Obsessão de Milo IV - FINAL
Parte 3: https://www.recantodasletras.com.br/contos-de-amor/6397535
Catharina voltava do mercado com as sacolas nas mãos. Pouco antes de atravessar a rua, atendeu uma ligação: era o doutor Fernando convidando-lhe para sair à noite.
- Claro, será um prazer! – ela respondia, dando risada.
- Te pego às oito.
Ela encerrou a chamada. Mal deu tempo de atravessar a rua e avistou como em um filme, o carro vindo em sua direção. Tudo ficou preto.
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- Catharina! Catharina... Consegue me ouvir?
A voz parecia vir de muito longe. Aos poucos ela recuperou a consciência e abriu os olhos. Estava em uma cama de hospital.
- Como você se sente? – a voz lhe era familiar. Ulisses lhe examinava.
- Hã? – ela ainda estava confusa – O que aconteceu?
- Você sofreu um acidente. Foi atropelada por um motorista embriagado. Felizmente ele teve a capacidade de ligar para a ambulância e prestar socorro. Você perdeu muito sangue, não faça nenhum movimento brusco.
Ela ainda recobrava a consciência quando se deu conta do que aconteceu. Lembrou-se do quanto sentia muita dor nas pernas segundos antes de apagar, mas quando olhou para baixo... Não havia pernas. Não havia pernas nem braços, apenas seu dorso e sua cabeça. Seria aquilo um pesadelo?
- Onde... – ela não conseguia falar – Minhas pernas... Meus braços... Onde?
- Shh, se acalme – ele tentava acalmá-la – O acidente foi muito grave. Você ficou internada por três dias. Infelizmente, suas pernas e braços eram irrecuperáveis. Tivemos que fazer o possível para lhe salvar!
Ela não conseguia raciocinar. Uma mistura de ódio, tristeza e náusea lhe percorreram o corpo todo, deixando-a em choque ao ponto de não conseguir proferir uma só palavra. Os dias se passaram comumente, mas nunca pra ela.
- Catharina, você irá receber alta. Como sei que não tem com quem ficar, lhe ofereço minha residência e meus cuidados para que você possa se recuperar. Não se preocupe, não vou lhe cobrar nada por isso.
Ela ainda não conseguia comunicar-se. Parecia um vegetal em uma cadeira de rodas, abalada demais para incomodar-se com qualquer situação que lhe ocorresse. Ele colocou-a delicadamente dentro de seu carro e a transportou até sua casa.
Conforme os dias se passaram, ele a alimentava e a cuidava, sem reclamar. Ajudava-a no que fosse preciso, inclusive a arrumar-lhe os cabelos e a se maquiar. Aos poucos ela voltou a conversar normalmente, até que um dia se viu sentada em um pedestal grego de mármore, forrado cuidadosamente para que se visse confortável. Era a verdadeira Venus de Milo, a obra prima e viva de Ulisses.
Ele lhe penteava os cabelos na sala cuidadosamente, mostrando a ela um espelho para que lhe mostrasse como queria:
- Gosta assim?
- Tanto faz – ela não queria olhar-se no espelho.
- Posso deixá-los soltos também, se quiser.
- Pode raspá-los se quiser, eu não ligo.
Ela ainda estava profundamente abalada. Perdera seus braços e pernas, e o pior de tudo: sua autonomia e liberdade. Seria agora dependente para sempre de alguém.
A porta abriu-se bruscamente e o doutor Fernando adentrou ao recinto.
- Ulisses, você precisa voltar ao hospital! – ele não havia reparado em Catharina ainda – Aquilo ta uma loucura sem você, eu não ligo se você estiver doente ou qualquer cois... QUE PORRA É ESSA?
Ele olhava para Catharina com uma mistura de pena e nojo. Aproximou-se mais, mas foi detido por Ulisses.
- QUE MERDA FOI ESSA? O QUE VOCÊ FEZ COM ELA? – ele gritava desesperado.
- Eu não fiz nada! – Ulisses estava nervoso e agitado – Ela sofreu um acidente e precisei amputá-la! Não fale com ela desse jeito...
Catharina tinha os olhos cheios de lágrimas e virava seu rosto para tentar esconder-se do homem à sua frente.
- Uma ova! – Fernando parecia descontrolado – Isso jamais aconteceria em um acidente! Foi você, não foi, seu doente? Você com essa sua acrotomofilia do caralho! Ela não foi a primeira, foi?
- Angelina? – Catharina dizia, com lágrimas nos olhos – Angelina Tobias? Era isso que você estava tentando fazer com ela?
Ulisses ficou em silencio. Catharina despencou-se em lágrimas.
- Eu não acredito... Esse tempo todo confiando em você... Eu não merecia isso...
- Eu vou embora! Você me dá nojo! – o doutor Fernando retirou-se da casa.
