O café e ela
Ela era o meu tudo. O tudo e ainda mais. Era como se ela fosse a velha e conhecida calmaria na tempestade. Se no mundo sobrasse apenas uma comida e eu fosse o felizardo em ter a sorte de ficar, certamente compartilhava com ela. A razão das minhas insônias, das minhas mudanças drásticas e do meu sorriso de rasgar o rosto. Elena era o nome dela.
A conheci em uma biblioteca pública da cidade. Ela usava uma calça jeans de lavagem clara, uma blusa marrom, que de primeira achei tão feio, e uma sapatilha rosa, até quando ela sentiu que alguém a olhava, virou-se para mim e sorriu. Foi com certeza o sorriso mais desconcertante que já tinha visto nos meus 24 anos de vida. Eu quase pude cair da cadeira, mas me contive quando ela parou de sorrir e veio ao meu encontro.
Com o semblante de preocupação, perguntou se eu estava bem. A partir daí eu havia me tornado o homem mais tolo e ingênuo possível. Até mesmo a voz dela era a coisa mais doce da vida, mais doce que os próprios doces.
Ela só foi embora depois de eu ter criado várias desculpas para justificar o meu estado mental ou físico, mas quem eu queria enganar? Elena sabia que havia mexido nas engrenagens do meu corpo e por isso se afastou rapidamente.
Depois daquele dia, eu sempre ia para a biblioteca e percorria por ela com o olhar, até sentir o meu pescoço doer e, finalmente, vê-la.
Quando, enfim, pude ter a cara de pau em chamá-la para sair, ela veio ao meu encontro com aquele olhar que parece que sabia até dos meus segredos mais profundos. Me ofereceu café e me chamou para sair. De cara no chão e com o coração batendo mais rápido que um trem-bala, aceitei e ela abriu aquela boca carnuda e sorriu.
No nosso primeiro encontro, fui com um perfume horrível de meu pai, mas ela achou simpatia de minha parte. Simpatia eu não sei, mas vergonha eu tinha ficado.
Eu amei Elena como um pássaro ama o seu ninho, que mesmo depois de uma tempestade, sempre volta. Amei Elena como se quando a lua se apaixonou pelo mar, mas iria embora daqui há seis horas e voltava sempre no dia seguinte.
Eu amei Elena.
Suas curvas, que insistia em dizer que não tinha. Seu cabelo alto e embaraçado. Seu andar meio torto. A sua voz esganiçada quando brigava. Adorava o jeitinho dela quando tomava café, ficava manhosa e dizia que o dia já começou. Adorava os seus beijos… Meu Deus, o seu beijo era a coisa mais sensual e drástica que um ser humano de peito devastado como eu podia sentir!
Elena foi e é a mulher dona do meu eu.
Já se foram 5 anos desde que ela foi morar no céu, mas eu ainda sempre faço o seu café e a espero tomar. Pode ser loucura minha ou falta de racionalidade, mas eu a sinto. Todos os dias e em todas as horas.
Eu, realmente, perdidamente e loucamente, amei Elena.