado da paisagem, mas tão próximos que ele poderia tocá-la.


Enquanto Carlos pensava no que iria falar, Sonya olhou para ele, tomou coragem, e perguntou:

-  Você é o Moreno Misterioso?
- Sou o Japonês Sincero. – Respondeu o rapaz, sorrindo.

Sonya pensou que era brincadeira do seu correspondente no Parperfeito. Depois ele explicaria melhor. O filme já ia começar. Entraram no cinema de mãos dadas.