Ulisses virou-se em direção à Catharina, sem saber o que dizer. Colocou um pouco de vinho em um copo e um canudo, para que ela pudesse beber. Ela tomou o vinho sem dizer uma só palavra, e ele sentou-se ao lado de sua obra prima.
- Vou colocá-la na cama.
Ele carregou-a até o quarto e deitou-a na cama. Enxugou-lhe as lágrimas e deitou-se ao seu lado.
- Nunca mais serei útil ou atraente de nenhuma forma para ninguém.
- Para mim, você é a mais bela de todas. A obra prima.
Ela virou o rosto lentamente em direção à ele, com lágrimas nos olhos e uma mistura de raiva e tristeza:
- Parabéns, você conseguiu sua Venus de Milo. E de brinde, conseguiu acabar comigo.
Ela virou o rosto na direção oposta. Ele delicadamente virou-lhe o rosto com as mãos e deu-lhe um beijo em seus lábios.
- Péssimo . – ela respondeu, rindo debochada – O pior beijo que recebi em toda minha vida. Como um artista, você é muito bom, mas como amante, é lamentável. Não me surpreende que precise de alguém sem braços e sem pernas para estar ao seu lado. Alguém que não consiga fugir de você.
Ele retirou-se do quarto zangado, sem dizer uma só palavra.
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Eram dez horas da noite, quando Ulisses colocou Catharina em uma cadeira de rodas:
- Tenho uma surpresa pra você.
Ela não parecia animada. Ele a colocou em um cômodo escuro, atrás da sala, com a porta da mesma entreaberta. Ela observava-o atender a porta, quando percebeu Amélia sentando-se ao sofá, trajando um saliente decote e uma saia curta.
- Vinho? – ele ofereceu à ela.
- Não, obrigada! Quero outra coisa...
Os dois começaram a se beijar enquanto Catharina assistia à cena, escondida. Ulisses abria bruscamente os botões da blusa de Amélia, deliciando-se em seus seios. Não eram tão fartos quanto os de Catharina, mas eram belos.
Ulisses colocou-a de quatro no sofá da sala e começou a penetrá-la bruscamente. Amélia gritava e rebolava, obediente como um cão adestrado. Ele puxava-lhe o cabelo com força ao mesmo tempo em que lhe dava consecutivos tapas. Amélia gritava cada vez mais alto e forte, enquanto Catharina os observava em silêncio. Alguns minutos depois, Ulisses ejaculou em seu rosto, olhando fixamente através da porta para ver se Catharina ainda os observava.
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- Então, o que achou? Me saí melhor do que esperava? – Ulisses perguntou à Catharina, enquanto lhe dava banho, sentado junto com ela dentro da banheira, esfregando-lhe as costas.
- Razoável – ela não parecia interessada. Ele parou de lhe esfregar as costas e repetiu, atordoado:
- Razoável? Você estava assistindo a tudo?
- Do início ao fim. Se é que se pode dividir em início e fim.
- O que você quer dizer com isso? – ele parecia não acreditar no que ouvia.
- Para um bom entendedor, meia palavra basta, não é? – ela era sarcástica – Não durou muito tempo, não me surpreendeu em nada. Foi razoável.
Ele parecia desapontado. Terminou de enxaguar-lhe as costas e retirou-a da banheira. Colocou-a em cima da grande pia de mármore envolta em uma grande toalha preta, e começou a secar-lhe os grandes cabelos ruivos. Ela o olhava fixa e indiferentemente. Ele a cuidava como seu bem mais precioso. Passou-lhe maquiagem de forma impecável, já que havia treinado muito para agradar à sua Venus.
- Me deite na cama – ela pediu.
Ele atendeu ao seu pedido e carregou-a em direção à cama. Pegou o hobby de seda e vestiu-a nele. Se via perfeita.
Ele se preparava para sair do quarto e deixá-la em paz, como sempre lhe era requisitado, mas foi surpreendido por ela:
- Aonde você vai?
- Achei que quisesse ficar sozinha - ele respondeu prontamente.
- Não preciso me sentir mais sozinha do que já sou. Deite-se do meu lado.
Ele a obedeceu sem hesitar.
- O quão atraente eu estou agora? – ela perguntava, olhando-o nos olhos.
- Mais do que jamais foi – ele a encarava com admiração.
- Pra que se toque em uma obra de arte, é preciso fazê-lo da maneira correta. E eu sou a maior delas.
- Você é com certeza, a maior e melhor de todas.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos.
- Feche os olhos – ela disse.
- O que? – ele parecia confuso.
- Feche. Os olhos.
Ele fechou os olhos.
- Imagine-se em um museu, apreciando a mais bela obra de arte do mundo. Não existe nada além de vocês dois. Sinta. Sinta cada detalhe da obra e certifique-se de que ela também sente cada detalhe seu. Mostre-a. Ela precisa saber que é preciosa. Nem todas as obras de arte sabem de seu valor, e você precisa certificar-se de que ela saiba.
Ele parecia entretido. Imaginou-se em um museu com a obra de arte mais perfeita do mundo: Catharina.
- Não vá com sede ao pote. – ela continuava – Obras de arte são frágeis. Elas são doces, e esperam encontrar alguém que lhes desfrute a doçura escondida nelas. Todas as mulheres do mundo são verdadeiras obras de arte, todas diferentes umas das outras. Mas todas, TODAS desejam ser verdadeiramente desfrutadas. Toque-a gentilmente. Sinta sua pele, sinta seu cheiro... Passe os dedos entre seus cabelos e lhe toque os seios gentilmente... Eles precisam ser tocados, mas desça com seus dedos... Desça com sua língua, com sua alma! Sinta o gosto mais profundo da mulher à sua frente, sem medo, sem nojo. Sinta-a entregar-se totalmente à você... Oh... – ela gemia de prazer ao imaginar a cena – É tão bom... É tão bom e tão difícil, agora mais ainda pra mim...
Ele abriu os olhos e viu-a chorando.
- Por que é tão difícil pra mim? – ela perguntou com lágrimas nos olhos.
Ele virou seu rosto gentilmente em direção ao dele e enxugou-lhe as lágrimas. Seus lábios se encontraram e ele pode sentir o gosto salgado das lágrimas que ali morreram. Ele passou o dedo por entre seus cabelos, gentil e sofisticadamente, abrindo-lhe o hobby com a outra mão. Gentilmente passou os dedos por entre seus seios e começou a beijar-lhe o corpo todo (ou pelo menos, o que restava dele). Era a obra de arte mais linda que já vira, sua deusa, e merecia ser tratada como tal.
Ele sentiu-a suspirar de prazer enquanto descia sua língua pelo seu corpo inteiro. Era quente e molhada, mas tão molhada... Ele queria provar-lhe inteira e por horas. Ele desfrutou-a por bastante tempo, até que sentiu que sua boca molhava cada vez mais, até que sentiu-a tremer por inteiro e gozar em sua boca como nunca havia gozado antes.
- Oh Ulisses... Eu me sinto inteira novamente... – ela ainda mantinha os olhos fechados de satisfação e prazer.
Ele voltou a beijar-lhe o corpo todo, seu membro já muito dolorido de tão ereto, e lentamente começou a penetrar-lhe. Era a melhor sensação do mundo, sua deusa, sua arte... Nunca ninguém o havia excitado desta forma anteriormente. Ela gemia com seu membro todo dentro dela, em uma mistura de êxtase, alegria e prazer. Ele ejaculou dentro dela, de maneira que ela pode senti-lo verdadeiramente desta vez.
- Catharina... – ele deitou-se ao lado dela – Eu sou todo seu. Para sempre.
Ele abraçou-a e ali adormeceram juntos.
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Dez anos depois:
O doutor Ulisses acabara de sair de seu consultório. Passou em uma floricultura e pegou sua encomenda: Orquídeas. Dirigiu até sua casa e abriu a porta da sala. Catharina encontrava-se sentada sob o pedestal de mármore, mais radiante do que nunca, à espera do marido.
Ele sorriu e lhe entregou as flores. Ela parecia encantada. Ambos sentaram-se à mesa e o jantar foi servido pela ajudante da casa.
- Meu amor – ele servia-se de uma bela taça de vinho, sentando-se ao seu lado para lhe ajudar a comer – Quero que saiba que nestes últimos dez anos, você me fez a pessoa mais feliz deste mundo! Eu amo você!
- E eu amo você! – eles se beijaram e começaram a jantar.
- Vinho? – ele ofereceu.
- Agora não, obrigada!
Ele deu um pequeno gole na taça.
Alguns minutos depois, ele acendia seu charuto, ao lado da esposa em seu pedestal de mármore. De repente começou a sentir-se atordoado. Tentava respirar, mas não conseguia. Começou a sufocar e a agonizar. Seus olhos castanhos encontraram-se com os olhos verdes de Catharina, que parecia minimamente abalada com a situação.
- Oh meu amor, eu te amo tanto... – ela proferia enquanto observava seu marido agonizar – Mas algumas obras de arte nunca devem ser tocadas.
A empregada aparecia à porta segurando a garrafa de vinho. Colocou Catharina em sua cadeira de rodas e abaixou-se para ajeitá-la na mesma. De longe era possível avistar sua perna mecânica por debaixo de sua calça.
- E agora, Angelina? – ela perguntava à amiga.
- Agora? – ela respirou aliviada – Agora vamos viver.
As duas partiram pela porta da frente.